PONTO DE VISTA DA ISABELA
Eu trabalhava como recepcionista num hotel fazia uns cinco anos e, na real, eu amava o que fazia. O ambiente era super acolhedor, os hóspedes sempre me contavam cada história maneira, e a rotina, por mais corrida que fosse, nunca me cansava. Sentia que aquele lugar era quase minha casa. Assim que meu turno acabou, fui pro banheiro tranquila, carregando minha bolsa. Em frente ao espelho, dei um retoque na maquiagem com cuidado. Meu cabelão castanho, que descia em ondas até a altura dos cotovelos, tava solto, brilhando na luz amarela do lugar. Meus olhos castanhos, que sempre foram tão comuns, pareciam brilhar mais forte hoje. E não era à toa, né? Eu tava quase saindo dali direto pro apartamento do meu noivo. No fundo da bolsa, bem protegida, eu levava uma garrafa do melhor vinho do hotel, um dos preferidos do Carlos. Além disso, tinha separado uma revista com ideias de festas, toda marcada com post-its nas páginas que tinham detalhes a ver com a gente. Centros de mesa simples, convites elegantes, umas inspirações de cardápio. Tudo pensado com o maior carinho pro nosso dia especial. Nosso casamento ia ser daqui a um mês, e a contagem regressiva já tinha começado. Ainda tínhamos uns detalhes pra acertar, e eu queria fazer dessa noite algo especial. Ele nem imaginava que eu tava indo. Decidi fazer uma surpresa. E enquanto ajeitava o batom com um sorrisinho no rosto, meu coração já tava acelerado só de imaginar a cara dele ao me ver ali, de repente, com tudo pronto pra uma noite só nossa. Mas depois de uns dez minutos dirigindo até o apê dele, ainda com aquele frio bom na barriga, saquei uma coisa estranha assim que estacionei: a porta tava meio aberta. Achei que o Carlos tinha esquecido de trancar, distraído como sempre. Cheguei perto, despreocupada, segurando a garrafa de vinho numa mão e a revista de festas na outra, já imaginando a surpresa na cara dele quando me visse ali. Só que, antes mesmo de alcançar a maçaneta, uns barulhos abafados de conversa chegaram até mim. E logo em seguida… gemidos. Que porra tava rolando? Meu coração bateu mais forte. Segurei na maçaneta por uns segundos, tentando acreditar que não era o que tava parecendo. Talvez eu tivesse ouvido errado, sei lá, podia ser a TV. Mas uma coisa dentro de mim já sabia. Aquela certeza que te dá um soco no estômago. Respirei fundo, empurrei a porta de leve e entrei sem fazer barulho. A cena que eu vi fez meu mundo desabar. O Carlos tava sentado no sofá, sem camisa, com a cabeça jogada pra trás. Em cima dele, a Gisele, minha melhor amiga, montada no colo dele com o vestido levantado até a cintura, se mexendo como se não houvesse amanhã. Nenhum dos dois me notou. Eles tavam ocupados demais... tipo, ocupados demais pra se ligarem em qualquer coisa. Fiquei ali parada, com o vinho tremendo na minha mão, o mundo girando devagar. Meu estômago embrulhou, fiquei sem ar. Aquele brilho nos olhos de antes virou uma sombra de descrença e raiva. Não tinha mais surpresa, nem planos de casamento, nem noites especiais. Só traição. E uma dor que eu nunca vou esquecer. A garrafa escorregou da minha mão antes que eu conseguisse falar qualquer coisa. Caiu no chão com um estrondo seco e o barulho do vidro quebrando se espalhou como um eco da dor que tava me cortando por dentro. O som fez eles se ligarem. O Carlos olhou pra trás, assustado. A Gisele virou o rosto por cima do ombro, com o cabelo todo bagunçado e a cara vermelha. O silêncio que veio depois foi sufocante. "Isabela..." o Carlos começou, levantando correndo, empurrando a Gisele pro lado como se ela não fosse nada. "Isso... isso não é o que você tá pensando." Eu ri. Uma risada amarga, sem nenhuma graça. "Não é o que eu tô pensando?" minha voz saiu rouca, baixa, mas firme. "Porque tá parecendo exatamente o que é. Você transando com a minha melhor amiga." A Gisele tentou se cobrir com o vestido, ajeitando o cabelo com as mãos tremendo. "Isa, por favor, me escuta... não foi planejado, juro. Foi só... um momento de fraqueza." "Fraqueza?" repeti, olhando pros dois com raiva. "É assim que vocês chamam isso? Enganar alguém que confiava nos dois cegamente? Que tava, até cinco minutos atrás, escolhendo centros de mesa pra uma cerimônia que nunca vai acontecer?" O Carlos deu um passo na minha direção. "Eu errei. Sou um idiota, eu sei... Mas eu te amo, Isa. Aconteceu só uma vez. Eu... eu tava confuso." "Confuso?" meus olhos ardiam, mas eu não ia derramar uma lágrima por ele ali. "Confuso com ela montada em você? É isso?" A Gisele começou a choramingar. "Isa, juro que tô me sentindo péssima. Foi um erro, um momento horrível, não sei o que deu na gente. A gente tava meio bêbado e..." "Eu trouxe vinho, Gisele" interrompi, apontando pros cacos no chão. "O bom. O que eu ia dividir com vocês dois num jantar de comemoração. Mas vocês preferiram dividir outra coisa, né?" O Carlos passou a mão no cabelo, nervoso, tentando se controlar. "A gente pode conversar sobre isso. Por favor, Isa. Não j**a tudo fora por causa de uma deslizada" Eu ri de novo, dessa vez mais alto, mais amarga. "Quem jogou tudo fora foi você, Carlos. Você jogou fora cada promessa, cada plano, cada segundo que eu investi nisso. Sabe o que eu joguei fora? Meus sonhos... com você." Dei um passo pra trás, sentindo o estômago revirar. Precisava sair dali antes que eu perdesse a cabeça. Antes que eu gritasse. Antes que eu chorasse. "Vocês se merecem" sussurrei. "E espero que cada vez que se olharem, lembrem do que destruíram pra ficarem juntos." E então, virei as costas. Porque eles não mereciam ver minha dor.Dirigi meio no automático, sabe? Só com as mãos firmes no volante e os olhos grudados na estrada. A cidade parecia mais fria, mais cinza, e o caminho até meu apartamento, que ficava longe dali, nunca pareceu tão demorado. Cada quilômetro parecia carregar o peso do que eu tinha acabado de ver, como se eu ainda pudesse ouvir as palavras deles ecoando na minha cabeça. "Foi um momento de fraqueza." "Aconteceu só uma vez." "Eu te amo."Mentira pura.O silêncio dentro do carro era quase insuportável, mas ainda era melhor que qualquer som. Melhor que a voz da minha melhor amiga pedindo desculpa. Melhor que a imagem dele... sem camisa, com ela. Meu estômago revirava só de lembrar.Quando finalmente estacionei na frente do prédio, respirei fundo. Subi as escadas devagar, sentindo o corpo moído, como se tivesse envelhecido uns dez anos numa noite só. Abri a porta do apartamento com a mão tremendo e fechei com força. Ali era minha casa. Meu refúgio. E agora, meu lugar pra desabar.Joguei a bolsa
Na manhã seguinte, acordei com a cabeça pesada e os olhos meio sensíveis. Parecia que a tristeza da noite anterior tinha deixado marca física mesmo. Tomei um banho rápido, só pra dar um up no astral, e vesti uma calça jeans confortável e um moletom. O celular tava desligado desde ontem, do jeito que eu queria, mas agora eu precisava fazer uma ligação. Uma voz só, que ainda me passava segurança no mundo. Liguei pra minha tia Benedita. Ela atendeu de primeira, com aquela voz suave que sempre soava como casa. "Tudo bem, filha?" perguntou, com um carinho de verdade. Ela sempre me chamava assim, filha, mesmo sendo minha tia. E no fundo, sempre foi mais mãe do que qualquer outra pessoa na minha vida. Respirei fundo antes de responder. "O casamento foi cancelado." minha voz saiu seca, direta. "Mas... não quero falar disso agora, tia. Só preciso saber se tem um quarto sobrando aí pra mim." Teve um silêncio breve do outro lado da linha. Mas não aquele silêncio estranho. Foi um silêncio ac
Umas seis horas depois, o ônibus finalmente parou na frente da pousada da titia Benedita. O céu ainda tava escuro, um azulzão profundo cheio de estrelas, mas as luzes da fachada antiga da pousada iluminavam de leve o chão de pedras. A construção era simples, charmosa e carregada de lembranças boas. As ruas da cidade tinham aquele toque rústico e nostálgico, sabe? O chão de pedrinhas encaixadas parecia contar histórias só de olhar.Desci do ônibus meio cansada, mas sentindo o ar fresco do interior me dando um abraço. Um casal simpático, que tinha sentado umas duas fileiras atrás de mim, me ajudou a pegar minhas malas do bagageiro."Muito obrigada, viu?" agradeci com um sorriso sincero, ajeitando a alça da mochila no ombro.Foi aí que eu vi ela. Vindo com passos firmes, uma senhora com o cabelo pintado de loiro escuro que agora eu via que era branco na raiz, usando óculos grandes e roupas largas e confortáveis, vinha na minha direção de braços abertos."Minha menina!" ela disse com a vo
Terminei meu chá, sentindo o calor gostoso ainda nas minhas mãos."Quer conhecer seu quarto?" a titia Benedita perguntou com um sorriso carinhoso.Assenti com um sorriso também e deixei a xícara na mesinha. Levantei e fui seguindo ela pela pousada, vendo como tudo parecia tão aconchegante. Subimos uma escadona de madeira, que dava uns rangidinhos a cada passo, e chegamos num segundo andar com um corredor grandão cheio de portas brancas.De repente, me liguei."Minhas malas, tia… acabei deixando lá na sala."Ela deu um tapinha de leve no meu ombro e falou com aquele jeitinho firme e de mãe dela."Não se preocupa com isso, filha. Tenho um rapaz que ajuda com as malas dos hóspedes. Ele já já sobe tudo pra você.""Tia… obrigada por tudo, viu? Por me receber assim. Nem sei como te agradecer.""Você é da família. E família não agradece, retribui com amor." disse ela com um brilho nos olhos antes de abrir uma das portas do corredor.O quarto era um encanto. As paredes num tom de roxo escuro
A noite finalmente chegou.Não saí do meu quarto, só fiquei arrumando minhas coisas nas gavetas de boa, dobrando cada peça como se aquilo pudesse me ajudar a juntar meus próprios pedaços. Depois, deitei na cama macia e fiquei olhando pro teto em silêncio.A batida na porta foi de leve."Filha, a janta tá pronta", avisou minha tia com a voz baixa, com cuidado."Obrigada, tia… mas tô sem fome. Só quero dormir um pouco", respondi, tentando parecer tranquila, mesmo sabendo que minha voz mostrava o quanto eu tava cansada por dentro.Ela ficou quieta por uns segundos."Tá certo, querida. Se precisar de mim, tô aqui."Mesmo preocupada, ela respeitou meu espaço. E eu agradeci por isso na minha cabeça.Naquela noite, dormi melhor do que esperava. Talvez fosse o cheiro do interior, o barulho longe dos grilos ou só a sensação de estar num lugar seguro.Na manhã seguinte, acordei com o toque suave do despertador do celular. Me espreguicei, levantei e escolhi uma calça jeans escura, uma blusa flor
PONTO DE VISTA DE RAFAEL"Pai, acho que não é assim..." A voz doce da minha filha de oito anos me faz parar no meio da trança. Emma se olha no espelho com uma cara meio indecisa, uma mistura de paciência e desespero. Acontece que eu não faço a menor ideia do que tô fazendo. Olha só, eu fui militar. Até uns dois anos atrás, minha vida era códigos, mapas, armas e estratégias. Foram poucas as vezes que fiquei em casa por mais de uma semana. Jeniffer era quem sabia cada detalhe da rotina da nossa filha, quem fazia as tranças, os lanches com bilhetinhos e as vozes engraçadas na hora de dormir.Mas tudo mudou naquela manhã chuvosa. O carro dela, a estrada escorregadia... e o telefone que tocou longe demais pra ser só mais uma ligação normal.Desde então, eu larguei tudo. Farda, rotina, propósito. Pedi baixa do exército, vendi o que precisava e voltei pra minha formação original: contabilidade. Hoje, trabalho em casa, fazendo o possível pra ser pai e mãe ao mesmo tempo."Me perdoa, querida..
Depois que o expediente acabou, guardei minhas coisas e me despedi de Dona Nilda com um sorriso discreto. Ainda bem que ela tinha saído da floricultura e me deixado sozinha quando ele chegou. Saí da floricultura caminhando devagar, sem pressa. Não vi necessidade de pegar um táxi ou incomodar minha tia. Usei o tempo da caminhada para pensar. Ou melhor… para pensar neles. Rafael e Emma. O que havia naquele homem que não saía da minha cabeça? Pelo amor de Deus, eu nem conhecia ele. Só o atendi como qualquer outro cliente. Mas desde que ele saiu com a filha… alguma coisa ficou.Fiquei me perguntando que tipo de mulher eu estava sendo por pensar em um homem casado. Porque… bom, ele tem uma filha. E toda filha tem uma mãe. Além disso, Rafael era bonito demais para estar sozinho.Admito, quando ele entrou na floricultura, eu perdi alguns segundos só olhando para ele.Emma não parecia nada com ele. Nem no jeito e muito menos na aparência.A menina tinha cabelos cacheados e claros, olhos azuis
Depois de conversar com minha tia, subi as escadas para o meu quarto. Eu precisava de um banho urgente. Assim que terminei e sentei na cama para escovar os cabelos, meu celular tocou. Olhei para a tela e vi o nome: Carlos. Aquele traidor. Uma parte de mim gritou para não atender, mas a curiosidade e talvez uma ponta de masoquismo me fizeram deslizar o dedo na tela."Bella?" A voz dele soou cautelosa, arrastada. Era aquele apelido meloso que ele usava quando sabia que tinha feito besteira e queria me amansar."Por que diabos você está me ligando, Carlos?" Minha voz saiu mais áspera do que eu pretendia."Calma, Bella. Eu só... queria saber como você está.""Não te interessa como eu estou."Ele suspirou do outro lado da linha. "Eu sei que fiz uma burrada, Bella. A maior da minha vida. Mas eu queria te contar uma coisa... sabe a promoção no escritório?""Que promoção, Carlos?""A de sócio júnior! Saiu hoje o resultado e... eu consegui!" A voz dele ganhou um entusiasmo repentino, como se e