Capítulo 03

Miguel me levou até uma sala menor, mas tão chique que até a cadeira parecia ter feito curso de etiqueta. Ele puxou a porta com cuidado e indicou a mesa ao lado da dele.

MIGUEL: Esse vai ser seu espaço. Aqui você vai revisar documentos, preparar minutas… e, claro, lidar com o humor peculiar do senhor Ravelli.

“Ah, que sorte a minha… Trabalhar na sombra de um homem que me olha como se estivesse decidindo entre me processar ou me adotar. Ele é muito sinistro.”

Miguel riu e então caminhou até onde estava. Ele era gentil, e ao mesmo tempo tinha um olhar de desconfiança.

MIGUEL: Olha, sinceramente? Ele não é tão ruim quanto parece.

“Claro, e a máfia também só serve café nas reuniões, não é mesmo”

MIGUEL: Que máfia, Isabella?

Falei mais do que deveria, e Miguel mudou seu cenho.

“ Eu tenho uma amiga e ela diz que o senhor Ravelli é um mafioso. Loucura dela que está me contaminando.”

Antes que Miguel pudesse responder, Lia surgiu na porta como um furacão, com um casaco de lã roxo, óculos tortos e um café na mão.

LIA: ELLA! Quer dizer… Isabella! Eu vim aqui confirmar se você ainda está viva.

“Lia?! Como você entrou aqui?!”

LIA: Falei que era sua advogada pessoal. A recepcionista me olhou estranho, mas deixou. Acho que o sobrenome do meu pai ainda abre portas… mesmo quando não deveria.

Miguel cruzou os braços, sorrindo, claramente se divertindo com a cena.

MIGUEL: E você é?

LIA: Lia Watson. Estudante de criminologia, melhor amiga, guardiã moral e… futura testemunha no caso de desaparecimento da Isabella, caso o senhor Ravelli resolva confirmar as minhas teorias.

Eu quase engasguei com o próprio ar.

“LIA!”

LIA: O quê? Estou sendo sincera.

MIGUEL: Vocês são completamente malucas! O Ethan não deveria ter contratado você, ele só pode estar maluco também.

Nesse momento, como se tivesse ouvido seu nome ser pronunciado três vezes diante de um espelho, Ethan Ravelli entrou na sala. Sem bater.

ETHAN: Senhorita Watson, ouvi dizer que está espalhando boatos a meu respeito.

Lia sorriu nervosa, mas manteve a postura.

LIA: Não são boatos se forem verdade, senhor Ravelli.

Eu queria cavar um túnel com as próprias mãos e desaparecer dali. Miguel mordeu o lábio para não rir. A situação ficou cada vez pior. A Lia enlouqueceu de vez e resolveu cavar minha cova.

ETHAN: Interessante. Sabe, senhorita Fontana, costumo dizer que a coragem é admirável… mas a imprudência, essa, costuma custar caro.

“Ótimo, já estou prevendo a fatura.”

Lia se aproximou de mim e sussurrou:

LIA: Te falei… Esse homem é perigoso. Eu não confio nele amiga. Eu resolvi olhar o endereço e quando percebi que era aqui eu corri para te salvar. Vamos embora.

ETHAN: Perigoso, senhorita Watson, é subestimar quem já conhece todos os seus medos. Eu sugiro que vá embora e que se mantenha longe desse prédio.

Ethan falou olhando fixamente nos olhos de Lia que estava pálida na cor de um papel.

ETHAN: Caso contrário, quem vai ser enrolada num saco preto e jogada a margens de Rio será a senhorita.

Lia engoliu seco e apertou meu braço.

LIA: Com sua licença senhor… tchau amiga!

Um silêncio pesado caiu na sala. Miguel quebrou a tensão, abrindo um sorriso e entregando uma pilha de pastas para mim.

MIGUEL: Vamos trabalhar, Ella. Antes que a sua amiga aqui contratando a gente para a própria defesa.

Lia corri para o elevador e acabou esbarrando na recepcionista antipática.

RECP: Olhe por onde anda garota!

LIA: Não enche! Você deveria ter vergonha de ser tão puxa saco ganhando tão mal!

A mulher abriu a boca se sentindo ofendida, mas não conseguiu responder Lia. Abaixei a cabeça e respirei fundo e pensei: se essa semana não acabar em filme policial, já vai ser lucro.

Fechei a porta lentamente, tentando decidir se respirava ou se batia a cabeça contra a parede por segurança mental.

“Parabéns, Ella. Você acaba de sobreviver à primeira tempestade de furacões humanos do escritório Ravelli… e isso antes do café da manhã.”

Miguel se inclinou sobre a mesa, apoiando os cotovelos, o sorriso travesso quase me matando de vontade de rir no meio do pânico.

MIGUEL: Não se preocupe. Ele assusta no começo… depois você se acostuma. Ou pelo menos finge muito bem.

“Claro. Vou treinar meu sorriso ‘oh, que adorável senhor que ameaça minha vida’.”

Peguei a pilha de pastas que ele me entregou. Papelada, contratos, minutas… e, pelo cheiro, café derramado de segunda-feira. Um manual perfeito para me manter ocupada enquanto tentava não surtar.

Então, senti o olhar dele antes mesmo de ouvir os passos. Ethan estava encostado na porta, os braços cruzados, observando cada movimento meu como se eu fosse uma equação complicada que ele adorava resolver.

ETHAN: Senhorita Fontana, não se mexa tanto. A ansiedade é feia quando combinada com sarcasmo.

MIGUEL: Ignora. Ele gosta de causar pânico.

Respirei fundo e sentei, abrindo a primeira pasta. Havia tantas cláusulas, tantas letras miúdas que, se eu respirasse fundo, provavelmente me transformaria em fumaça.

ETHAN: Senhorita Fontana…

Levantei os olhos. Ele estava parado ali, mais uma vez com aquela expressão que misturava curiosidade e perigo. “Mistério e ameaça” seria o nome do perfume dele, com certeza.

ETHAN: Espero que saiba que o descuido custa caro.

“Ótimo. Então eu já comecei a semana com cheque especial emocional.”

Miguel deu uma risadinha baixa e voltou à sua mesa, fingindo digitar qualquer coisa no computador, provavelmente só assistindo à minha mini tragédia em HD. Eu não sabia fechar minha boca e tudo eu precisava responder.

Suspirei e encarei a pilha de papéis. Se sobrevivesse a essa primeira hora, merecia pelo menos uma medalha. Ou, no mínimo, um café do tamanho do meu desespero.

ETHAN: Comece pelo contrato da Rossi. Não cometa erros… São nossos clientes há anos.

“Não se preocupe, senhor Ravelli. O senhor me contratou, então eu sou capaz de executar o trabalho. Se eu não fosse o senhor não teria me contratado.

Ele ergueu uma sobrancelha, e eu juro que vi um leve toque de irritação.

Miguel bufou, rindo baixinho:

MIGUEL: Você vai se divertir, Ella. Aposto que daqui a três dias nem vai perceber quando ele quase te intimidar.

“Divertir? Miguel, você realmente não entende nada de trauma psicológico com pitadas de humor ácido.”

O telefone tocou, quebrando o silêncio que começava a ficar insuportavelmente pesado.

A cada minuto que passava, a pilha de papéis parecia dobrar de tamanho sozinha. Eu revisava contratos, respondia e-mails e conferia minutas, enquanto meu cérebro gritava por um intervalo. Miguel passava de vez em quando, colocando mais uma ou duas pastas na minha frente com aquele sorriso que dizia: “A diversão só começou.”

Olhei para o relógio e quase chorei de felicidade: 11h30. Só mais meia hora até a minha libertação… ou seja, a aula na faculdade. Meus dedos tremiam de cansaço, mas eu me agarrava à ideia de que em trinta minutos poderia escapar do caos.

Então, como se o universo tivesse ouvido minha esperança e decidido rir da minha cara, Miguel apareceu com uma pasta enorme e soltou:

MIGUEL: Essa é a última do senhor Ravelli para hoje. Depois disso, você pode ir para a faculdade.

“Ah, claro… a cereja do apocalipse.”

Olhei para a pasta. A quantidade de documentos era tão absurda que pensei em chamar reforço policial. Respirei fundo, tentando não entrar em pânico, e organizei mentalmente o plano de ataque: revisar, resumir, entregar. Tudo isso enquanto Ethan estava no escritório, ocupando metade do meu campo de visão, me observando com aquele olhar que misturava avaliação, ameaça e… sei lá, apreciação?

ETHAN: Senhorita Fontana.

Levantando os olhos, vi que ele estava encostado na porta, impecável como sempre, mas com aquela aura de perigo que fazia minha coluna gelar.

ETHAN: Espero que esta última tarefa seja feita com a mesma eficiência… e cuidado… das anteriores.

“Perfeito. Apenas mais uma hora de tensão absoluta antes de virar humana normal novamente.”

Murmurei.

Enquanto revisava os documentos, senti meu nível de exaustão subir a cada cláusula, cada contrato. A caneta tremia nas mãos, os olhos ardiam, e eu tentava manter a postura profissional, sem deixar transparecer que minha mente estava em modo panico total.

Miguel, de longe, parecia se divertir observando a cena. Ele nem precisava falar nada: só o silêncio da sala, a presença de Ethan e a pilha interminável de trabalho já era um espetáculo suficiente.

Quando finalmente terminei a última revisão, organizei os papéis com mãos trêmulas e respirei fundo, como se tivesse corrido uma maratona de sobrevivência corporativa.

ETHAN: Senhorita Fontana.

Olhei para ele, já imaginando a repreensão final, mas ele apenas estendeu a mão para receber os documentos, sem dizer mais nada. Um silêncio pesado pairou por alguns segundos… e então, finalmente, pude me levantar.

MIGUEL: Parabéns, Ella. Sobrevivemos ao primeiro round. Agora, vá antes que o senhor Ravelli mude de ideia e invente mais cinco contratos para você terminar antes da faculdade.

Com um suspiro de alívio, peguei minha bolsa e caminhei em direção à saída, sentindo que aquela última meia hora com Ethan tinha sido como atravessar uma floresta de espinhos… só que cada espinho era uma cláusula contratual e um olhar mortal.

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