Kaíque
A rua parecia engolir meus passos naquele dia.
Sol rachando o asfalto, mochila nas costas pesando mais que culpa antiga, e a mão suando em cima da pilha de currículos que eu mesmo imprimi na lan house da vila. Cada passo era como arrancar um pedaço do que eu fui. Um rei sem trono. Um soldado sem guerra. Só um homem tentando ser digno.
Primeira parada: padaria da esquina.
Entrei com o boné na mão e o olhar firme, mas calmo. O gerente nem levantou direito os olhos, pegou o papel como quem pega lixo e soltou:
— A gente entra em contato, beleza?
Contato o caralho. Eu conheço esse tom. É o “vaza daqui” disfarçado de educação. Pior que tapa na cara. Pior que tiro de raspão. Porque isso fere por dentro, devagar.
Segunda tentativa: loja de material de construção.
Cheguei com humildade, falei que tinha força, disposição, que aprendia qualquer parada.
O dono cruzou os braços, estreitou os olhos e disparou seco:
— Tu não é o Kaíque do Complexo?
Travei por um segundo. Respirei.
— Era. Não