Na manhã seguinte, Clara chegou cedo ao hospital. Trazia consigo um livro novo e um suco fresco. Daniel estava acordado, mais disposto, com os olhos fixos na janela.— Trouxe companhia literária e vitamina C — disse ela, com aquele sorriso leve que já era familiar.— Já virou hábito, hein? Vai acabar me estragando — brincou ele.Ela se sentou ao lado da cama, e conversaram por mais de uma hora. Falaram da rotina na clínica, de pequenos casos curiosos, do futuro.Em dado momento, Daniel ergueu uma sobrancelha com leveza:— Seu namorado ainda anda com ciúmes do hospital?Clara desviou o olhar, riu baixo.— André agora é passado. E nem era ciúmes do hospital. Era de mim sendo quem sou... perto de quem me entende.Daniel não comentou. Mas a resposta dela o atravessou com uma força silenciosa. Havia algo ali — não dito — que ficou suspenso no ar.Pouco depois, Eveline chegou com um sorriso gentil. Gabriel havia ficado na mansão com a nova babá, e Lucas e Beatriz estavam em casa, já que era
A estradinha que levava à mansão Avelar estava quase deserta naquele fim de tarde. O sol, já a caminho do horizonte, pintava o mundo com tons dourados, enquanto Eveline e Marcus seguiam no carro em silêncio. Era um silêncio denso, cheio de memórias, cheiros e desejos antigos. Ela usava um vestido leve, azul, que balçava suavemente com o vento que entrava pela fresta da janela. Marcus mantinha uma das mãos no volante, a outra repousava entre eles, tensa, quase pedindo por um toque. Ninguém ousava falar das noites passadas. Dos meses separados. Das ausências tão gritantes quanto as lembranças. Mas estava tudo ali, entre os olhares e os suspiros. Quando passaram por um trecho mais afastado, cercado por árvores altas e sombras tranquilas, Marcus reduziu a velocidade e parou o carro no acostamento. Eveline o olhou, surpresa, mas sem medo. — Por quê parou? — perguntou, a voz quase um sussurro. Ele a encarou com uma intensidade bruta, como se os olhos dissessem aquilo que os lábios ain
Assim que Eveline chegou pegou o celular e, mesmo deitada ao lado do berço de Gabriel, digitou o número de Daniel. A tela iluminou o quarto escuro por alguns segundos até que ele atendeu, a voz ainda arrastada pelo sono e pela recuperação.— Oi, Eveline...— Só liguei pra dizer que cheguei em casa. Gabriel já está dormindo, e as crianças também. Está tudo tranquilo por aqui.— Fico feliz. Obrigado por me avisar. Fico mais tranquilo assim.— Dorme bem, Daniel.— Você também. E... obrigado por tudo, de verdade.Ela desligou com um suspiro. Ainda não sabia o que fazer com tudo aquilo que sentia. Só sabia que precisava descansar. Mesmo sem descanso por dentro. O sol mal havia nascido quando Eveline acordou, sozinha na cama ampla da mansão Avelar. A luz da manhã esgueirava-se pelas cortinas entreabertas, banhando o quarto com um brilho suave, quase dourado.Gabriel dormia profundamente no berço, com os lábios entreabertos e as mãozinhas fechadas em punho. O som suave de sua respiração tra
O amanhecer chegou trazendo um silêncio estranho para Eveline. Não era exatamente paz, mas também não era tormenta. Era uma pausa. Como o instante entre duas batidas do coração.Ela acordou com Gabriel ainda dormindo em seu berço. A febre não havia voltado. O rostinho dele estava calmo, os bracinhos soltos pelos lençóis. Observá-lo assim dava a ela uma sensação de que o mundo podia ser menos caótico, ao menos por alguns minutos.Antes de descer, Eveline pegou o celular e escreveu uma mensagem para Daniel:"Bom dia. Gabriel dormiu bem, sem febre. Espero que você também tenha descansado."A resposta veio rápida:"Bom dia, Eve. Fico feliz. Estou melhor hoje. Clara me trouxe algumas atualizações da clínica. Te espero mais tarde, se puder vir."Ela ficou alguns segundos encarando a tela. A menção a Clara veio como uma agulha fina, discreta, mas perceptível. Não por ciúmes. Mas por uma nova consciência.Clara estava se tornando parte do cotidiano de Daniel. Não apenas no hospital, mas em es
O celular vibrou ao lado da cama. Eveline, ainda sonolenta, estendeu a mão e viu o nome de Marcus na tela. Atendeu com a voz baixa, tentando não acordar Gabriel, que dormia tranquilo ao lado.— Oi, Marcus... tudo bem?— Oi, Eve. Desculpa ligar tão cedo... eu queria te pedir uma coisa. Você acha que eu poderia passar o dia com o Gabriel? Talvez até deixá-lo dormir aqui com a gente essa noite? Meus pais estão animados demais com essa possibilidade. Eles realmente querem esse tempo com o neto...Eveline hesitou por alguns segundos. Havia uma parte dela que sentia receio, não pela segurança, mas pela saudade que sabia que sentiria.— Ele dormiu bem essa noite. Está melhor da febre. Se você prometer me manter informada o tempo todo...— Prometo. Vou mandar fotos, vídeos, o que você quiser. Só queria mesmo aproveitar cada momento com ele. E sei que isso vai fazer bem pros meus pais também.— Tudo bem, Marcus. Pode vir buscar ele depois do café. Vou preparar tudo.— Obrigado, Eveline. De ver
A caneta escorregava entre os dedos finos de Eveline Rocha. O papel à sua frente tremia como se denunciasse o que ela não podia dizer em voz alta. Aquela não era uma assinatura de amor. Era um contrato de resgate. Resgate financeiro — não emocional.Sentada à mesa da sala de jantar, Eveline parecia pequena demais para a gravidade daquela decisão. A jovem de pele alva e cabelos negros como a noite encarava o documento com os olhos cor de mel marejados. Seu coração batia tão alto que podia jurar que os outros escutavam.Mas ninguém escutava nada naquela casa.Seu pai, Júlio Rocha, estava de pé ao lado da lareira, com os braços cruzados e a expressão fria como mármore. Desde que a fábrica da família — uma tradicional tecelagem herdada do avô de Eveline — começara a falir, ele já não a olhava como filha. Era uma moeda de troca, e nada mais.— Assine de uma vez, Eveline. Não temos o dia todo — disse ele com voz áspera, sem tirar os olhos do relógio de bolso que herdara como um troféu de te
Eveline observava, pela janela do carro, as vastas paisagens da fazenda, a estrada de terra, ainda um pouco empoeirada pela recente chuva, parecia não ter fim. O coração dela batia acelerado, mas ela tentava controlar as emoções. Era a primeira vez que estava indo para lá, e apesar de tudo, uma sensação de ansiedade misturada com curiosidade dominava seu corpo.Ela não sabia bem o que esperar. As palavras de seu pai, Júlio, ecoavam em sua mente: "Este casamento é sua salvação, Eveline. A nossa única chance." Ele e a madrasta, Claudia, tinham apostado tudo naquele matrimônio. Marcus Castelão não era apenas rico — ele era a última tábua de salvação para os negócios em ruínas da família Rocha. Eveline nunca pensou que um casamento, tão frio e imposto, pudesse ter algo de bom.Ela chegou à fazenda por volta do final da tarde, o céu tingido de laranja, como um aviso de que a noite estava prestes a cair. Quando o carro parou, não havia ninguém à porta esperando por ela, nada que lembrasse u
O jantar foi silencioso.Eveline sentou-se à mesa longa, comendo sob o olhar atento de Maria e os poucos funcionários que transitavam discretamente pela casa. Marcus não apareceu para comer com ela. A mesa, embora farta, parecia um palco vazio. Nada ali era acolhedor, e cada mordida parecia feita por obrigação.Depois do jantar, Maria levou-a de volta ao quarto. As malas já estavam no lugar, as roupas cuidadosamente organizadas no armário. A noite estava quente, e uma brisa morna entrava pela janela, balançando levemente as cortinas.Eveline trocou-se por uma camisola leve de seda vermelha, que Claudia fizera questão de colocar no fundo da mala. O tecido macio grudava em seu corpo como uma segunda pele, destacando sua silhueta. Ela hesitou em se olhar no espelho, mas o fez. Pela primeira vez, se viu com os olhos de um homem. Um homem como Marcus.Será que ele me deseja? Ou só me escolheu pelo ventre?Bateu à porta. Um toque firme. Ela se sobressaltou.Maria entrou.— O senhor Marcus e