Cinco Meses Depois
O tempo passou como passa na quebrada: arrastado, desconfiado, sempre esperando o próximo tiro, o próximo baque. Mas, naquela casinha esquecida pela civilização, o mundo lá fora parecia distante.
Cinco meses se passaram desde que Kaíque matou o Cobra. Cinco meses de silêncio, de cuidado, de noites mal dormidas e promessas sussurradas. Cinco meses em que minha barriga cresceu como se fosse uma bandeira hasteada dizendo: ainda tem vida aqui, apesar de tudo.
O chalé já não cheirava mais a mofo.
Cheirava a café pela manhã, a sabonete barato, a esperança improvisada. A gente reformou com o que dava. Kaíque fez conserto no telhado, eu bordei panos velhos pras janelas. Transformamos o abandono em abrigo. Um lar meio torto, mas nosso.
E naquela noite, quando a chuva caiu grossa e a luz acabou de vez, eu soube.
O bebê ia nascer.
A dor veio seca. Crua. Rasgando por dentro como se meu corpo soubesse que a vida só podia vir no grito. Kaíque entrou correndo, suado, ofegante. Tin