Coloquei as roupas usadas no ritual em cima da pia com um nojo silencioso, como se o simples contato com o tecido fosse suficiente para sujar novamente minha pele recém-lavada.
Enrolei meu corpo no robe branco, o mesmo de sempre, amarrei o cabelo ainda molhado no alto da cabeça. Meus dedos trêmulos não conseguiam segurar os fios por muito tempo. A umidade escorria pelo meu pescoço, fria como a sensação que me invadia por dentro. Me aproximei do espelho, e ali estava ela: eu. A sombra de mim mesma. Sempre que olho meu reflexo, algo dentro de mim se despedaça. É como ver um corpo sem alma, um olhar que grita em silêncio. Vontade de chorar? Já não sei se é isso. É um aperto no peito, uma ânsia que sobe pela garganta e me sufoca. Comecei a evitar o espelho por isso porque ele não mente. Porque, nele, não posso fingir que estou bem. Porque, quando estou sozinha, tudo o que sinto... é pena de mim mesma. Um assobio me arranca da bolha em que me escondi. Long. Com toda certeza, já está largado na minha cama, olhando para o teto e alimentando os devaneios de uma fuga que, para mim, já virou piada de mau gosto. Esse filho da puta ainda mantém acesa a centelha de uma ilusão que, se um dia teve cor, agora é só cinza. — Eu trouxe chá de camomila — ele resmunga assim que saio do banheiro. — Por que chá de camomila? — arqueio uma sobrancelha, tentando entender se dessa vez ele está falando sério... ou se é mais uma de suas loucuras travestidas de planos. Ele me observa com atenção. É estranho como, às vezes, parece me enxergar além da pele, como se visse os escombros do que fui. — Eu preciso que você esteja calma. O que eu fiz dessa vez deu muito trabalho... e o que eu menos quero é você surtada ou com raiva. "Raiva?" penso. Não sabe que é tudo o que me resta? — Desembucha — puxo a cadeira com força contida e me sento ao seu lado, sentindo o coração bater mais rápido. Medo e esperança se misturam, mas nenhuma das duas me traz paz. — Na última vez que tentamos, não deu certo. Agora vai dar. —Franzo a testa. Meu corpo se enrijece. Eu já sei onde isso vai dar. Sempre sei. — Dessa vez, nós vamos conseguir sair daqui. — Quem você pretende matar dessa vez? A pergunta sai amarga, carregada de lembranças que prefiro esquecer. As mortes. O sangue. Katakana. Sim, porque da última vez, quem morreu foi Ren. Não sei ao certo o que Long aprontou para levá-lo ao abismo da morte. Só fiquei sabendo que o plano falhou. — Quem vai morrer não importa — ele se levanta, ajeitando o cabelo liso que cai sobre a testa. A pose de sempre, como se o caos ao redor fosse um tabuleiro de xadrez e ele, o jogador. O super jogador. — Beba o chá. — Não quero, obrigada — respondo sem sequer olhar para a xícara. O gosto da camomila já me parece amargo antes mesmo de tocar meus lábios. Ele sorri de lado, aquele sorriso que sempre me deixa em alerta, e aponta para a pequena porta do alçapão. — Dessa vez, nosso passaporte está lá embaixo. “Passaporte.” A palavra deveria soar como liberdade. Mas nos lábios dele, parece mais uma armadilha. Eu gosto de Long. Gosto de um jeito torto, cansado, sobrevivente. Mas às vezes ele é completamente louco. E o mais assustador... é que isso combina com ele. Abro o alçapão e desço os degraus com ele atrás de mim. Esse porão virou meu refúgio quando não consigo respirar lá em cima. Aqui, eu me escondo das vozes, dos olhos que se focam em mim. O lugar não é tão decadente — eu o ajeitei com as próprias mãos, como se pudesse construir um espaço onde a dor não me alcançasse. — Droga… — sussurro entre os dentes assim que meus pés tocam o chão. Na minha cama improvisada, há um corpo. Um corpo de um homem. Será que está vivo? Meu coração dispara, o estômago revira. Viro-me devagar, encarando o sorriso doentio de Long. Ele está orgulhoso de algo que eu ainda não compreendo... mas já temo. — Você quer morrer? — Não — ele responde com calma, indo até o corpo imóvel. — Eu quero sair daqui. — Quem é o pobre coitado? — sussurro, com a voz embargada pela ansiedade. — Leonardo Pachis. Silêncio. Meu corpo paralisa. A mente corre em todas as direções, buscando lógica, buscando sentido, buscando esperança... e não achando nada. — Long... eles vão procurar esse homem por toda parte. Eles vão... — Não vão — ele me interrompe, sério, como poucas vezes o vi. — Coloquei outra pessoa na mesma situação que a dele no lugar. O outro já está morto. Assim, todos pensarão que Leonardo morreu. Nós o mantemos vivo. E, quando ele acordar, será obrigado a nos tirar daqui. Ou faz o que queremos... ou nós mesmos o matamos. — Nós? A palavra pesa na garganta. E, pela primeira vez em dias, eu sinto medo de verdade. Medo dele. Medo de mim. Medo do que somos capazes quando não nos resta mais nada. Aperto o laço do robe com força contra meu corpo, como se isso pudesse me proteger da cena à minha frente. Meus olhos fixam o rosto inchado do homem estendido ali, coberto por feridas abertas que ainda sangram em alguns pontos. A imagem me causa um nó no estômago. Pena. Raiva. Um misto de sentimentos que me obriga a respirar fundo para não desmoronar ali mesmo. Dou mais alguns passos, hesitante, me aproximando para ver melhor. A cada centímetro, a dúvida cresce em mim. E, sinceramente, não acredito que ele vá sobreviver. Não com o corpo nesse estado. Não com o mundo querendo sua cabeça. Não com Long planejando usá-lo como peça de fuga. Suspiro, finalmente entendendo que Long perdeu completamente a sanidade.