5. Sombras do passado

LORCAN

Após deixar a desconhecida sob os cuidados da curandeira, na segurança da minha cabana, segui direto para a tenda do conselho. O clima dentro do espaço era mais denso do que o ar antes de uma tempestade.

Dahlia estava sentada ao lado direito da mesa, com as costas eretas e os olhos dourados faiscando entre cansaço e irritação. Ela mantinha distância física e emocional de Cassian, que ocupava a cadeira mais próxima da minha, do lado oposto. O jeito como ele balançava a perna, inquieto, e lançava olhares discretos para a companheira, denunciava a tensão entre os dois.

Mas ela sequer o reconhecia. Seus olhos o ignoravam com a precisão de quem está furiosa demais para perdoar.

Eme, sempre delicada, parecia dividida entre o desconforto e a culpa. Olhava de um para o outro como uma mãe preocupada tentando acalmar duas crianças briguentas. Perseus… Perseus estava como sempre: isolado no próprio mundo, girando uma moeda entre os dedos, com o olhar perdido em algum ponto da madeira da mesa.

Meus ombros pesavam como se carregassem o peso de uma alcateia inteira. Na verdade, era exatamente isso.

— Alguém pode me explicar o que diabos aconteceu na fronteira? — perguntei, apoiando as mãos sobre a mesa, minha voz baixa, mas carregada da autoridade que a posição de Alfa exigia.

Cassian foi o primeiro a falar, como era de se esperar.

— Simples, Alfa. — Cruzou os braços, o tom rígido como pedra. — Eme e Perseus trouxeram uma completa desconhecida para o nosso território. Quando cheguei ao local, informei que ela seria interrogada. A fêmea tentou fugir, e eu fiz o que era necessário para contê-la.

Dahlia soltou uma risada seca e amarga. Um som que mais parecia uma lâmina cortando o ar.

— Se vai contar, pelo menos conte direito — disparou ela, inclinando-se para trás na cadeira com um gesto de desdém. — Meus pais já tinham avisado que a trariam para você. Ela estava cooperando até você aparecer com toda a sua arrogância de macho beta e ameaçar prendê-la com os braceletes lunae e ainda deslocar o tornozelo machucado dela.

Cassian rosnou baixo, o olhar escurecendo.

— Arrogante, não. Precavido. Talvez você devesse tentar um pouco disso antes de sair simpatizando com estranhos… ainda mais nesse estado. — Seu olhar desceu para a barriga dela, agora bem visível.

Dahlia ergueu o queixo num desafio mudo, os olhos faiscando de puro ódio.

— Ela estava machucada, Cassian! Já tinha dificuldades para andar. Você acha mesmo que ela conseguiria me atacar? E, além disso… eu senti. Ela não tinha intenção de fazer mal a ninguém.

Cassian bufou, com uma risada sem humor.

— Sentiu? — Ele avançou o tronco para frente, como se estivesse pronto para explodir. — Dahlia, você sempre faz isso! Sempre acha que pode sentir o melhor das pessoas… Você esqueceu que estamos cercados por inimigos? Que estamos cada vez mais indo para o sul? Que qualquer passo em falso pode ser o suficiente para pôr todo mundo aqui em risco?

Ela mordeu o lábio, os olhos marejados de raiva, mas manteve a postura.

— Essa sua mania de tratar todo desconhecido como uma ameaça está te cegando, Cassian.

— E a sua mania de confiar em qualquer um vai acabar te matando. — Ele rebateu sem pensar.

Silêncio. Um silêncio pesado.

Eme limpou a garganta, como se tentasse suavizar o impacto.

— A culpa foi minha, Alfa. — Sua voz saiu baixa, com um tremor de vergonha. — Quando fomos até a Ilha das Devas buscar a planta que pediu, encontramos a garota ferida… fraca… ela mal conseguia respirar. Não tive coragem de deixá-la para morrer.

Perseus, como sempre, só acrescentou para defender o ponto de sua companheira:

— Não vimos motivos imediatos para matá-la. — Continuou rolando a moeda entre os dedos, sem levantar o olhar.

Fechei os olhos por um segundo. A Ilha das Devas… Um lugar que nenhum lobo em sã consciência escolheria visitar por vontade própria. Cheio de ervas venenosas para nossa espécie e completamente isolado. Só quem tem um bom motivo se arriscaria lá. Isso, por si só, já tornava aquela loba um problema.

— Entendo porque trouxeram ela. — Abri os olhos e encarei Cassian. — Mas sua abordagem foi precipitada.

Ele enrijeceu.

— Alfa…

— Não termine a frase. — Minha voz o cortou como aço. — Você está emocional demais, Cassian. Desde que soube da gravidez da Dahlia, está andando sobre um fio. E eu entendo. — Fiz uma breve pausa. — Mas não posso permitir que essa sua impulsividade coloque todos em risco. Não mais.

Ele abaixou o olhar, reconhecendo a bronca.

Cassian e eu éramos amigos desde criança, eu o conhecia como ninguém, assim como ele me conhecia. Eu sabia que suas atitudes não eram em vão, havia motivos para ele ser tão desconfiado e inseguro. Houve um tempo em que ele confiou em alguém e isso custou muito para a nossa alcateia. 

— E você, Dahlia… — Girei meu foco para ela. — Eu admiro sua compaixão. Mas o mundo não funciona só com boas intenções. Tente, pelo menos, não se colocar de bandeja diante de alguém que ainda não sabemos se é amiga ou inimiga.

Ela respirou fundo, assentindo.

Cassian manteve a cabeça baixa e os punhos cerrados. Seu instinto de proteger estava se tornando uma bomba-relógio.

— Por hoje, é o suficiente. — Suspirei, esfregando o rosto com as mãos. — Vocês dois, vão descansar. Amanhã conversaremos de novo.

— Sim, Alfa. — Os dois disseram em uníssono, mas o clima entre eles continuava tenso.

Antes de sair, Cassian tocou meu ombro e murmurou, num fio de voz:

— Obrigado… irmão.

Assenti em silêncio, vendo-os desaparecer pela abertura da tenda.

Virei-me para os dois que restaram.

— Agora… vocês. — Cruzei os braços. — Quero saber todos os detalhes. Desde o momento em que puseram os pés na Ilha até decidirem trazer uma estranha para dentro do meu território. E quero saber o que já descobriram sobre ela… por menor que seja a informação.

Minha mente latejava com mil perguntas… Quem era aquela loba? Por que estava naquele lugar amaldiçoado? Que segredos trazia nos ossos frágeis e na pele marcada? E por que, por todas as malditas estrelas no céu, meu lobo reagia a ela de um jeito que nunca havia reagido a ninguém?

Havia algo nela… Algo que ainda estava por vir.

E eu precisava estar preparado.

A qualquer custo.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP