Eu odeio muitas coisas neste lugar, mas o que mais me repugna... é o salão do ritual.
A primeira vez que fui trazida para cá, eu tinha apenas 15 anos. Lembro com nitidez dos detalhes que me marcaram, o cheiro forte de álcool misturado com perfumes, os gritos abafados, os risos sujos, as mãos que se estendiam demais. Havia tanto para temer naquela noite, tantas imagens que me feriram e, mesmo assim, hoje... ainda dou importância a cenas que sempre me deixam em pânico. Bebidas derramadas, drogas circulando como doces em festa, sexo escancarado, corpos se esfregando sob luzes pulsantes e coloridas, todo o caos arquitetado meticulosamente para satisfazer os desejos doentios deles. E no centro de tudo isso, sobre o palco, ao lado do jovem mestre, estava eu. Minha virgindade foi tirada ali, diante de todos. Um espetáculo cruel mascarado de ritual, aplaudido por monstros mascarados de homens. É impossível não lembrar dessa noite. Todas as vezes que meus pés cruzam o salão principal, essa memória retorna como um soco no estômago. Mesmo sendo “reservada” apenas ao toque dele, ainda sinto os olhares famintos de todos ao meu redor. A lembrança me sufoca. O peso daquelas primeiras mãos ainda me assombra, e nada apaga a sensação de estar em exibição constante. Ainda hoje, todas as noites em que sou levada até aqui, os olhos deles me seguem com o mesmo desejo contido, a mesma fome de antes, e o pior de tudo é saber que nenhum deles esqueceu. Nunca esqueceram. A música começa a pulsar nos alto-falantes embutidos nas paredes, um ritmo lento e provocante que avisa a todos que a “apresentação” vai começar. Luzes vermelhas e douradas dançam pelo salão, tingindo tudo com um brilho lascivo. Meu corpo reage sozinho, aprendi a obedecer aos sinais. Os saltos altos ecoam enquanto sou levada ao centro do palco, como um cordeiro que já conhece o caminho do abate. Do fundo do salão, vejo o braço direito do jovem mestre se levantar, com um sorriso satisfeito e olhos fixos em mim, como se já soubesse que estou quebrada por dentro. Mas ele está errado. Eu ainda estou aqui. Partida, sim. Mas não totalmente destruída. E é por isso que sigo fingindo, interpretando o papel que eles escreveram para mim… até que eu possa rasgar o roteiro. — Hoje, eu serei seu dono — ele murmura, e sua mão desliza lentamente por dentro do manto. — Será um prazer. Sorrio com a máscara que aprendi a vestir, e o sigo pelos pequenos degraus que levam ao trono improvisado, uma cadeira alta revestida de veludo carmesim, estrategicamente posicionada no centro do salão, com um imenso sofá ao lado. Ele se senta junto de vários homens, alguns já entretidos em seu ato carnal com as acompanhantes. Hiroto me acomoda no colo como se eu fosse um troféu. Sua mão sobe devagar, expondo minha coxa, alisando minha pele com um toque que me causa náuseas. Uma garçonete se aproxima, vestida apenas de lingerie preta rendada, equilibrando uma bandeja com elegância treinada. Ela lhe serve uma dose de uísque, curvando-se mais do que o necessário, como manda o jogo deles tudo é provocação. Tudo é sobre poder. — Eu queria mesmo era foder você… mas aquele sádico... — ele começa, mas não termina a frase. As palavras morrem em sua garganta como se, mesmo aqui, houvesse limites inomináveis. Afinal, regras são regras. Sem responder, estendo a mão com movimentos graciosos, pego o copo meio vazio e o encho novamente com o uísque deixado à mesa lateral. Meus dedos tocam os dele por um segundo, frios, calculados. Tudo em mim é ensaio. Me inclino com suavidade até que meus lábios toquem a borda do copo, e finjo um gole antes de oferecer a bebida de volta. Ele sorri, convencido de que tenho prazer em servi-lo. O sorriso dele é o de um homem que acredita ter vencido e talvez tenha, por agora. — Seria uma honra, um dia, servi-lo — murmuro com um sorriso ensaiado, repousando a mão no encosto do sofá, mantendo-a ali, imóvel. Me limito a tocá-lo apenas com palavras, jamais com a verdade. Ele me observa com olhos famintos, um brilho obscuro dançando em sua expressão satisfeita. Sua resposta vem envolta em uma doçura ácida: — Um dia, minha deusa... Mas há coisas que não duram para sempre. A ameaça está lá, oculta sob a falsa reverência ao líder. E que os deuses me ouçam que morram ambos, na ânsia cega de provar qual deles é superior ao outro. Ele inicia uma conversa com os homens ao lado, que também estão acompanhados. Desvio o olhar, ansiando por algo que me arranque daquele instante sufocante. Meus olhos percorrem o ambiente: luzes fracas, fumaça no ar, corpos embriagados pelo luxo e pela perversão. Tudo ali exala uma decadência disfarçada de festa. Clamo em silêncio para que a sentença do prisioneiro comece logo. É a única condição para que eu possa deixar o salão e hoje, mais do que nunca, preciso sair antes que minha máscara se quebre. Depois de muitas rodadas de bebidas e entorpecentes circulando livremente, a hora chega. A cortina do palco dos fundos se abre com lentidão cerimonial, revelando o lugar onde tantos homens encontraram seu fim. Não havia plateia... havia predadores à espreita, desejando ver o sangue correr. Ali, sob as luzes cruas, o líder gostava de mostrar o que era o verdadeiro poder. A única coisa que eu sabia naquela noite era que a morte daquele pobre homem seria adiada mas sua tortura, não. E, como num passe de mágica, o prisioneiro é empurrado para o centro do palco. Seus joelhos falham ao tocar o chão, o rosto inchado e sujo de sangue. Ele mal consegue erguer a cabeça, mas ainda respira. Atrás dele, homens surgem com casacos negros sobre os ombros e luvas de couro suas armaduras particular para esses eventos. — Que comece o espetáculo — grita o homem ao meu lado, com a voz impregnada de prazer. Os risos ecoam ao redor, e eu apenas fecho os olhos por um segundo. Não por ele. Mas por mim. Porque cada espetáculo desses também é a minha própria punição. É como se fosse eu naquele lugar. Porque, de certa forma, já estive ali. Já senti o gosto amargo da punição, o ardor do chicote castigando minha pele pela ousadia de desobedecer. Cada golpe que agora desce sobre as costas daquele homem é como uma lâmina atravessando, de novo, a minha rebeldia sufocada. Meus olhos vagueiam pelo salão, ansiosos, procurando por Long uma presença que, mesmo frágil, costuma me dar algum alívio. Mas ele não está. Não em lugar nenhum. E isso me inquieta ainda mais. Um gemido alto me arranca de meus pensamentos. Volto o olhar para o palco no exato momento em que o sangue escorre como tinta sobre o chão lustroso. A cena, embora já conhecida, nunca deixa de me afetar. Não importa quantas vezes eu veja alguém morrer ali. A inquietação dentro de mim sempre será a mesma. Porque é sempre um reflexo da minha própria dor. Mais um golpe. Mais uma gota de sangue. Mais um pedaço de mim querendo fugir. Fecho os olhos por um instante, desejando, com todas as forças, que esse tormento acabe. Que Long apareça. Que o jovem mestre me esqueça. Que alguém, qualquer um me arranque desse inferno com cortinas douradas. Mas tudo o que ouço é o som do couro encontrando carne. E, mais uma vez, sou forçada a assistir.