Istambul fervilhava sob o sol tardio quando Defne Topal equilibrava uma bandeja de cafés e preocupaçÔes crescentes. No bistrÎ onde trabalhava, entre risadas apressadas de clientes e o aroma de cardamomo, ela tentava ignorar o celular vibrando no bolso.
âEles disseram que vĂŁo quebrar minhas pernas. Me ajuda.â Era seu irmĂŁo, Serkan. Impulsivo, teimoso, e agora encurralado por agiotas.
Naquela noite, uma mulher entrou no restaurante com uma presença cortante: vestido impecĂĄvel, joias discretas e olhar cirĂșrgico. Neriman İplikçi, rica e estrategista, estava ali por um motivo.
â VocĂȘ Ă© Defne Topal?
â Sou.
â Quero fazer uma proposta. Um contrato.
â Que tipo de contrato?
â Quero que vocĂȘ conquiste meu sobrinho, Ămer İplikçi. Faça ele se apaixonar. E entĂŁo desapareça.
Defne recusou, firme.
â Isso nĂŁo Ă© certo.
â Ele precisa de alguĂ©m como vocĂȘ. AlguĂ©m que desarme. VocĂȘ Ă© caos. Ele Ă© controle.
Mas Defne nĂŁo se vende fĂĄcil.
Nos dias seguintes, a pressão aumentou. Serkan foi ameaçado. Agiotas surgiram no bistrÎ. Sem alternativas, Defne ligou para Neriman.
â Se ainda quiser... eu aceito.
Neriman a preparou como quem cria um personagem: vestuĂĄrio, postura, vocabulĂĄrio, atĂ© os detalhes que Ămer valorizava.
A missĂŁo estava desenhada. Defne seria inserida na empresa İplikçi Shoes como assistente â mas sua função era emocional.
No primeiro dia, ao empurrar a porta de vidro da sala de criação, lå estava ele.
O homem do beijo improvisado. Do tapa. Agora, o chefe.
â VocĂȘ...
â A garota do tapa.
â E agora minha assistente?
â Parece que o destino gosta de ironias.
A sala de criação da İplikçi Shoes era mais santuĂĄrio do que escritĂłrio. Cada protĂłtipo, cada curva de sapato, cada textura carregava um detalhe emocional â mas escondido sob camadas de perfeição estĂ©tica.
Ămer İplikçi nĂŁo sorria. NĂŁo elogiava. Observava como quem procura falhas humanas.
Defne Topal, sua nova assistente, tentava navegar esse labirinto. Sob os olhos de Yasemin, diretora de criação elegante e exigente, e Sinan Karakaya, sĂłcio extrovertido e charmoso, ela descobria aos poucos que ali, cada passo errado tinha consequĂȘncias silenciosas.
Durante uma reuniĂŁo, Defne errou uma nomenclatura de tecido. Ămer nĂŁo gritou. Mas seu olhar deixou claro: ele odiava improvisaçÔes.
â Se nĂŁo souber, pergunte. NĂŁo invente.
Na pausa do café, Sinan tentou amenizar.
â Ele nĂŁo era assim. Mas foi traĂdo. Pessoal e profissionalmente.
â E agora?
â Agora ele fecha portas antes que alguĂ©m tente abrir.
Defne engoliu a culpa. Sabia que o plano de Neriman era exatamente o tipo de mentira que Ămer destruĂa. Mas ela precisava proteger Serkan. SĂł que cada dia ali, com Ămer, entre tensĂŁo e admiração, seu coração começava a colidir com o contrato.
Ămer andava como quem nunca tropeçava. Seus olhos cortavam mais que palavras. Para ele, trabalho nĂŁo era rotina â era refĂșgio.
Defne tentava se manter profissional. Mas tudo nele a deixava inquieta.
Durante uma reuniĂŁo, ela apresentou uma sugestĂŁo ousada de amarração em sapato feminino. Yasemin aprovou, Sinan elogiou, mas Ămer virou a folha.
â NĂŁo Ă© inovação. Ă repetição.
Mais uma marca no ego. Mais uma dĂșvida plantada.
Sinan se aproximou.
â Para ele, tudo Ă© pessoal. Mas sĂł revela isso quando jĂĄ nĂŁo Ă© seguro.
â EntĂŁo talvez eu nĂŁo esteja segura.
â NinguĂ©m estĂĄ, perto demais.
Naquela noite, Defne ainda revisava esboços quando Ămer apareceu:
â VocĂȘ devia descansar.
â SĂł queria entender melhor os detalhes da costura interna.
â Isso nĂŁo Ă© sua função.
â Achei que fosse minha responsabilidade me preparar.
â Preparação exige intenção. NĂŁo curiosidade.
A tensĂŁo entre eles era espessa. E pela primeira vez, Ămer se aproximou com menos rigidez.
â Por que vocĂȘ realmente estĂĄ aqui, senhorita Topal?
Ela hesitou. Sorriu com firmeza.
â Para aprender. E talvez... para te incomodar um pouco.
Ele arqueou uma sobrancelha, quase curioso.
â Incomodar Ă© o primeiro passo para provocar mudança. Mas mudanças... cobram caro.
Ela saiu da sala com o coração em chamas. Pela primeira vez, nĂŁo sabia se o contrato ainda era o problema â ou se o problema era o que ela começava a sentir.