LORCAN
Após deixar a desconhecida sob os cuidados da curandeira, na segurança da minha cabana, segui direto para a tenda do conselho. O clima dentro do espaço era mais denso do que o ar antes de uma tempestade.
Dahlia estava sentada ao lado direito da mesa, com as costas eretas e os olhos dourados faiscando entre cansaço e irritação. Ela mantinha distância física e emocional de Cassian, que ocupava a cadeira mais próxima da minha, do lado oposto. O jeito como ele balançava a perna, inquieto, e lançava olhares discretos para a companheira, denunciava a tensão entre os dois.
Mas ela sequer o reconhecia. Seus olhos o ignoravam com a precisão de quem está furiosa demais para perdoar.
Eme, sempre delicada, parecia dividida entre o desconforto e a culpa. Olhava de um para o outro como uma mãe preocupada tentando acalmar duas crianças briguentas. Perseus… Perseus estava como sempre: isolado no próprio mundo, girando uma moeda entre os dedos, com o olhar perdido em algum ponto da madeira da mesa.
Meus ombros pesavam como se carregassem o peso de uma alcateia inteira. Na verdade, era exatamente isso.
— Alguém pode me explicar o que diabos aconteceu na fronteira? — perguntei, apoiando as mãos sobre a mesa, minha voz baixa, mas carregada da autoridade que a posição de Alfa exigia.
Cassian foi o primeiro a falar, como era de se esperar.
— Simples, Alfa. — Cruzou os braços, o tom rígido como pedra. — Eme e Perseus trouxeram uma completa desconhecida para o nosso território. Quando cheguei ao local, informei que ela seria interrogada. A fêmea tentou fugir, e eu fiz o que era necessário para contê-la.
Dahlia soltou uma risada seca e amarga. Um som que mais parecia uma lâmina cortando o ar.
— Se vai contar, pelo menos conte direito — disparou ela, inclinando-se para trás na cadeira com um gesto de desdém. — Meus pais já tinham avisado que a trariam para você. Ela estava cooperando até você aparecer com toda a sua arrogância de macho beta e ameaçar prendê-la com os braceletes lunae e ainda deslocar o tornozelo machucado dela.
Cassian rosnou baixo, o olhar escurecendo.
— Arrogante, não. Precavido. Talvez você devesse tentar um pouco disso antes de sair simpatizando com estranhos… ainda mais nesse estado. — Seu olhar desceu para a barriga dela, agora bem visível.
Dahlia ergueu o queixo num desafio mudo, os olhos faiscando de puro ódio.
— Ela estava machucada, Cassian! Já tinha dificuldades para andar. Você acha mesmo que ela conseguiria me atacar? E, além disso… eu senti. Ela não tinha intenção de fazer mal a ninguém.
Cassian bufou, com uma risada sem humor.
— Sentiu? — Ele avançou o tronco para frente, como se estivesse pronto para explodir. — Dahlia, você sempre faz isso! Sempre acha que pode sentir o melhor das pessoas… Você esqueceu que estamos cercados por inimigos? Que estamos cada vez mais indo para o sul? Que qualquer passo em falso pode ser o suficiente para pôr todo mundo aqui em risco?
Ela mordeu o lábio, os olhos marejados de raiva, mas manteve a postura.
— Essa sua mania de tratar todo desconhecido como uma ameaça está te cegando, Cassian.
— E a sua mania de confiar em qualquer um vai acabar te matando. — Ele rebateu sem pensar.
Silêncio. Um silêncio pesado.
Eme limpou a garganta, como se tentasse suavizar o impacto.
— A culpa foi minha, Alfa. — Sua voz saiu baixa, com um tremor de vergonha. — Quando fomos até a Ilha das Devas buscar a planta que pediu, encontramos a garota ferida… fraca… ela mal conseguia respirar. Não tive coragem de deixá-la para morrer.
Perseus, como sempre, só acrescentou para defender o ponto de sua companheira:
— Não vimos motivos imediatos para matá-la. — Continuou rolando a moeda entre os dedos, sem levantar o olhar.
Fechei os olhos por um segundo. A Ilha das Devas… Um lugar que nenhum lobo em sã consciência escolheria visitar por vontade própria. Cheio de ervas venenosas para nossa espécie e completamente isolado. Só quem tem um bom motivo se arriscaria lá. Isso, por si só, já tornava aquela loba um problema.
— Entendo porque trouxeram ela. — Abri os olhos e encarei Cassian. — Mas sua abordagem foi precipitada.
Ele enrijeceu.
— Alfa…
— Não termine a frase. — Minha voz o cortou como aço. — Você está emocional demais, Cassian. Desde que soube da gravidez da Dahlia, está andando sobre um fio. E eu entendo. — Fiz uma breve pausa. — Mas não posso permitir que essa sua impulsividade coloque todos em risco. Não mais.
Ele abaixou o olhar, reconhecendo a bronca.
Cassian e eu éramos amigos desde criança, eu o conhecia como ninguém, assim como ele me conhecia. Eu sabia que suas atitudes não eram em vão, havia motivos para ele ser tão desconfiado e inseguro. Houve um tempo em que ele confiou em alguém e isso custou muito para a nossa alcateia.
— E você, Dahlia… — Girei meu foco para ela. — Eu admiro sua compaixão. Mas o mundo não funciona só com boas intenções. Tente, pelo menos, não se colocar de bandeja diante de alguém que ainda não sabemos se é amiga ou inimiga.
Ela respirou fundo, assentindo.
Cassian manteve a cabeça baixa e os punhos cerrados. Seu instinto de proteger estava se tornando uma bomba-relógio.
— Por hoje, é o suficiente. — Suspirei, esfregando o rosto com as mãos. — Vocês dois, vão descansar. Amanhã conversaremos de novo.
— Sim, Alfa. — Os dois disseram em uníssono, mas o clima entre eles continuava tenso.
Antes de sair, Cassian tocou meu ombro e murmurou, num fio de voz:
— Obrigado… irmão.
Assenti em silêncio, vendo-os desaparecer pela abertura da tenda.
Virei-me para os dois que restaram.
— Agora… vocês. — Cruzei os braços. — Quero saber todos os detalhes. Desde o momento em que puseram os pés na Ilha até decidirem trazer uma estranha para dentro do meu território. E quero saber o que já descobriram sobre ela… por menor que seja a informação.
Minha mente latejava com mil perguntas… Quem era aquela loba? Por que estava naquele lugar amaldiçoado? Que segredos trazia nos ossos frágeis e na pele marcada? E por que, por todas as malditas estrelas no céu, meu lobo reagia a ela de um jeito que nunca havia reagido a ninguém?
Havia algo nela… Algo que ainda estava por vir.
E eu precisava estar preparado.
A qualquer custo.