Helena elaborava e pensava sobre toda aquela bagunça. Sozinha, treinava, meditava, fazia o necessário para se manter o mais incógnita e silente possível. Dario a observava, solitária, metódica. Ela se virava bem, mesmo sem ninguém. A constante era a ligação, diária, para Gregory.— Oi, você. - Ela cumprimentava Gregory. — Oi, você. - Ele tinha o sorriso na voz, Dario se ressentia com toda aquela situação. - Como tem passado?— Até que bem. A ferida da última bala já fechou, mas ficou escura. Tsc. - Ela estalou a língua nos dentes. - Qual delas não ficou horrível, na verdade? Me sinto uma colcha de retalhos, mas, tudo bem. — Já verificou se não ficaram estilhaços, amor? - Gregory perguntava, enfurecendo Dario.— Sim, não tem. Fiz como a menina da prisão me ensinou. - Ela respirou fundo. - Como andam as negociações?— Andando, Mark pareceu mais eficiente do que Brad. Apesar que Mark é assunto doméstico. Não mexi com a Imigração ainda, estou esperando o caos se instalar para podermos n
— Conheci seus pais. - Gregory disse, aleatoriamente, congelando Dario no lugar. — Lamento por isso. - Helena se desculpava antecipadamente. - Foram muito hostis? — Com a Dona Hellen, terrivelmente. - Ele disse, gargalhando. - Nunca imaginei que um dia veria minha mãe sem palavras. — Por falar na sua família... - Helena parecia estar mastigando algo. - Como está o Sully? — Fisicamente, está bem, mas bastante ressentido com você, ainda. - Gregory informava, amistoso. - Não que isso me importe. Na verdade, achei merecido. Eu não sabia do inferno que ele estava fazendo da sua vida. Bom, pelo menos, aprendi duas coisas sobre o Sully: ele protege a família e ele é rancoroso.— Lamento por isso, também. - Helena suspirou. - Desejo melhoras para ele, ainda que saiba que os votos não chegarão a ele. — Você se preocupa muito, amor. - Gregory a chamava de uma forma que fazia Dario sentir o ódioescalar dentro de si. - Como anda o outro concorrente a seu favorito?— Não tive notícias mais. -
Helena percorria o entorno. Cigarros, paciência e equipamentos de topografia. Aquela era uma zona de acesso difícil, exigia força do corpo e o silêncio, da alma. As medições, precisas, eram transmitidas ao vivo. Caminhava, sem pressa alguma. O deserto, aos poucos, se tornava um lar, hostil, mas um lugar que sentia pertencer. Tinha os rostos daqueles três homens na alma, se perdia entre pensamentos e o trabalho exigente. Ela retornou, silenciosa, notava o outro veículo sob a cobertura. Ela soltou o equipamento e armou-se, entrava, devagar. Percebia Dario, sentado diante das telas, nas quais ela processava dados de campo. Observava aquilo, parecia entender o que acontecia ali. Ela baixou a arma e voltou ao carro, pegava os equipamentos.— Precisamos conversar. - Dario disse, sobressaltando Helena. O braço dele passou ao seu lado, pegando seus equipamentos, com facilidade. A aura dele, sombria, pesava o ar. Ela o acompanhou. No abrigo, soltou os equipamentos no chão, tirou a arma e a de
Aquela confissão dela, tão estrutural, ecoou na alma dele, carregada de vulnerabilidades que ele se submetia a reconhecer, na maioria, culpa dele. Dario sentia a raiva dissipar. A dor lancinante lhe invadia a alma, sufocando o homem, cruelmente. Ele também sentiu a solidão, a insegurança e a traição, confessa, dela, gritava o desespero por alívio, por sentir-se no controle de sua própria vida, por sentir-se viva, amada. Helena não passava de um fantasma, incapaz de morrer, incapaz de viver e ele contribuiu para aquilo. Não era como se ela não fosse capaz de tomar todas as operações da fronteira para si, mas ele permitiu que ela seguisse com seu plano, com sua missão, a única coisa que a mantinha respirando, naquele imenso deserto que representava o que restou na alma dela. Ela não carecia de companhia, carecia de si. Dario deu um passo, hesitante. — Eu também senti solidão, Helena. Senti desespero, me angustiei sem sua presença, sem sua voz. Eu fiz algo terrível: quebrei a confiança
— Major? - Marco se aproximou de Helena, gentil, sentando-se ao seu lado.— Pode me chamar de Helena, se quiser. - Ela disse, através do sorriso meigo.— Helena, claro. - Marco retribuía com a expressão leve que era inevitável. - Está aí há horas. Quer sair um pouco d complexo? - Ele ofereceu. - Há vida além do trabalho. Se não tiver laser, acaba consumida. - Ele apontava.— Estou bem, Marco. - Ela disse, sorrindo com o olhar. - Obrigada pelo presente. Gostei muito. — Fico feliz por estar satisfeita. - Ele respondeu, amigável. O que está absorvendo você? - Ele se debruçou sobre a tela, planilhas e mapas se mostravam, complexos.— Resolvendo o enigma do dia. - Ela levantou os braços, jovial, omeorava. — Qual seria? - Ele tentava entender o que aquela mente construía ali.— Aqui. - Ela apontou. - Cada rota tem um custo. Para um bureau, essas despesas aqui são incompatíveis. - Mostrava alguns dados. - O frete é mais caro do que os produtos declarados, isso chama a atenção. - Marco se
DESERTO DE CHIHUAHUA — Una migra! Una migra! Una migra! Mira! - O coiote apontou para um ponto, no alto da colina, sobre o rochedo, sozinho, com uma arma de grosso calibre no colo. Dario Garcia estreitou os olhos, a figura estava parada no alto da rocha, inerte. Não parecia fazer mira ou algo assim, aliás, sequer parecia viva. Ele tratou de instruir os coiotes que trabalhavam para ele e seguiu, perpendicular, em direção à figura agourenta sobre o rochedo. Aproximou-se, devagar, passo após passo, esquivando-se, entre a rala vegetação rasteira do deserto, em seu paramento militar da cor da areia. "Uma migra, sozinha, mulher?" Ele identificava a silhueta da policial. Dario julgava: ou ela tinha se perdido ou estavam em solo estadunidense. Qualquer hipótese era problemática. Conforme se aproximava, o contrabandista percebia as nuances. Filetes de sangue seco partiam do nariz; a boca rachada, a pele exposta. Se estivesse viva, aquela criatura miserável, em pesado paramento militar,
Dario passou horas observando sua paciente. Trocou a bolsa de soro e umedeceu seus lábios com o algodão molhado. Ela era bonita para uma militar, admirava-se do motivo de alguém, como ela, ter virado uma. Com o fim da segunda bolsa, ele a rolou e pôs sob o corpo um tapete descartável higiênico, para cães, para o caso de ainda estar inconsciente quando todo aquele líquido resolvesse sair. Adormeceu, com a pistola em punho, pronto para matá-la, se fosse necessário. Helena sentia a dor excruciante lhe roer a alma, forçando-a a perceber-se. Algo lhe tampava os olhos, estava viva e aquilo bastava naquele instante. A cabeça doía um inferno e os olhos, mesmo fechados, ardiam. A boca e a garganta secos, algo lhe feria o braço, dolorosamente. Ela gemeu, baixinho. Dario despertou. A mulher respirava, ofegante, inquieta. Se não estivesse desperta, logo acordaria. — Me ouve? Me entende? - Ele perguntou, em espanhol, percebia o gesto de cabeça dela, confirmando. Estava desperta. - Qual seu
Algo naquele lugar escuro, no Deserto de Chihuahua cheirava bem. Helena gostava do aroma. Dario a servia de um caldo de legumes, batido e leve. Guiou as mãos dela até a borda da tigela e da colher, mas ela não tinha firmeza nas mãos, tremia muito, ainda sem forças. — Me permita ajudá-la, senhora. - Dario tomava a frente, alimentando-a, colher por colher. Ela se fartou com pouco, o estômago cheio. - Amanhã, vamos partir e levar você até a fronteira. - Ele anunciou, precisava resolver aquela militar antes que ela identificasse o caminho. - Não se preocupe, você estará em casa, com sua criança, antes do anoitecer. — Não tenho uma criança, amigo. - Ela respondeu, curtamente.— Mas tem uma cicatriz no ventre. - Ele seguiu, aplicando o gel sobre a queimadura e o colírio nos bonitos olhos daquela mulher. — Oh! Isso. - Ela piscou os olhos, já não ardiam mais e nem sentia tanta dor. O ferimento no braço era o mais incômodo. Dario limpou o ferimento, cobrindo-o com gaze. — Não precisa falar