CAPÍTULO 4 EMÍLIA

O bom de trabalhar nesse hospital é que não tenho tempo de pensar em mim, somente no próximo. Subo e desço nos elevadores, resolvendo todo e qualquer problema burocrático daqui e das outras unidades. Depois da senhora Elis, eu é que respondo por tudo.

Nunca sonhei em administrar tamanho hospital, mas, com o tempo, aprendi a amar e a entender que nem tudo na vida é como a gente quer. A minha realidade vem desde que eu sou criança.

Vivo somente para ajudar os outros até o dia que Deus me permitir.

Voltar para casa sempre é maravilhoso. Deito-me no sofá e estico as pernas, e a campainha toca. Bufo, olho a hora no relógio e imagino que não possa ser Alicia a essa hora, pois ela está com o seu namorado. Surpresa também não é. Levantei-me com todo o sacrifício e, ao abrir a porta, deparo-me com Alicia aos prantos.

— Minha irmã, o que aconteceu? Por que está assim? — pergunto, aflita.

— Castro terminou comigo — Alicia fala, chorando.

— Mas isso não é tão ruim assim, Alicia. Você é jovem, tem vitalidade, saúde, é linda. Quem perdeu foi ele! — falo.

— Emília, eu estava esperando um pedido de casamento, e ele terminou comigo — Alicia fala, desolada.

— Não é para ser ele o homem da sua vida. Não posso nem te dar conselhos amorosos, Alicia. Nunca namorei sério com ninguém.

— Posso ficar aqui com você? — Alicia pergunta.

— Esse apartamento é seu também.

A noite foi longa. Consolei-a e fiz o meu papel de irmã e mãe, como sempre fiz na vida desde quando éramos crianças. Mesmo cansada, preparei o jantar, tomei os meus remédios e, enfim, fomos dormir juntas. Estava tão cansada que dormi feito uma pedra.

No dia seguinte, espreguicei-me e percebi que Alicia não estava no quarto. Ao sair do quarto, ela estava na cozinha, preparando o café da manhã. Ao ver Alicia sofrendo pelo Castro, lembrei-me do pequeno romance que tive com Clóvis. Enxerguei completamente que nada daquelas sensações que sentia era amor. Ainda bem que ele me deixou. Imagino o tanto que eu sofreria do lado daquele homem.

Como Alicia está aqui, e ela não tem restrição alimentar com nada, mandei comprar uns donuts para ela e pedi para o porteiro receber na portaria e subir para me entregar. Alguns minutos passaram-se, e ele sobe. Quando abri a porta do apartamento:

— Bom dia, senhor Luís!

— Bom dia, menina Emília. Estou lendo o jornal da manhã, e foi preso ontem um grupo de jovens praticando racha em carros velozes.

— É uma prática ilegal, mas nunca deixou de existir, senhor Luís. Aqui está o dinheiro dos donuts.

— Essa prática é comum, mas, dessa vez, a pessoa que praticou é muito rica! — o senhor Luís vira o jornal para mim.

Abro a boca quando vejo o sobrenome Navarro estampado naquela matéria policial e vejo um homem branco com os cabelos loiros-escuros, tons pastel, olhos na cor de mel, corpo másculo, Tarso Navarro algemado.

— Viu? Ele é filho da sua chefe!

— Eu nunca o vi pessoalmente, senhor Luís. Posso ficar com o jornal? — pergunto, surpresa.

— Claro, Emília — ele fala, entregando-me o jornal.

O senhor Luís se vai, e fico com os olhos vidrados naquele jornal. Alicia vem até onde estou.

— Alguém morreu, Emília? O que tanto vê de importante nesse jornal? — Alicia pergunta, vindo até mim.

— Tarso Navarro é ele! — afirmo.

Alicia pede o jornal para ver o que tanto vejo, e eu a entrego. Ela põe a mão na boca ao ver a imagem, e nós duas lemos a notícia que estava naquela nota. Imagino que a senhora Elis está com os nervos à flor da pele. Ele, afinal, é o filho que estava longe e agora veio rodeado de problemas.

— Emília, esse Tarso eu não conhecia, mas o que tem de bonito, tem de problemas. Nem parece Esaú e Allan, que são uns anjos — Alicia fala.

— Pois é. Ele é um homem muito bonito, mas é rebelde e playboy. Quem odeia escândalos, como a senhora Elis…

— Mas nem tudo é perfeito, Emília. Nem todos devem se curvar a ela, como nós duas fizemos a vida toda.

— A nossa situação é diferente, Alicia! Jamais nos compare com esse rapaz, o Tarso. Éramos como folha seca. Só o vento saberia o nosso destino — falo e olho o jornal novamente.

Entrego os donuts dela, e fomos tomar café. Os meus olhos não conseguiam sair daquele jornal. A imagem do olhar dele, sendo levado por policiais, não sai da minha cabeça. Eu só queria entender como Tarso vive uma vida assim. Sempre teve dinheiro, estudos, inúmeros hospitais para trabalhar e prefere viver uma vida delinquente.

Alicia sai de casa para trabalhar, e eu fico sozinha. Não demorou muito, a campainha toca novamente. Creio que pode ser o senhor Luís em busca do seu jornal. Coitado dele, fiquei em choque com essa notícia. Ao abrir a porta, vejo a senhora Elis na minha frente. Sem entender nada:

— Bom dia, senhora Elis. Entre, por favor — falo rapidamente.

— Hoje não é um bom dia, Emília! — a senhora Elis fala, andando de um lado para o outro.

— A senhora quer um chá, um café?

— Nada disso vai me acalmar, Emília. Nunca fui de falar do meu segundo filho, Tarso. Aliás, para mim, ele nunca foi o meu filho. Penso que ele foi trocado na maternidade — a senhora Elis fala, e sinto ódio nas suas palavras.

— Eu o conheci hoje através dos jornais. Lamento muito, senhora Elis — falo, triste.

— A vida dele foi sempre jogar na lama meu sobrenome. Eu tive os meus três filhos imaginando e sonhando um futuro brilhante para eles, e olha onde está o sobrenome da minha família, sobrenome esse que lutamos ardentemente para ser reconhecido. E Tarso vem, novamente, praticar racha. Estou à base de remédios.

— Senhora, eu lamento muito, mas o juiz Fakin talvez conceda um habeas corpus para soltá-lo. Só assim todos irão esquecer novamente esse escândalo.

— Pedi a ele que não concedesse nada. Tarso só sairá da cadeia de casamento marcado.

Fico perplexa ao ouvir as suas palavras. Eu não sabia que Tarso já era noivo. Olho para a senhora Elis e tento falar algumas palavras.

— Tarso é noivo? Não entendi quando você falou que ele só sairá de lá casado. É algo contra a sua vontade? — pergunto, curiosa.

— Tarso não é noivo! Ele vai ficar a partir de hoje. Agora, a sua vez chegou, Emília. Está na hora de você cumprir o contrato que assinamos anos atrás, e a minha exigência é essa, Emília: que case com Tarso.

A cada palavra que saía da sua boca, era uma parte do meu corpo que ia gelando. Eu não sentia nem mais os meus pés. Sento de uma vez na poltrona, e ela me entrega a pasta vermelha. Lembro-me perfeitamente do dia em que ela me fez assinar e pergunto o que vai ser de mim agora.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App