— Eu não posso participar dessa bagunça. — murmuro, dando um passo para longe. Mas não chego a avançar mais do que dois passos antes de sentir sua mão firme agarrar meu braço. Ele me puxa, me vira, e seus olhos estão ali — sérios, profundos, sem o traço malicioso que costumava me provocar.
— Não há saída, Harumi. Ou você tá dentro... ou tá dentro.
— Long, isso é loucura.
— Loucura é continuar vivendo assim. Até quando? Até você engravidar de novo e eles arrancarem o bebê do seu ventre... sem nem ao menos pedir permissão?
Prendo a respiração.
A lembrança vem como uma lâmina atravessando o peito.
Eu tinha dezessete anos. Engravidei do jovem mestre. E ele... ele ordenou que me tirassem aquilo que era meu sem ao menos me consultar.
Médicos, agulhas, dor. Uma dor que me rasgou mais do que qualquer outra. Depois, o castigo: a masmorra. Me acusaram de ter feito de propósito. Me trataram como se eu tivesse tramado tudo. Mas eu não sabia... eu juro, eu nem sabia que podia engravidar dele.
Depois de semanas, fui arrancada de lá. E foi aí que as coisas realmente pioraram.
O verdadeiro inferno começou quando conheci Miller, o único homem com quem sou compartilhada. Ele é o meu pior pesadelo, ainda pior do que o chefe
Encaro Long, me desvencilhando do seu toque. O nó na garganta é pesado, mas eu o engulo. Não vou chorar. Não agora.
— Me solta. — sussurro, mais pra mim do que pra ele.
— Harumi... me ajuda a te ajudar.
A voz dele é baixa, sincera. Inesperadamente humana. Me permito desabar por um instante. Encosto a testa em seu peito, os olhos querendo transbordar. Ele afaga meu cabelo, ainda úmido, com uma delicadeza que quase me destrói por dentro.
— E se... se a gente não conseguir? — murmuro.
— E se a gente conseguir? — ele responde, sem hesitar. — Já parou pra pensar nisso?
— Não. — Volto meu olhar para o prisioneiro.
Seu rosto está irreconhecível.
O inchaço desfigurou completamente suas feições. Os lábios, deformados. Os olhos, cerrados por hematomas que tingem sua pele em tons de roxo e azul.
Meus olhos se fixam em um corte profundo que atravessa seu peito, uma ferida aberta, pulsante, que exige atenção imediata.
— O que quer que eu faça? — Me livro do aperto de Long e volto a me aproximar de Leonardo.
— Por enquanto, fique de olho nele e cuide de suas feridas. Eu o sedei. —Pronuncia. — Achei melhor assim. Ele precisa ficar calado até a bomba estourar. Vou deixá-lo acordar daqui uns três dias.
Um impulso violento me invade. Por um segundo... eu queria matar meu amigo.
— Não tem como tirá-lo daqui?
— Ele vai ficar aqui até melhorar... até poder entrar em contato com a família. — A resposta vem com uma naturalidade fria, como se fosse parte de um plano qualquer. Como se não estivesse colocando todas as nossas vidas em risco. Parece que sou a única pensando com clareza.
— Isso não vai dar certo, Long. Eles vão vasculhar cada canto desse maldito lugar até encontrá-lo.
— Ninguém vai procurá-lo, Harumi. Já disse. — Ele sorri, satisfeito com a própria crueldade. — Do jeito que esse infeliz está, ninguém vai notar a troca. — Dá de ombros, como se estivesse falando de algo banal.
— Tudo bem. Vou seguir com o seu plano. Mas, se dessa vez algo der errado... eu entro no meio do tiroteio sem pensar duas vezes.
Percebo seu olhar vacilar após minhas palavras, mas não vou ceder dessa vez. Ele me deixou no escuro e agora aparece com isso, como se não fosse nada.
— Harumi...
— Vou me trocar. Depois volto para cuidar desse homem.
Me afasto dele, percebendo que suas palavras ficaram presas na garganta.
Subo pela pequena escada e entro no meu quarto.
Vou direto ao closet para vestir uma roupa apropriada afinal, meu cargo mudou de prostituta do chefe para enfermeira de um quase morto.
O destino é uma coisa estranha.
Não quero imaginar o que pode acontecer se formos pegos. Aqui, não há perdão. Talvez seja hora de parar de me esconder na minha bolha de medo e pena... talvez seja hora de encarar a realidade de frente.
Infelizmente, serei obrigada a ser terrivelmente mesquinha. E não terei problema algum em machucar quem tentar se colocar no meu caminho.
Vou entrar nessa... para fugir. Ou para morrer.
Porque, em partes, Long está certo. Esse homem pode, sim, ser a nossa saída.