O hospital seguia seu ritmo frio e impessoal, como se nada tivesse acontecido. Mas para Helena e Rafael, cada passo, cada olhar evitado, parecia pesar toneladas.Helena estava sentada no terraço dos fundos, o jaleco jogado ao lado, a cabeça apoiada nos joelhos. O céu noturno parecia pesado, tão pesado quanto seu peito.Ela pensava em tudo que havia dito — e em tudo que ficou entalado. Eles nunca tinham sido nada além de colegas. Nunca tinham cruzado aquela linha invisível. Mas bastava estar no mesmo ambiente para que a tensão entre eles fosse quase sufocante. Desejo, ressentimento, admiração... uma mistura tóxica que nem o tempo, nem a dor tinham conseguido dissolver.E ainda assim, lá estava ela — se doendo por alguém que nunca lhe pertenceu.Helena soltou uma risada seca. Talvez esse fosse seu erro desde o começo: esperar demais de quem sempre se manteve distante.Rafael caminhava sozinho pelos c
O aviso veio como um golpe seco, inesperado, que atravessou o hospital inteiro.Rafael Moretti fora oficialmente reintegrado. A notícia se espalhou rápido, trazendo alívio entre os profissionais da emergência. Ele era, afinal, o melhor cirurgião que já passara por ali — e mesmo seus colegas mais competitivos sabiam que o hospital não sobreviveria ao caos sem ele.Mas a segunda parte do comunicado caiu como uma bomba.Helena Ferreira seria desligada.A alegação era "conduta inadequada e interferência em processos administrativos". Nada além de uma desculpa bonita para encobrir a sede de punição da comissão.Assim que recebeu a informação, Rafael sentiu o estômago se revirar. Não pensou. Não hesitou.Largou o que estava fazendo, tirou as luvas cirúrgicas ainda sujas de sangue e saiu do centro cirúrgico, atravessando os corredores com passos firmes e perigosamente silenciosos.Pegou o celular, o númer
Assim que a porta se fechou atrás de Rafael, Helena deslizou pela parede até sentar-se no chão frio do vestiário. Sua cabeça girava, os lábios formigavam como se ele realmente a tivesse beijado — mas ele não beijou.O que doía mais: o fato de ele ter se afastado ou o fato de ela ter desejado que ele não tivesse?Ela apertou os joelhos contra o peito, respirando fundo, tentando ignorar o calor persistente que invadia seu corpo, o desejo latente que nenhuma quantidade de lógica conseguia apagar.Não era só atração física. Era o peso de tudo o que tinham passado, de todas as coisas não ditas, dos olhares, dos silêncios carregados.E agora... agora era tarde demais para fingir que nada existia.Helena fechou os olhos e encostou a cabeça nos joelhos, tentando se recompor.Tentando, inutilmente, esquecer o quanto queria sentir de verdade a boca dele na sua.Rafael atravessou o corredor feito uma tempestade sile
Helena Ferreira passou pela porta do centro cirúrgico com os nervos à flor da pele. O hospital tinha sido seu novo lar nos últimos seis meses, mas a unidade de cirurgias era um território desconhecido para ela. Ela já tinha lidado com emergências e situações de risco, mas trabalhar ao lado de um cirurgião tão renomado e meticuloso quanto o Dr. Rafael Moretti, com sua reputação impecável, era uma realidade desafiadora.Ela ajustou a máscara sobre o rosto, sentindo o cheiro característico de álcool e antisepsia no ar, e seguiu para a mesa de operações. A sala estava fria, iluminada por lâmpadas fluorescentes que faziam a pele pálida dos pacientes refletir de forma quase fantasmagórica. Helena passou a mão pelos cabelos presos em um coque e olhou para a figura que dominava o ambiente.Dr. Rafael Moretti estava de pé, como uma estátua de pedra, com as mãos cruzadas sobre o peito, observando a equipe se preparar para a cirurgia. Sua postura era rígida, impecável, e seus olhos pareciam afia
Helena não conseguiu tirar Rafael Moretti da cabeça, mesmo após o término da cirurgia. Ela havia entrado naquele centro cirúrgico com a confiança de quem sabe o que está fazendo, mas sair dali com o peso da frustração e da irritação foi algo novo para ela. Ele não havia sido rude, exatamente, mas seu tom autoritário e sua falta de reconhecimento a deixaram desconfortável. Ela estava acostumada a trabalhar com médicos exigentes, mas havia algo no jeito de Rafael que a fazia sentir como se fosse invisível, como se fosse só uma peça no quebra-cabeça da sua grandiosidade.Ela estava no vestiário do hospital, ainda com o avental de cirurgia, lavando as mãos com mais força do que o necessário, tentando descarregar a raiva que começava a se acumular. A água fria estava lhe dando um pouco de alívio, mas a irritação em seu peito não desaparecia. Ao olhar para o espelho, viu o reflexo de si mesma: seus cabelos castanhos, agora molhados, e o olhar cansado. Ela nunca fora de se deixar abalar por
Helena entrou na sala de descanso das enfermeiras, jogando a bolsa com pressa na cadeira, sua mente ainda agitada pela última situação no hospital. O dia havia sido longo, e ela sabia que o que aconteceu na ala de recuperação entre ela e Rafael não podia continuar. As palavras que haviam trocado, as olhadas carregadas de tensão, tudo isso criava um peso que ela não estava pronta para carregar.Ela sentou na cadeira, tentando respirar fundo. Mas não demorou muito até que o som de passos firmes a tirasse da tentativa de relaxamento. Ela sabia quem era antes mesmo de vê-lo. A maneira como ele andava, tão confiante, tão dominante. Rafael Moretti não fazia questão de ser discreto. E ali estava ele, na porta da sala de descanso, com seu jaleco perfeitamente ajustado e um olhar que mais parecia avaliar do que cumprimentar.— Enfermeira Ferreira — disse ele, sem rodeios, sua voz baixa e impositiva. — Precisamos conversar.Helena respirou fundo e virou-se para encará-lo, os olhos dele queimand
O som ritmado dos sapatos de Helena ecoava pelos corredores do hospital como um metrônomo de frustração. Ela caminhava com pressa, o jaleco pendendo de um dos ombros, a prancheta apertada contra o peito. O relógio marcava sete e cinquenta e cinco da manhã — cinco minutos para o início do plantão. Mas o que a incomodava não era o horário.Era ele.Rafael Moretti.Dr. Perfeição, como algumas enfermeiras suspiravam nos corredores. Helena quase revirava os olhos sempre que ouvia os comentários. *“Ele é um gênio”, “Ele nunca erra”, “Você viu como ele segura o bisturi? Parece uma dança”*. Sim, ela já tinha visto. E sim, ele era mesmo tudo aquilo. Mas também era arrogante, controlador, metódico ao ponto de parecer que a humanidade havia sido extraída junto com o apêndice dos pacientes.E ela estava cansada disso.Abriu a porta do vestiário feminino com um empurrão e se jogou no banco de madeira ao lado dos armários. Tirou o jaleco amarrotado da bolsa, esticando-o com raiva antes de vesti-lo.
O silêncio da sala de descanso foi quebrado por um alarme estridente que ecoou pelos corredores como um grito de alerta. Helena levantou o olhar do prontuário que revisava, sentindo o frio familiar escorrer por sua espinha. O som do código vermelho era inconfundível: trauma grave, paciente em estado crítico chegando à emergência.Ela saltou da cadeira, já puxando a touca do bolso do jaleco e prendendo o cabelo com agilidade. Seus passos ecoavam acelerados pelos corredores do hospital enquanto enfermeiros corriam em direções opostas e o rádio no peito de um residente anunciava:— Acidente na rodovia central! Motociclista em politraumatismo, instável! Está a caminho da cirurgia. Tempo estimado: dois minutos.No centro cirúrgico, Rafael Moretti já estava em pé, como se tivesse previsto a chegada. O olhar cortante, a postura ereta, o bisturi já em mãos mesmo antes de vestir a paramentação completa. Quando o residente entrou e deu o relatório, ele nem piscou.— Quero a sala dois pronta em