Helena não planejava aquele encontro. Mas o destino, irônico como sempre, parecia querer aplaudir sua transformação.
Era uma confraternização empresarial. Uma daquelas festas de networking organizadas por parceiros da empresa, onde os ricos se exibem e os bajuladores se multiplicam. Leonardo a convocara para acompanhá-lo — como parte da “nova função estratégica”.
Ela chegou ao local pontualmente às oito.
Vestia um macacão preto de alfaiataria, decotado nas costas, com detalhes dourados. O salto alto realçava sua postura firme. O cabelo solto, levemente ondulado, e o batom escuro completavam o visual de mulher que sabe o que quer — e vai pegar.
Leonardo a esperava na entrada, com uma taça de champanhe na mão.
— Impressionante. — ele disse, sem emoção na voz, mas com os olhos grudados nela por um segundo a mais do que o necessário.
— Ainda tenho mais surpresas guardadas. — respondeu Helena, sorrindo de canto.
Eles entraram juntos. E foi ali, entre os flashes e os cumprimentos formais, que ela os viu.
Gabriel. Isadora.
De mãos dadas. Isadora usava um vestido rosa-claro de cetim, com o sorriso cínico de sempre. Gabriel parecia o mesmo: bonito, arrogante, superficial.
Helena não desviou o olhar. Nem um segundo.
— Helena?! — Isadora exclamou, surpresa, os olhos se estreitando ao ver a irmã acompanhada de ninguém menos que Leonardo Alencar.
Gabriel ficou visivelmente desconcertado. O olhar dele subiu e desceu pelo corpo de Helena sem disfarces. Ela percebeu. E sorriu — como quem vê uma barata tentando escapar do ralo.
— Que surpresa... vocês por aqui. — disse, num tom leve, quase doce.
— Viemos representar a empresa do nosso pai. — respondeu Isadora, forçando simpatia. — E você… está com o Sr. Alencar?
— Sim. Trabalho com ele agora. Diretamente. — Helena respondeu, girando a taça entre os dedos. — Estratégias confidenciais e tudo mais…
Gabriel limpou a garganta.
— Você está… diferente, Helena.
Ela riu, seca.
— Eu morri, Gabriel. Só sobrou o que vocês tentaram enterrar… mas não conseguiram.
Isadora riu, nervosa.
— Ainda está magoada?
— Não. Magoada eu fiquei quando achava que vocês valiam algo. Agora, só estou observando vocês se afogarem no próprio lixo — e brindando à vista.
Leonardo, que permanecia em silêncio, observando tudo com um leve interesse, enfim falou:
— Está tudo bem, Helena?
— Perfeitamente, senhor. Só estava reencontrando fantasmas.
Ela passou por eles com leveza, deixando no ar um rastro de perfume, poder e desprezo.
Gabriel ainda tentou chamar:
— Helena... espera. Podemos conversar?
Ela virou-se lentamente, o olhar afiado como navalha.
— Você perdeu o direito de conversar comigo no momento em que trocou a verdade por conveniência. Agora, aguente o silêncio.
Virou-se de novo, e seguiu ao lado de Leonardo — que, pela primeira vez naquela noite, exibiu um discreto sorriso de aprovação.
A nova Helena estava viva. E começava a mostrar seus dentes.
Leonardo caminhava ao lado dela em silêncio. O salão seguia em festa, mas para Helena, tudo parecia ter parado por um instante.
Ela sentia o corpo quente, o coração acelerado — não de raiva, mas de algo mais intenso. Um prazer frio. O prazer da revanche bem iniciada.
— Foi… enfático. — Leonardo comentou, por fim.
— Era necessário. — ela respondeu, sem vacilar.
Ele a observou de lado. Os olhos dele não tinham julgamento, apenas avaliação.
— Você não é como eu imaginava.
Helena parou. Virou-se para ele com um meio sorriso.
— E como o senhor me imaginava?
— Silenciosa. Frágil. Alheia. — Ele deu um gole em seu champanhe. — Eu não costumo errar com pessoas.
— Talvez porque costuma lidar com covardes e bajuladores. Eles são fáceis de prever. Eu não sou.
Leonardo encarou-a com mais firmeza, e por um segundo, o silêncio entre eles pareceu eletrificado.
— Gosta de jogar, Helena?
— Se for com as regras certas. Ou com as minhas.
Leonardo sorriu de leve. Um sorriso raro, contido, quase imperceptível.
— Interessante. — murmurou.
Já na saída do evento, o motorista os aguardava. Helena caminhava firme, como se carregasse o mundo nos ombros — e finalmente tivesse aprendido a gostar do peso.
Antes de entrar no carro, Leonardo a chamou:
— Helena.
Ela virou-se, o vento mexendo seu cabelo.
— Aquela versão sua, que eles destruíram... — ele disse, sem se aproximar — ...ela ainda está aí?
Ela pensou por um instante.
— Ela morreu. Mas deixou algumas memórias. E eu não pretendo desperdiçá-las.
Ele assentiu, com algo estranho nos olhos. Respeito. E talvez… atração.
— Então quero conhecer a nova.
Helena entrou no carro, sem responder, mas com um sorriso nos lábios.
Porque agora ela sabia: não era só Gabriel e Isadora que estavam prestes a perder o controle.
Leonardo Alencar também começava a cair no jogo.
E ela jogava como ninguém.