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Capítulo 5 - Repartindo o pão

Juro que eu pretendia avaliar cuidadosamente o gosto, procurar algo estranho ou até tentar ler a expressão do homem enquanto comia, para evitar ser envenenada — mas falhei. Assim que fechei a boca, a comida se derreteu nela. Estava perfeitamente cozida, macia e saciante; eu só queria comer a panela inteira.

Ele deve ter percebido, porque sorriu satisfeito.

— Aqui, eu vou te servir um prato.

— Ah, não, senhor. Obrigada, mas não, obrigada. Aqui: sua chave... cartão... coisa — disse, pegando-o dentro da bolsa. — Vou só pegar meu carro e ir embora.

— Bem, isso vai ser um problema. — Pegou o cartão com delicadeza. — Seu carro... Bom, não é muito seguro você andar por aí com ele. E acho que você merece um agradecimento decente por hoje. Mas antes, você realmente não quer provar meu brasato al Barolo? É muito bom. Por favor, sente-se!

— O que você fez com o meu carro? Já passei por tanta coisa hoje, cobrindo whatever seja que você faz, e eu não quero mais encrenca, senhor... Eduardo ou Jean-Luc ou seja lá qual for seu nome.

A expressão dele caiu de um jeito charmoso, e ele sorriu para si mesmo.

— Esqueci de me apresentar. Sinto muito. Isso foi rude demais. Olá, Carla, eu sou o Daniel.

E estendeu a mão.

— Como você sabe meu nome?

— Eu... vi no seu carro. Desculpe. Foi meio que uma emergência. E tive que transferir suas coisas do seu carro antigo para o outro.

— Carro antigo? Outro? Como assim...?

— Venha comigo, por favor.

Ele me afastou da cantora italiana e do molho tentador, pelos corredores, até uma garagem com vários modelos de carro.

— Então, onde está? — perguntei.

— Aqui. — Ele apontou e balançou um chaveiro diante dos meus olhos.

— Esse não é o meu carro!

— É agora. Não gosta? Escolha outro. Como eu disse, o que você estava dirigindo não era seguro e hoje levou alguns arranhões e amassados, então talvez seja melhor ficar com um novo. Um que realmente funcione.

— O meu carro funcionava!

— Não mais, depois de hoje. Aproveite. Então... jantar?

— Olha, eu não sei que jogo você tá querendo armar aqui, mas eu não quero participar, certo? Só quero ir pra casa, ficar com meu filho e trabalhar amanhã. Tenho contas pra pagar. Me devolve o carro antigo, no estado que for, e eu vou embora e fingimos que nunca nos vimos.

— Isso não vai acontecer. Na verdade, nada daquilo vai mais acontecer.

— O quê não vai acontecer? Meu carro?

— E seu emprego. E suas contas. Veja bem: você me ajudou muito mais do que imagina hoje. Não só me ajudou a evitar uma... digamos... inconveniente entrevista, como também me ajudou a me livrar daquele nojento do Valentine. E do jeito que você o tratou, acusando-o de abuso... Foi genial! Adorei como você o desviou da investigação. E você nem é advogada ainda!

— Eu não vou ser advogada. Sou secretária de um advogado.

— Bem, podemos contornar isso, se você quiser.

— Contornar...? Como? Espera, nem quero saber. Não me interessa nada ilegal.

— E é aí que fica interessante: você obstruiu voluntária e livremente a investigação do Valentine. Você mentiu para ele na cara dura. Com testemunhas. E escondeu que eu tinha uns itens suspeitos no meu carro. Isso não é exatamente comportamento de cidadã exemplar.

— Mas... eu não fiz nada de errado! — murmurei.

— Claro que não. Somos ambos cidadãos exemplares e pagadores de impostos. Pilares da comunidade.

— Você pagou imposto dessa casa? E desses carros todos? — perguntei.

— A casa, em si, pertence a uma subsidiária de uma empresa de tecnologia nascida na República Dominicana da qual eu possuo uma pequena participação.

— Ah, entendi — respondi, como se tivesse conseguido seguir a lógica.

— E esse carro aqui que você está me oferecendo desde que destruiu o meu. Também pertence a uma empresa dominicana?

— Hummm... esse... acho que foi leiloado no México depois que a concessionária faliu, após o dono sofrer um acidente feio. Veio como baixa contábil de uma dívida que a concessionária tinha com uma empresa de logística.

— E você comprou um carro no México?

— Não, comprei a empresa de logística que detinha a dívida e coloquei o carro emplacado aqui. E comprei todos os seus ativos antes de fechar a firma.

— Entendi. — Não, eu não tinha entendido.

— Tudo perfeitamente legal pela lei na maioria dos países. Ser um empreendedor internacional é meio complicado. Agora, vamos comemorar a aquisição do seu novo carro com um jantar? Meu brasato tá esfriando e o vinho tá ficando raso nas taças. E já te digo: o vinho sozinho valia mais do que o carro que você perdeu.

— Eu perdi?

— Sim, que inconveniente terrível, não é? Ter seu carro roubado ali no estacionamento onde você trabalha?

— É essa a história que eu devo contar às pessoas?

— Recomendo que sim.

— Olha, não me sinto confortável com nada disso. Nem com a casa dominicana, nem com a tal empresa de tecnologia e especialmente com o carro mexicano.

Daniel sorriu outra vez.

— Veja bem: nada aqui é confortável. Não gosto que você tenha visto meus passaportes e saiba algo sobre mim. Mas também não acho que você gostaria que a polícia recebesse um vídeo seu mentindo para um detetive e protegendo um homem procurado. Isso te coloca como cúmplice. Ainda mais agora, que você entrou na minha casa sozinha e me trouxe o carro procurado.

A voz dele ficou fria e pragmática, mesmo com o sorriso. Os olhos azuis não tinham calor nenhum. Parecia uma serpente em volta da presa.

— Então você pode voltar pra casa com esse cheque gordo no bolso e torcer para que nada lhe aconteça nas nossas ruas perigosas — ou aceitar uma justa reparação de um amigo arrependido, jantar bem e dormir na sua cama quente sabendo que o Diogo tem agora um futuro.

— Como você sabe tudo isso? — perguntei, assustada.

Então a expressão dele amoleceu e a voz ganhou um tom alegre.

— Estou com fome e, como disse, o vinho tá pegando pó na cozinha. Siga-me e coma. Saco vazio não fica em pé, minha avó costumava dizer. Um brasato al Barolo com penne alla burrata vai encher esse saco direitinho!

E ele virou de volta para o corredor que dava na cozinha.

— Vai me acompanhar? — gritou por cima do ombro. — A escolha é sua!

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