O hospital parecia um campo de batalha após a guerra.Mesmo com a emergência sob controle, a tensão ainda pairava no ar. A adrenalina começava a deixar o corpo, e com ela vinham a dor, o cansaço... e tudo o que estava sendo empurrado para o fundo.Helena caminhava pelos corredores quase como um fantasma. Tomara banho, trocara o uniforme ensanguentado, mas por dentro ainda carregava o peso das últimas horas.Ela sabia que não era só o cansaço.Sabia o que a consumia.O olhar de Rafael.O toque de sua mão.A quase decisão de beijá-la.A forma como ele lutava contra o que sentia.E ela também estava lutando.Não era só desejo.Não mais.Era a forma como ele a via — por trás da exaustão, da força, das camadas que ela construiu para sobreviver.Era a forma como ele esteve lá quando ela mais precisava.Ela parou ao lado do refeitório vazio e encostou-se à parede, tentando respirar fundo.— Você está se escondendo? — a voz grave atrás dela não a fez pular. Ela reconheceria aquele timbre em q
Clara observava tudo.Os olhares furtivos.As palavras não ditas.A tensão que parecia um fio prestes a arrebentar a qualquer segundo.E, sinceramente, já estava farta daquilo.Helena e Rafael eram dois teimosos, dois profissionais impecáveis — mas emocionalmente desastrosos. E Clara estava cansada de ver os dois sofrerem por algo tão evidente.Ela esperou o momento certo. Um fim de turno, quase noite. O hospital começava a silenciar após o caos do dia.— Helena, Rafael — ela chamou, surgindo no corredor com a expressão inocente de quem não tramava nada. — Preciso da ajuda de vocês dois pra organizar os estoques da sala de equipamentos. É rápido. Tem coisa demais fora do lugar.Helena trocou um olhar rápido com Rafael, hesitante. Ele apenas deu de ombros.— Vamos logo com isso — murmurou.Os dois a seguiram sem desconfiar.Assim que entraram na sala, Clara apontou para umas caixas no canto.— Comecem por ali. Vou buscar os formulários no armário do corredor — disse ela, já saindo.Mas
O hospital acordou com sua rotina habitual: alarmes apitando, pacientes sendo transferidos, médicos correndo de um lado para o outro. Mas havia algo diferente no ar naquela manhã. Algo sutil… e ao mesmo tempo gritante para quem prestasse atenção.Rafael e Helena estavam mudados.Não drasticamente. Não escandalosamente.Mas visivelmente.Os olhares demoravam um segundo a mais. Os toques profissionais se tornavam involuntários, quase íntimos. A presença de um era automaticamente percebida pelo outro, como se os dois operassem em sintonia inconsciente.E isso não passou despercebido.— Você viu? — murmurou Clara, encostada no balcão da enfermagem. — Eles chegaram praticamente juntos. E estavam sorrindo.João ergueu uma sobrancelha, cético.— Rafael Moretti? Sorrindo? Tá brincando.— Estou falando sério. Aquilo ali não é só café bom, não — Clara rebateu com um sorrisinho cúmplice.Dentro da sala de trauma, Rafael avaliava os exames de um paciente, enquanto Helena fazia o curativo em outro
Helena Ferreira passou pela porta do centro cirúrgico com os nervos à flor da pele. O hospital tinha sido seu novo lar nos últimos seis meses, mas a unidade de cirurgias era um território desconhecido para ela. Ela já tinha lidado com emergências e situações de risco, mas trabalhar ao lado de um cirurgião tão renomado e meticuloso quanto o Dr. Rafael Moretti, com sua reputação impecável, era uma realidade desafiadora.Ela ajustou a máscara sobre o rosto, sentindo o cheiro característico de álcool e antisepsia no ar, e seguiu para a mesa de operações. A sala estava fria, iluminada por lâmpadas fluorescentes que faziam a pele pálida dos pacientes refletir de forma quase fantasmagórica. Helena passou a mão pelos cabelos presos em um coque e olhou para a figura que dominava o ambiente.Dr. Rafael Moretti estava de pé, como uma estátua de pedra, com as mãos cruzadas sobre o peito, observando a equipe se preparar para a cirurgia. Sua postura era rígida, impecável, e seus olhos pareciam afia
Helena não conseguiu tirar Rafael Moretti da cabeça, mesmo após o término da cirurgia. Ela havia entrado naquele centro cirúrgico com a confiança de quem sabe o que está fazendo, mas sair dali com o peso da frustração e da irritação foi algo novo para ela. Ele não havia sido rude, exatamente, mas seu tom autoritário e sua falta de reconhecimento a deixaram desconfortável. Ela estava acostumada a trabalhar com médicos exigentes, mas havia algo no jeito de Rafael que a fazia sentir como se fosse invisível, como se fosse só uma peça no quebra-cabeça da sua grandiosidade.Ela estava no vestiário do hospital, ainda com o avental de cirurgia, lavando as mãos com mais força do que o necessário, tentando descarregar a raiva que começava a se acumular. A água fria estava lhe dando um pouco de alívio, mas a irritação em seu peito não desaparecia. Ao olhar para o espelho, viu o reflexo de si mesma: seus cabelos castanhos, agora molhados, e o olhar cansado. Ela nunca fora de se deixar abalar por
Helena entrou na sala de descanso das enfermeiras, jogando a bolsa com pressa na cadeira, sua mente ainda agitada pela última situação no hospital. O dia havia sido longo, e ela sabia que o que aconteceu na ala de recuperação entre ela e Rafael não podia continuar. As palavras que haviam trocado, as olhadas carregadas de tensão, tudo isso criava um peso que ela não estava pronta para carregar.Ela sentou na cadeira, tentando respirar fundo. Mas não demorou muito até que o som de passos firmes a tirasse da tentativa de relaxamento. Ela sabia quem era antes mesmo de vê-lo. A maneira como ele andava, tão confiante, tão dominante. Rafael Moretti não fazia questão de ser discreto. E ali estava ele, na porta da sala de descanso, com seu jaleco perfeitamente ajustado e um olhar que mais parecia avaliar do que cumprimentar.— Enfermeira Ferreira — disse ele, sem rodeios, sua voz baixa e impositiva. — Precisamos conversar.Helena respirou fundo e virou-se para encará-lo, os olhos dele queimand
O som ritmado dos sapatos de Helena ecoava pelos corredores do hospital como um metrônomo de frustração. Ela caminhava com pressa, o jaleco pendendo de um dos ombros, a prancheta apertada contra o peito. O relógio marcava sete e cinquenta e cinco da manhã — cinco minutos para o início do plantão. Mas o que a incomodava não era o horário.Era ele.Rafael Moretti.Dr. Perfeição, como algumas enfermeiras suspiravam nos corredores. Helena quase revirava os olhos sempre que ouvia os comentários. *“Ele é um gênio”, “Ele nunca erra”, “Você viu como ele segura o bisturi? Parece uma dança”*. Sim, ela já tinha visto. E sim, ele era mesmo tudo aquilo. Mas também era arrogante, controlador, metódico ao ponto de parecer que a humanidade havia sido extraída junto com o apêndice dos pacientes.E ela estava cansada disso.Abriu a porta do vestiário feminino com um empurrão e se jogou no banco de madeira ao lado dos armários. Tirou o jaleco amarrotado da bolsa, esticando-o com raiva antes de vesti-lo.
O silêncio da sala de descanso foi quebrado por um alarme estridente que ecoou pelos corredores como um grito de alerta. Helena levantou o olhar do prontuário que revisava, sentindo o frio familiar escorrer por sua espinha. O som do código vermelho era inconfundível: trauma grave, paciente em estado crítico chegando à emergência.Ela saltou da cadeira, já puxando a touca do bolso do jaleco e prendendo o cabelo com agilidade. Seus passos ecoavam acelerados pelos corredores do hospital enquanto enfermeiros corriam em direções opostas e o rádio no peito de um residente anunciava:— Acidente na rodovia central! Motociclista em politraumatismo, instável! Está a caminho da cirurgia. Tempo estimado: dois minutos.No centro cirúrgico, Rafael Moretti já estava em pé, como se tivesse previsto a chegada. O olhar cortante, a postura ereta, o bisturi já em mãos mesmo antes de vestir a paramentação completa. Quando o residente entrou e deu o relatório, ele nem piscou.— Quero a sala dois pronta em