Laís nunca imaginou que voltaria para Santa Amora — uma cidadezinha encravada entre morros e plantações de café, a 180 km da capital, São Paulo, onde ela morava com os pais desde os dezessete anos. Mas lá estava ela, mais de uma década depois, com duas malas, um contrato de estágio e uma sensação incômoda de recomeço.
Aos vinte e três, Laís era uma jovem de presença serena, mas com os olhos que pareciam sempre guardar um pensamento a mais. Tinha cabelos castanhos escuros, lisos, que caíam sobre os ombros, e uma pinta discreta perto da boca, que ela odiava quando criança e agora adorava destacar com batom. Era discreta, mas não apagada. Observadora, mas intensa quando resolvia se entregar. A decisão de voltar não foi simples. A vaga de estágio em psicologia clínica surgiu como uma oportunidade temporária, mas promissora, em um pequeno centro de apoio emocional de Santa Amora — e apesar da relutância, ela sabia que precisava desse espaço. Um lugar mais silencioso para ouvir a si mesma, longe da rotina sufocante da cidade grande e do peso invisível que carregava há meses. Os pais, Clarice e Mauro, ficaram na capital. Nunca voltariam a morar no interior, mas respeitaram a escolha da filha. “É só por uns meses”, ela repetia, tentando acreditar nisso toda vez que batia a saudade. Laís saiu de Santa Amora aos dezessete anos para cursar a faculdade e nunca mais voltou — até agora. Não por mágoas, mas por medo de encarar o que havia deixado para trás. E também por ele. Laís pisou na calçada quente da rodoviária como quem pisa em uma memória antiga. O calor do interior era mais do que temperatura; era cheiro de terra, de pão fresco, de infância. Estava ali para um estágio ambiental, mas o que sentia era uma espécie de retorno emocional. Ao ver Eduardo se aproximando com aquele sorriso indecente, tudo girou um pouco. Eduardo não tinha mais o rosto de menino que ela lembrava. O tempo o esculpiu com paciência: traços firmes, barba bem-feita, e aquele olhar castanho que parecia sempre dizer mais do que devia. Usava jeans surrado, camiseta preta e um tênis sujo de terra. Simples, mas ele nunca precisou de muito esforço para chamar atenção. O tipo de homem que chega e o ar muda de peso. — E aí, sumida. — Ele sorriu, abrindo os braços, como se dez anos fossem apenas dez dias. Laís sorriu de volta, sem saber exatamente o que fazer com os braços, com o coração, com a saudade inesperada. Ela odiava quando ele fazia aquilo — aquela mistura de intimidade e deboche que fazia tudo dentro dela oscilar. — Eduardo. — Ela disse como quem prova um nome antigo na boca. — A própria. Quer que eu leve uma das malas? Ela hesitou. Ele percebeu. E sorriu de novo, daquele jeito. Como se ainda tivessem quinze anos e estivessem escondendo segredos no quintal da avó dela. Ela entregou a mala menor. — Obrigada. — disse, seca. Mas não era raiva. Era autoproteção. Seguiram pela calçada da rodoviária, em silêncio por alguns segundos que pareciam carregar o peso de tudo o que nunca foi dito. Ele foi o primeiro a quebrar o silêncio: — Ainda gosta de café com canela? Ela riu, surpresa. — Você lembra disso? — De você? É claro que eu lembro. Laís desviou o olhar, sentindo o rosto esquentar. Mal havia chegado e já estava à beira de um colapso emocional. Ainda era cedo demais para isso. Mas o pior é que ela sabia: Eduardo era esse tipo de perigo. Não o tipo que machuca de propósito — o tipo que você se machuca sozinha, só por se aproximar demais.