Capítulo 2

Dirigi meio no automático, sabe? Só com as mãos firmes no volante e os olhos grudados na estrada. A cidade parecia mais fria, mais cinza, e o caminho até meu apartamento, que ficava longe dali, nunca pareceu tão demorado. Cada quilômetro parecia carregar o peso do que eu tinha acabado de ver, como se eu ainda pudesse ouvir as palavras deles ecoando na minha cabeça. "Foi um momento de fraqueza." "Aconteceu só uma vez." "Eu te amo."

Mentira pura.

O silêncio dentro do carro era quase insuportável, mas ainda era melhor que qualquer som. Melhor que a voz da minha melhor amiga pedindo desculpa. Melhor que a imagem dele... sem camisa, com ela. Meu estômago revirava só de lembrar.

Quando finalmente estacionei na frente do prédio, respirei fundo. Subi as escadas devagar, sentindo o corpo moído, como se tivesse envelhecido uns dez anos numa noite só. Abri a porta do apartamento com a mão tremendo e fechei com força. Ali era minha casa. Meu refúgio. E agora, meu lugar pra desabar.

Joguei a bolsa no chão e me sentei no sofá, ainda tentando entender o que ia ser dali pra frente. Como ia avisar todo mundo do cancelamento do casamento? Como ia arrumar forças pra explicar a vergonha, a humilhação, a dor?

A real é que eu não fazia ideia.

Eu não tinha família por perto. Meus pais tinham morrido faz uns anos. A única pessoa que ainda tinha algum laço comigo era a tia Benedita, uma mulher forte, amorosa e batalhadora que morava numa cidade pequena e distante, onde cuidava da única pousada do lugar. Ela tava tão feliz com o casamento... faziam semanas que não falava de outra coisa. Tinha prometido vir pra São Paulo só pra conhecer o Carlos pessoalmente. Ela ainda nem conhecia ele.

Suspirei, encostando a cabeça no sofá. Uma parte de mim queria mandar uma mensagem, explicar tudo pra ela... mas outra parte só queria sumir. Me desligar de tudo.

Passei a mão no bolso e peguei o celular. Olhei se tava desligado. Tava. E ia continuar assim. Não queria ligação do Carlos, nem mensagem da Gisele, a traíra. Queria silêncio. Queria meu espaço. Queria chorar tudo o que tinha pra chorar, porque amanhã... amanhã ia ser outro dia.

E, quem sabe, talvez fosse a hora de dar um tempo mesmo. De voltar pro interior. Pras raízes que meus pais deixaram pra trás quando vieram tentar a vida em São Paulo. Eu tinha uma vida boa aqui. Um bom emprego, um apartamento aconchegante, uma rotina estável.

Mas, de repente, tudo aquilo parecia tão vazio.

Talvez fosse a hora de recomeçar.

Talvez fosse a hora de voltar pra casa.

Talvez o melhor fosse mesmo meter sair desse lugar.

Recomeçar de verdade, longe de tudo que me fez mal. Longe das lembranças que agora queimavam como feridas abertas, mesmo dentro da minha própria casa. Deixar pra trás São Paulo, o apartamento, o casamento que nunca ia acontecer, os sorrisos que agora pareciam falsos. Tudo.

Enquanto esse pensamento passava pela minha cabeça, olhei pra minha mão. A aliança de noivado ainda tava ali, apertando meu dedo como se tivesse me zuando, tipo: “você acreditou”.

Aquela aliança não fazia mais sentido nenhum. Era um símbolo de algo que nunca existiu de verdade. Com um movimento seco, tirei e joguei em cima da mesinha de centro da sala. O barulho do metal caindo no chão fez um clique no cômodo silencioso, como um ponto final.

E aí, elas vieram.

As lágrimas.

Frias, pesadas, sem parar.

Nem tentei segurar. Não tinha mais por que ser forte. Eu tava sozinha. Machucada. Acabada.

Por um tempão fiquei ali, sentada no sofá, com os ombros tremendo e o rosto escondido nas mãos. Até que, exausta, levantei devagar e fui pro quarto. Cada passo era pesado, como se eu tivesse carregando o peso de todos os sonhos destruídos nas costas.

Entrei no banheiro e olhei no espelho.

A imagem que vi era quase estranha. Meus olhos tavam inchados, vermelhos, e o rímel escorria pelas bochechas, fazendo umas manchas escuras na pele pálida. Meu cabelo tava bagunçado, minha cara era de quem tinha perdido algo muito importante.

Sem pensar duas vezes, tirei a roupa e entrei debaixo do chuveiro.

A água quente caiu em mim como um abraço silencioso. Fiquei ali um tempão, deixando a água levar tudo: a sujeira do dia, os restos do rímel, e a pouca força que ainda me restava. Senti meus joelhos quase bambearem, mas respirei fundo. Agora não.

Depois do banho, vesti meu pijama de algodão, aquele confortável que parecia um carinho no corpo, e me enfiei debaixo das cobertas. O quarto tava frio. O mundo lá fora também. E meu coração… pior ainda.

Ainda bem que o sono veio rápido.

E, por umas horas, eu podia simplesmente esquecer.

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