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02 - A Resignação

Paula Caccini

Peguei-o e me dirigi ao espelho em pé no canto do quarto. A mulher que me encarava tinha olhos muito grandes em um rosto pálido. Os olhos da minha mãe. Prendi o broche na blusa, justo acima do meu coração. A pérola leitosa parecia uma lágrima solitária contra o tecido escuro.

E então, olhando para meu próprio reflexo, a fachada de resignação rachou.

Mamãe, pensei, a palavra um mantra desesperado em minha mente. O que eu faço?

Ela não respondeu, é claro. Havia somente o meu reflexo, a joia dela e o peso esmagador de um sobrenome que eu nunca pedi para carregar.

— Eu não o amo… — sussurrei para a mulher no espelho, e a mulher no espelho me olhou com um terror que era inteiramente meu. — Eu nem mesmo o conheço.

Mas isso não importava. Eu não era paga para amar. Era paga para obedecer. Para consolidar alianças. Para perpetuar um nome. Eu era o preço da tal paz.

Lembrei-me dos olhos de Mario Moretti. Havia neles uma centelha de ambição que não era muito diferente da de Vicenzo. Ele me veria não como uma mulher, mas como uma aquisição. A filha de Don Caterino.

O trunfo final em uma negociação de décadas. Minha vida seria vivida sob outro teto, com outro sobrenome, mas as regras seriam as mesmas. O mesmo silêncio pesado, os mesmos códigos de honra que disfarçavam a honra de ninguém, os mesmos jantares tensos.

Uma onda de pânico tão intensa me atingiu que precisei me segurar no espelho para não cair. A superfície fria do vidro contra minhas palmas suadas me trouxe de volta à realidade. O broche da minha mãe parecia queimar minha pele.

— Eu não posso fazer isso — disse em voz mais alta, desafiando o quarto vazio, desafiando o fantasma do meu pai que habitava minha mente.

Mas como não fazer? Fugir? Para onde? Eles me encontrariam. E mesmo que não encontrem, a vergonha recairia sobre o meu pai, sobre Vicenzo. A vingança seria rápida e brutal. Eu não era somente uma refém; era uma guardiã da honra deles. Minha desobediência seria uma afronta que teria que ser lavada em sangue. Talvez não o meu, mas certamente o de alguém.

E Vicenzo… meu irmão. Ele aceitaria isso?

Corri para a janela, abri as pesadas cortinas de veludo e olhei para o pátio abaixo. Eu o vi, sozinho, caminhando em direção à fonte, acendendo um cigarro. Sua postura era rígida, os ombros tensionados. Sempre fomos próximos, antes de ele ser engolido pelo legado.

Talvez… talvez ele me entendesse.

Não pensei duas vezes. Saí do quarto e desci as escadas laterais que levavam ao jardim. A noite estava quente, o ar pesado com o cheiro de jasmim que ela tanto amava.

— Vicenzo — chamei, minha voz um pouco mais áspera do que eu gostaria.

Ele se virou, surpreso. Seus olhos escanearam meus ombros, como se esperasse ver alguém me seguindo.

— Paula. Você deveria estar lá dentro.

— Eu preciso falar com você.

Ele fumou profundamente, expelindo a fumaça lentamente.

— Se é sobre o que o pai disse…

— É claro que é! — minha voz quebrou. — Vicenzo, por favor. É o Mario Moretti. Você sabe como ele é. Você sabe o que isso significa.

Ele evitou meu olhar, focando na ponta incandescente do cigarro.

— Significa que não vamos ter que nos preocupar com uma guerra com os Moretti. Significa que você vai ter uma vida confortável e estará protegida.

— Protegida de quê? De todos, menos de mim mesma? — perguntei, me aproximando. — Vicenzo, é a minha vida. A minha vida. Não a dele. Não, a sua é a minha.

Ele finalmente me olhou e, pela primeira vez naquela noite, vi a máscara rachada. Vi o menino que corria comigo no jardim, que me escondia quando eu quebrava um vaso precioso. Seus olhos estavam cheios de uma angústia profunda.

— Você acha que eu não sei? — sussurrou ele, sua voz áspera. — Você acha que eu quero isso para você?

— Então fale com ele! — implorei, segurando seu braço. — Você é o herdeiro. Ele te escuta. Diga que é um erro.

Vicenzo sacudiu a cabeça, num gesto de derrota profunda.

— Não é um erro, Paula. É estratégia. É… é o mundo que herdamos. Não há escolha.

— Sempre há uma escolha! — insisti, minhas lágrimas rompendo finalmente as barreiras, escorrendo quentes pelo meu rosto.

— Não para nós! — sua voz subiu de repente, cheia de uma raiva que não era dirigida a mim, mas ao destino. Ele baixou o tom, olhando em volta com cautela. — Não para nós. Nossa vida nunca foi nossa, Paula. Você sabe disso. Desde o dia em que nascemos. Meu casamento também será arranjado, quando for a hora. O meu, o seu… somos peças no tabuleiro. Peças importantes, mas peças. Se nos recusarmos a jogar, o jogo inteiro desaba. E nós… nós somos esmagados debaixo dele.

Ele jogou o cigarro no chão e o esmagou com o sapato, um gesto final e violento.

— Faz o que ele diz, irmãzinha — disse, sua voz agora cansada, sem vida. — É mais fácil. Não lute. Você só vai se machucar.

Ele me deu um tapinha no ombro, um gesto vazio de consolo, e se virou para voltar para a casa, deixando-me sozinha no jardim escuro, com o cheiro de jasmim e desespero.

A resignação no olhar dele foi a última pá de terra no meu caixão de esperanças. Ele havia desistido há muito tempo. E agora era a minha vez.

Subi de volta para o meu quarto, me movendo no automático. Fechei a porta e voltei para a frente do espelho. A mulher de olhos assustados ainda estava lá, mas algo havia mudado. O pânico derreteu, deixando para trás um frio absoluto, um vazio resignado.

Levei os dedos ao broche, à pérola única e perfeita. A joia dela, que havia visto tanto amor silencioso, tanto sofrimento contido. Ela também não havia escolhido seu destino. Ela também carregara o peso de um sobrenome, de um marido, de uma vida que não era sua. Minha mãe encontrou refúgio na música, em pequenos momentos de beleza roubados.

E eu? O que me restava?

Meus olhos se fixaram no meu próprio reflexo, e pela primeira vez, não vi somente uma garota assustada. Vi uma Caccini. Vi a filha de Don Caterino. Vi o trunfo, a uma peça, a noiva.

O desejo de liberdade, um animal selvagem que eu alimentara em segredo por anos, uivou de dor dentro de mim e depois se aquietou. Acorrentado pelo amor asfixiante que eu sentia pelo meu irmão, pelo medo do meu pai, e pelo fardo imposto por um nome que era, ao mesmo tempo, minha proteção e minha prisão.

Desprendi o broche da blusa e o segurei firmemente na palma da mão. A ponta da agulha fincou minha pele, uma dor pequena, real e pontual. Uma única gota de sangue brotou e manchou a pérola leitosa.

Olhei para a mancha, para o meu sangue profanando, a única coisa pura que me restava.

E então, sussurrei para a mulher no espelho e para a filha obediente, a noiva resignada:

— Tudo bem.

Era a mentira mais dolorosa que eu já dissera. Mas era a que eu teria que viver.

O peso do sobrenome era meu para carregar. E eu o carregaria. Porque não havia escapatória. Havia apenas a aceitação silenciosa, o último ato de uma vida que nunca me pertenceu.

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