O silêncio na casa dos Vieira de Sá era opressor. Apenas o estalo ocasional da madeira na lareira quebrava a tensão sufocante entre os dois irmãos restantes. Eduardo permanecia de pé, os ombros rígidos e a expressão fechada em um misto de raiva e decepção. Max, com o rosto ainda marcado pelos socos que recebera de Vicente e pelo peso das próprias escolhas, tentava conter a fúria que borbulhava em seu peito. — Eu ainda não consigo acreditar. — A voz de Eduardo soou áspera, cortando o silêncio como uma lâmina. — Você… com a mulher que eu ia me casar? Max passou a língua pelo corte no lábio inferior antes de responder, a voz rouca e carregada de emoção contida. — Não foi algo que eu planejei, Eduardo. Eu tentei… tentei me afastar. — Não tentou o suficiente. — Eduardo zombou, o tom carregado de sarcasmo e mágoa. — Eu sabia que o certo era deixar você e Cecília seguirem com esse casamento ridículo. — Max estreitou os olhos. — Mas toda vez que a via… Eu perdia o controle. O que exi
As semanas que se seguiram foram um turbilhão. Cecília sentia-se como uma marionete, arrastada de um cômodo a outro, de uma cidade a outra, enquanto as famílias corriam para reparar o que, aos olhos da sociedade, era um desastre irreversível. O casamento perfeito que ela teria com Eduardo – luxuoso, magistral, planejado nos mínimos detalhes – evaporou-se em meio ao escândalo. Em seu lugar, sobraram preparativos apressados, modestos, quase constrangedores. Não havia mais convites delicadamente caligrafados enviados às famílias mais influentes do Império. Agora, os convites eram poucos, entregues em mãos, acompanhados por sussurros e olhares de pena. Porque todos sabiam. Os rumores ecoavam pelas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro, espalhando-se como fogo em mato seco: "A impecável Cecília Monteiro de Alcântara foi desonrada." "Trocar um noivo por outro? Que vergonha!" "A pobre menina… Mal sabe que Max Vieira de Sá é um devasso, um libertino incurável. Se ele fez isso ao
A igreja era modesta demais para o que deveria ter sido o casamento perfeito. Não havia coro de músicos refinados ou arranjos luxuosos de flores frescas vindas da Europa. O altar simples destoava completamente do brilho e da grandiosidade que as famílias Monteiro de Alcântara e Vieira de Sá costumavam ostentar. Era um casamento às pressas. Um casamento forçado. E todos sabiam o motivo. Os cochichos mal-disfarçados ecoavam pelo ambiente abafado, palavras venenosas e olhares julgadores que Cecília fingia ignorar enquanto avançava, com passos calculados, em direção ao homem que, em breve, seria seu marido. "Desonrada." "Pobre moça, presa a um devasso como ele." "A perfeita Cecília trocou o noivo pelo cunhado… Que escândalo!" Cada sussurro parecia um golpe em seu orgulho, mas ela manteve a postura impecável – as costas retas, o queixo levemente erguido –, recusando-se a demonstrar qualquer fragilidade. Ainda assim, o coração pulsava descontrolado em seu peito. *** M
A viagem até Ilhabela foi mais longa do que Cecília imaginava. O calor do verão grudava em sua pele, e a estrada de terra sacolejava a charrete a cada pequeno buraco. Max estava ao seu lado, guiando o cavalo com uma expressão fechada. Desde que partiram de São Paulo, ele mal dissera duas palavras, o que a deixava inquieta. Por fim, quando o cheiro salgado do mar invadiu suas narinas e a brisa fresca aliviou o calor, Cecília se inclinou para frente, os olhos brilhando ao vislumbrar o azul infinito que se desenrolava diante deles. — É o mar? — Ela perguntou, a voz carregada de espanto. Max lançou-lhe um olhar de canto, um sorriso discreto dançando em seus lábios. — Sim. Não imaginava que nunca tivesse visto. Ela balançou a cabeça devagar, ainda absorvendo a visão fascinante. — Nunca saí do interior, e meu pai achava uma frivolidade viajar para lugares como este. — Seus olhos permaneciam fixos na imensidão azul. — É ainda mais bonito do que imaginei. Max riu baixo, o som ro
A brisa salgada soprava suavemente, brincando com os cabelos de Cecília enquanto ela observava o mar ao pôr do sol. O céu era um espetáculo dourado e alaranjado, refletindo-se nas águas calmas. Ela nunca vira nada tão grandioso, tão vasto e indomável. — Você está encantada. — A voz de Max veio atrás dela, rouca e carregada de um divertimento contido. Cecília sorriu sem tirar os olhos do horizonte. — É impossível não estar. Parece que o mundo se estende infinitamente... que tudo é possível. Max se aproximou, os passos firmes sobre a areia, e deslizou um braço ao redor de sua cintura, trazendo-a para perto. — Nem tudo, Cecília. — murmurou, os lábios roçando a curva sensível do pescoço dela. Ela estremeceu, inclinando a cabeça para lhe dar mais espaço. O toque dele era fogo e domínio, mas também havia um traço de reverência, como se ele próprio estivesse aprendendo a descobrir o amor. — O que não é possível, Max? — perguntou em um sussurro. Ele virou-a suavemente em seus braços,
Max estava determinado a dar uma vida boa para Cecilia, porém voltou para casa ao cair da noite, com os ombros tensos e o cenho franzido. O dia fora exaustivo, e a realidade da nova vida pesava sobre ele. Procurou trabalho em todos os lugares possíveis—cartórios, armazéns, até mesmo no porto—mas nada parecia promissor. Eduardo fizera questão de fechar portas para ele. Ao abrir a porta da casa, encontrou Cecília de pé, com um avental amarrado à cintura e algumas mechas de cabelo soltas do coque. O rosto estava corado pelo esforço, e havia uma mancha de poeira em sua bochecha. — Você está parecendo uma gata de rua — ele murmurou, deixando o chapéu de lado. Cecília ergueu uma sobrancelha e cruzou os braços. — E você está parecendo um homem que levou mais portas na cara do que gostaria de admitir. Max suspirou, passando a mão pelos cabelos. — E levei. Ela se aproximou, os olhos castanhos estudando cada linha de tensão no rosto dele. — Mas eu fiz progresso por aqui — disse,
O sangue de Max gelou. Seus dedos se fecharam com força ao redor do papel, antes de ele marchar até a cozinha e jogá-lo no fogão a lenha. As chamas o consumiram rapidamente, mas o gosto amargo daquelas palavras permaneceu em sua boca. Cecília, que o seguiu em silêncio, observou a cena com os braços cruzados. — Isso tem a ver com alguma mulher? — questionou, arqueando uma sobrancelha. Max desviou o olhar, focando nas últimas cinzas do bilhete. — Não é nada com que você precise se preocupar. — Oh, claro. Porque quando um homem queima uma carta sem sequer me contar do que se trata, isso certamente não é algo com que eu deva me preocupar — ela rebateu, cruzando os braços. Max suspirou, esfregando o rosto. — Cecília… — Era de alguma mulher? — ela insistiu, sem ceder um centímetro. Max hesitou por um instante. — Não exatamente. Cecília bufou, virando-se de costas. — Então há uma mulher envolvida. — Isso é passado — Max afirmou, sua voz tensa. Mas as palavras dele
Naquela noite, Max mal conseguiu dormir. O peso da culpa repousava sobre seus ombros como uma âncora, afundando-o em pensamentos que não lhe davam trégua. O corpo quente de Cecília ao seu lado era a única âncora que o mantinha firme, mas nem mesmo o conforto do toque dela conseguia dissipar completamente a tempestade dentro dele. Pela manhã, quando o sol mal havia surgido no horizonte, ele já estava de pé, vestindo-se com gestos rígidos. Cecília despertou ao ouvir o farfalhar das roupas, piscando sonolenta antes de se erguer na cama. — Max? — A voz dela ainda carregava a doçura do sono, mas seu olhar logo se fixou na expressão dele, captando sua inquietação. — Preciso sair. — Ele respondeu sem olhá-la, prendendo os botões da camisa com movimentos tensos. Cecília franziu o cenho e puxou o lençol para cobrir o corpo antes de deslizar para fora da cama. — Para onde? — Arrumar um trabalho. — Max soltou um suspiro pesado, passando a mão pelo rosto. — Não posso mais adiar isso.