Istambul fervilhava sob o sol tardio quando Defne Topal equilibrava uma bandeja de cafés e preocupações crescentes. No bistrô onde trabalhava, entre risadas apressadas de clientes e o aroma de cardamomo, ela tentava ignorar o celular vibrando no bolso.“Eles disseram que vão quebrar minhas pernas. Me ajuda.” Era seu irmão, Serkan. Impulsivo, teimoso, e agora encurralado por agiotas.Naquela noite, uma mulher entrou no restaurante com uma presença cortante: vestido impecável, joias discretas e olhar cirúrgico. Neriman İplikçi, rica e estrategista, estava ali por um motivo.— Você é Defne Topal?— Sou.— Quero fazer uma proposta. Um contrato.— Que tipo de contrato?— Quero que você conquiste meu sobrinho, Ömer İplikçi. Faça ele se apaixonar. E então desapareça.Defne recusou, firme.— Isso não é certo.— Ele precisa de alguém como você. Alguém que desarme. Você é caos. Ele é controle.Mas Defne não se vende fácil.Nos dias seguintes, a pressão aumentou. Serkan foi ameaçado. Agiotas sur

O céu sobre Istambul amanheceu pálido, como se refletisse a confusão que queimava silenciosa no peito de Defne Topal. A cidade parecia se mover em câmera lenta, mas o tempo dentro dela corria rápido demais.O plano começava a desmoronar por dentro. O que antes era estratégia, agora ganhava textura emocional. Cada palavra trocada com Ömer, cada olhar sustentado por mais de três segundos, deixava Defne mais próxima de um abismo que não sabia se deveria atravessar.Na empresa, o clima também mudara. Pamir ocupava os espaços com naturalidade provocadora. Durante as reuniões, ele lançava comentários envoltos em ironia, e mesmo os elogios pareciam calculados para desestabilizar.— Você tem potencial, Defne. — disse ele, após uma sugestão dela sobre a campanha nova.— Só precisa deixar de ser tão... obediente.Ela desviou o olhar. Pamir enxergava demais. E talvez soubesse — ou suspeitasse — do que ela realmente fazia ali.Mas o que mais a preocupava era Ömer. Ele observava tudo com o semblan

Defne começou a evitar os espelhos.A cada manhã, olhava rápido para si mesma — como se o reflexo pudesse acusá-la de traição. Nada nela parecia seguro. Nem a expressão, nem o coração.Na empresa, Ömer observava em silêncio. Ele tinha aquele jeito: quieto demais quando pensava, intenso demais quando sentia.— Você se lembra da nossa primeira reunião? – perguntou, sem tirar os olhos dela.— Claro. Você me perguntou por que estava ali.— E você mentiu.Defne travou. Ele sabia?— Eu pensei que aquilo era só provocação...— Eu provoco o que quero entender. E agora... quero entender você.Ela sorriu, mas por dentro o pânico se instalava. Cada minuto que passava, o risco aumentava. Pamir havia deixado um envelope em sua bolsa. Sem nome. Sem assinatura. Apenas fotos. Fotos de reuniões. De contratos. De Neriman. E dela.Mais tarde, quando todos saíram, ela ficou na sala de criação. Acendeu uma luminária discreta e começou a rabiscar um novo desenho — um vestido com costura dupla e bolsos ocul

Não foi no olhar. Nem nas palavras. Mas no silêncio entre os dois que brotou o primeiro gesto de recomeço.Defne estendeu a caixa. A mesma que guardava tudo. O croqui, a pulseira, a carta.— Se ainda dói… é porque foi verdade. — ela disse.Ömer não respondeu de imediato. Apenas olhou a caixa, como se ela fosse uma semente. Algo que não germina na pressa, mas que exige cuidado.Ele abriu. Tocou os papéis. Leu a carta que nunca recebeu.“Você me ensinou sobre entrega. Eu te ensinei sobre medo. Talvez agora seja hora de aprendermos sobre escolha.”Ele fechou os olhos. Respirou como quem volta a sentir.Na empresa, o clima mudou.Yasemin, ao vê-lo, teve um instante de surpresa. Mas depois… sorriu. Sabia que o destino, às vezes, desarruma para depois reorganizar.Sinan não disse nada. Apenas passou por Ömer e tocou seu ombro. Um gesto breve. Mas cheio de respeito.— Se for para voltar… — ele disse, sem olhar para trás — …que seja diferente.À noite, Defne e Ömer caminharam até o bistrô. Se

A primeira chuva forte de outubro caiu sobre Istambul como um clarão: lavou as ruas, escondeu os ruídos, e trouxe com ela um cheiro de tempo que volta.Na recepção da İplikçi Shoes, Defne esperava por Ömer com um croqui nas mãos e um peso no peito. A nova linha estava pronta. Mas ela sabia: o desenho mais bonito que criara não era para os pés. Era feito de palavras.Horas antes, Yasemin lhe revelara uma verdade que parecia pedaço de novela antiga:— Você sabia que a empresa foi fundada com couro herdado de um alfaiate libanês?— Não...— Pois bem. Esse couro veio como parte de um acordo familiar. Só que entre as linhas do contrato… havia uma cláusula de segredo.Defne ficou imóvel.— Segredo?— Sim. A cláusula dizia que se algum dos İplikçi desrespeitasse a promessa de manter a empresa sob comando direto da família, o acordo seria quebrado. E tudo voltaria para os herdeiros libaneses.— Mas quem quebrou?Yasemin hesitou.— Neriman. Ela vendeu uma porcentagem sigilosa para uma empresa