O gosto amargo da bebida já não lhe causava efeito algum. Ele havia tomado uma, duas, três doses, mas a culpa que lhe corroía o peito continuava latejando dentro dele como uma ferida aberta. Eduardo tinha ido embora. Seu irmão, aquele que sempre carregara o peso do nome Vieira de Sá com orgulho, partira sem dizer uma palavra. Max sentia o peso dessa escolha como se carregasse uma pedra amarrada ao peito. Ele sabia o motivo. Sabia que Eduardo se fora por sua causa. Por Cecília. E, ainda assim, por mais que tentasse se arrepender, por mais que tentasse convencer a si mesmo de que jamais deveria ter desejado a mulher que não era sua, ele não conseguia. Porque a verdade era cruel e imutável: ele a amava. Mas o que restava agora? Ele não podia voltar para casa. Não ainda. Não quando Cecília o olhava com aqueles olhos carregados de incerteza. Não quando ela o segurava como se estivesse com medo de que ele fugisse. Ele precisava de respostas. E por isso, quando um dos hom
Max tentou abrir os olhos. A dor explodiu em sua cabeça, latejante, como se mil navalhas estivessem enterradas em seu crânio. O gosto de sangue impregnava sua boca, a pele ardia onde haviam lhe atingido. A cada respiração, sentia o peito protestar com uma pontada aguda. Estava escuro, mas ele soube de imediato que estava preso. As cordas em seus pulsos estavam apertadas demais, cortando sua circulação. Os tornozelos também estavam presos, restringindo qualquer movimento. O cheiro ao redor era fétido — ferrugem, mofo e suor. Ele tentou se mexer, puxar os braços para se soltar, mas uma fisgada cortante nas costelas o fez engasgar em um grunhido de dor. Cecília. O pensamento dela veio como um choque. Ele se lembrou do último momento antes de sair de casa — o jeito como ela o abraçou forte, como se temesse perdê-lo. E ele, tolo, apenas a beijou rapidamente e disse que voltaria logo. Agora, ela devia estar sozinha, esperando por ele. Ou pior: podia estar em perigo. Max sentiu o de
Cecília não bateu à porta. Ela entrou de rompante, sem se importar se Vicente estava em reunião, se estaria ocupado com seus papéis e responsabilidades. Nada mais importava. Vicente, sentado atrás da grande escrivaninha de mogno, cercado por pilhas de documentos, levantou-se de imediato ao vê-la naquele estado. — Cecília? — A voz dele foi um misto de surpresa e preocupação. — O que houve? Ela tentou falar, mas as palavras ficaram presas na garganta. O nó que sentia desde a noite em que Max desapareceu sufocava, deixando apenas um soluço escapar. — Fale, mulher! — Vicente a segurou pelos braços, sacudindo-a levemente. Cecília fechou os olhos com força. As lágrimas quentes deslizaram por seu rosto, junto com a confissão dolorosa: — Max sumiu. Vicente esticou o corpo, alerta. — Como assim, sumiu? Ela tentou engolir o choro, mas sua voz saiu embargada quando respondeu: — Ele saiu naquela noite… Disse que precisava espairecer… E nunca mais voltou. Vicente ficou tenso. — Isso j
O gabinete de Vicente era sempre um lugar de ordem e raciocínio lógico, mas agora, era um campo de batalha silencioso. O cheiro de couro dos móveis e do fumo queimado no cinzeiro era sufocante, misturando-se ao peso da tensão no ar. O mais velho dos Monteiro de Alcântara estava de pé, vestindo o paletó com movimentos meticulosos ocultando em seguida um revólver sob suas roupas, pronto para sair. Álvaro calçava as luvas de couro, o olhar perdido, mas a expressão perigosa de quem já imaginava o que poderia encontrar pela frente. E Cecília… Cecília estava ali, pálida como um fantasma, as mãos apertadas contra a saia, como se precisasse se segurar para não cair. Ela não podia deixar que saíssem sem saber de tudo. — Esperem! — Sua voz saiu urgente, mais alta do que pretendia. Os três irmãos pararam. Vicente se virou lentamente, o olhar escuro fixo nela. — Cecília, se tem algo a dizer, diga logo. — Sua voz era firme, mas impaciente. Ela engoliu em seco. Seu coração martelava contra
Max sentia o gosto metálico do sangue na boca. A dor era uma presença constante, latejante, um tambor silencioso batendo contra seu crânio. Ele estava jogado no chão frio do galpão, os pulsos presos por cordas ásperas e os músculos gritando de exaustão. Seu rosto estava inchado, um dos olhos quase se fechando completamente, e cada respiração fazia seu peito arder. Rodrigo, o homem que um dia fora apenas um rival em apostas e negócios escusos, agora o observava com um sorriso de puro desprezo. Ele ajeitou o colete caro, os dedos deslizando por cima do tecido com a calma de um homem que sabia ter vencido. — Sabe o que é engraçado, Vieira de Sá? — Rodrigo falou, abaixando-se para ficar à altura de Max. — Eu passei anos construindo meu império. Não foi fácil, não com os cães da lei farejando cada um dos meus passos. Mas eu sempre fui esperto. Sempre soube com quem negociar, quem comprar, quem ameaçar. Até que o merda de um libertino apareceu e o maldito irmão moralista decidiu que ser
Isadora chegou ao salão como uma rainha, seu vestido escuro realçando cada curva, o olhar altivo varrendo o ambiente como se já soubesse que era o centro das atenções. Vicente, entretanto, não se moveu imediatamente. Ele esperou, analisando-a como um jogador experiente que não se precipita. Álvaro percebeu. — Se eu não te conhecesse, diria que está nervoso. — O tom era zombeteiro. Vicente girou o uísque no copo antes de beber um gole, sem desviar os olhos da mulher. — Nervoso? Eu? Isso aqui não é um duelo de verdade. — Ah, meu caro. Você está prestes a enfrentar a mulher mais perigosa deste lugar. E ela sabe disso. Vicente apenas sorriu de lado, a sombra de um predador satisfeito. E Álvaro já desaparecera nas sombras, deixando o irmão com sua missão especial. Quando Isadora finalmente percebeu sua presença, ela demorou um segundo a mais do que o necessário para avaliá-lo. E Vicente notou. Ele não se levantou. Não foi até ela. Não. Ele esperou. E ela veio. — Você não é um r
A casa estava em alvoroço. Cecília andava de um lado para o outro, incapaz de controlar a inquietação. O tempo parecia se arrastar, cada minuto que passava sem notícias de Vicente e Álvaro aumentava seu desespero. Sentia-se sufocada, impotente. A ideia de Max estar desaparecido por dias já era insuportável, mas saber que seus irmãos estavam se enfiando no submundo do Rio de Janeiro em busca de respostas a deixava à beira de um colapso. Gabriel, por outro lado, mantinha a calma com irritante naturalidade. Sentado em uma das poltronas, observava as irmãs em silêncio, os dedos tamborilando no braço da cadeira. Quando Cecília passou por ele pela décima vez em menos de cinco minutos, ele suspirou pesadamente. — Se continuar assim, vai cavar um buraco no chão. — Como pode estar tão calmo? — Cecília disparou, a voz embargada. — Nossos irmãos estão enfiados sabe-se lá onde, e Max… Max pode estar morto! Gabriel inclinou a cabeça, analisando-a. — Vicente e Álvaro sabem o que estão fazendo.
Álvaro estava ocupado demais devorando a boca de uma morena para prestar atenção ao tempo. As mãos dela serpenteavam por seu peito, unhas arranhando levemente sua pele por cima da camisa aberta. O cheiro adocicado do perfume dela misturava-se ao gosto do licor em sua língua. Era uma boa distração. Um passatempo enquanto Vicente fazia sua parte. Mas então ele viu. Isadora. Descendo as escadas com passos incertos, os cabelos desgrenhados, a boca manchada de batom — e não era o dela. Álvaro ergueu uma sobrancelha, afastando-se da mulher em seu colo com um meio sorriso. — Algo errado? — ela perguntou, ronronando contra sua pele. — Só preciso resolver uma coisa, querida. — Ele deslizou os dedos pelo queixo dela e se afastou, já focado na mulher que descia os degraus. Ele precisava ver para onde aquela desgraçada ia. *** Isadora caminhava com um misto de altivez e torpor. O álcool a fazia vacilar, mas não a ponto de apagar a segurança de seus movimentos. Ela ainda sabia on