NoahDesde o primeiro instante, eu soube que havia algo quebrado nela.Era como observar uma peça de arte antiga — bela, mas cheia de rachaduras invisíveis. Emily tinha esse jeito de sorrir com os olhos tristes, de se perder em pensamentos quando o mundo estava calmo demais. Nunca disse tudo, e talvez tenha sido isso que mais me atraiu: o mistério, o silêncio, a dor velada que eu quis curar.Mas há feridas que não se curam com presença.Há fantasmas que nem mesmo o amor espanta.E o fantasma dela tinha nome.Alexander.Nos três meses em que estivemos juntos, Emily nunca disse seu nome. Mas havia sempre uma sombra, uma ausência. Às vezes, ela acordava à noite, ofegante, olhando ao redor como se tivesse fugido de um pesadelo. Outras vezes, durante um beijo, seus olhos se perdiam por segundos longos demais.No começo, eu achei que era só trauma.Depois percebi que era amor.Distorcido. Ferido. Mas ainda presente.Mesmo assim, eu me permiti tentar.Eu a amava.Não da forma possessiva, int
EmilyTentei evitar abrir a carta por dois dias.Ela ficou ali, guardada na primeira gaveta da minha escrivaninha, como uma bomba silenciosa pronta para explodir. Eu a carregava dentro do peito mesmo antes de rasgar o envelope. Sabia que o conteúdo não apagaria a dor, mas talvez reacendesse uma parte de mim que eu vinha tentando enterrar.Na terceira noite, cedi.Apaguei as luzes, sentei-me no chão do quarto e a li sob a luz suave do abajur."Emily,Talvez eu não mereça te pedir isso. Mas preciso que saiba: continuo aqui. Esperando. Lutando.Se decidir voltar, não encontrará o mesmo homem.Encontrará um homem disposto a reconstruir o que destruiu.A."Minhas mãos tremiam. Meus olhos ardiam. E meu coração... meu coração era uma caixa de vidro trincada por dentro.Alexander nunca foi apenas um amante. Ele foi minha ruína, minha vertigem, meu vício mais puro. Fugir dele não significava só me libertar de um relacionamento perigoso. Significava tentar reaprender quem eu era sem ele.Mas e
POV: Julian Dizem que o tempo cura tudo. Mentira. O tempo apenas afasta o sangue da superfície, empurrando a dor para lugares mais escuros, mais profundos, até que ela se torne útil. Eu aprendi a usar a dor como moeda. E Alexander me ensinou isso da forma mais cruel possível. Observo a fotografia em cima da mesa. Emily, sentada à beira do lago, as pernas cruzadas, o olhar perdido no horizonte. Frágil. Sozinha. Exatamente como eu queria que estivesse. Viktor havia feito um bom trabalho. Discreto. Paciente. Mortal. —Ela ainda hesita — diz ele, enquanto se encosta na parede do quarto de hotel. —Mas o peso da dúvida já a consome. Não durará muito. —Ótimo — respondo, girando o copo de uísque em minha mão. —Não precisamos que ela nos ame. Só que desconfie dele. —E Noah? —Um fantoche. Útil, por ora. O papel de porto seguro é uma armadilha clássica. Mas eficaz. Alexander sempre teve um gosto destrutivo. Não sabe cultivar, só sabe possuir. E quando alguém como ele ama
POV: Emily Era estranho como o silêncio podia ser tão barulhento quando se está tentando esquecer alguém. Noah me observava do outro lado da sala, as mãos nos bolsos, o olhar calmo. Ele sempre parecia saber quando eu estava me desfazendo por dentro, mesmo que eu sorrisse ou disfarçasse. Eu estava cansada de fingir. Cansada de resistir. Cansada de sentir Alexander em cada batida do meu coração, mesmo quando ele não estava ali. —Você está distante hoje — Noah disse, caminhando até mim, a voz baixa, gentil. —Só estou cansada — menti, porque a verdade doía demais. A verdade era que eu ainda sentia o cheiro de Alexander na minha pele, mesmo meses depois. Ainda escutava a forma como ele dizia meu nome, com raiva, desejo, desespero. Mas eu queria esquecê-lo. Precisava. E ali estava Noah: estável, doce, presente. O oposto de tudo que Alexander era. Ele parou diante de mim e tocou meu rosto com uma delicadeza que me quebrou. Seus dedos roçaram minha bochecha como se eu fosse feita d
POV: AlexanderNão era só o silêncio que me incomodava.Era a ausência dela.A falta de sua voz, seus passos, sua respiração ao meu lado. A ausência de tudo que se tornou indispensável.Emily.Mesmo tentando, eu não conseguia arrancá-la de mim.Passei os últimos dias enterrado em relatórios, reuniões e tentativas patéticas de convencimento de que o tempo curaria o que ela deixou. Mas não curou.Pelo contrário.Tudo que ela tocou em mim continuava aceso.E agora... agora havia algo pior.O silêncio dela estava diferente.Denso. Distante.Como se alguém estivesse ocupando o espaço que deveria ser meu.Entrei em meu apartamento e joguei as chaves no balcão.Liguei a tela do celular e a foto que tirei dela — sem que percebesse — ainda era o plano de fundo.Emily deitada na minha cama, os cabelos bagunçados, um sorriso sonolento nos lábios.Inferno.Era tortura.Peguei o copo de uísque com raiva. A bebida desceu queimando, mas não mais do que o ciúme que fervia no meu estômago.Eu sabia qu
POV: EmilyQuando abri a porta e vi Alexander ali, parado como se nunca tivesse ido embora, meu coração parou por um instante.Era como se todo o ar tivesse desaparecido do ambiente.Ele usava aquela camisa preta. A que eu gostava. A que eu odiava agora, porque me fazia lembrar do quanto ele era perigoso para mim.E mesmo assim, deixei que entrasse.O apartamento parecia pequeno demais com ele ali.Ou talvez fosse o peso da lembrança de tudo que vivemos.Ele caminhava devagar, olhando em volta como se procurasse vestígios de si mesmo no lugar. E havia.Nos cantos da minha memória.Nos suspiros que engoli nos últimos dias.—Você está bem? — ele perguntou, com a voz grave, mas baixa.Quase... gentil.Quase.—Você não pode simplesmente aparecer assim — murmurei, mantendo distância. —Não depois de tudo.—Eu precisava te ver.Aquela frase deveria me deixar furiosa.Mas me desmontou.—Alexander... — comecei, passando as mãos pelos cabelos, nervosa. —Você não tem esse direito.—E Noah tem?A
POV: NoahEu sempre fui bom em ler pessoas. Faz parte da minha natureza. Talvez por isso, quando Emily me recebeu com aquele sorriso contido naquela noite, eu soube na hora: havia algo errado.Era como se ela estivesse tentando manter uma aparência de normalidade. Mas seus olhos — ah, os olhos dela — diziam outra coisa.Dor.Culpa.E medo.—Tá tudo bem? — perguntei, me inclinando para beijá-la.Ela hesitou um segundo antes de retribuir. Só um segundo, mas foi o suficiente para meu estômago se revirar.—Claro — respondeu, dando um sorriso forçado. —Só estou cansada.Cansada.A desculpa favorita dos que estão tentando esconder algo.Entrei em seu apartamento e fechei a porta atrás de mim. A sala estava diferente. Não bagunçada, mas... desalinhada. Como se alguém tivesse estado ali e ela tivesse tentado arrumar às pressas.Meus olhos vasculharam o ambiente automaticamente. E foi então que notei.Um copo na mesa de centro.Vazio. Mas não era o dela. Era maior, mais pesado, como os que cos
POV: EmilyO som da porta batendo ainda ecoava nos meus ouvidos.Noah tinha ido embora.E, com ele, a única certeza que eu ainda tinha nesse caos emocional.Eu me sentei no chão da sala, abraçando os joelhos. A taça de vinho continuava intocada na mesa de centro, ao lado do copo que Alexander usara. Eu deveria tê-lo jogado fora, escondido qualquer rastro... mas não consegui.Parte de mim queria que Noah descobrisse.Porque parte de mim estava cansada de mentir.A dor era real. Pulsava no peito como uma ferida aberta. Mas o que mais doía era saber que eu a tinha causado.Noah não merecia aquilo.Ele merecia uma mulher inteira.E tudo o que eu conseguia ser era um campo de batalha entre o passado e o presente.Me levantei cambaleando e fui até o banheiro. Me encarei no espelho.Cabelos bagunçados. Olhos vermelhos.Marcas no pescoço que nem tentei esconder direito.Marcas dele.Alexander.Eu me odeio por ceder. Por deixá-lo me tocar como se ele ainda fosse dono de mim.Porque, no fundo,