Aurora fechou a porta do pequeno apartamento com o ombro, as mãos ainda trêmulas pela carga emocional do dia. O ambiente estava escuro, exceto por uma lâmpada fraca na cozinha que piscava de vez em quando — um lembrete constante de que consertar aquilo ainda não cabia no orçamento.
Tirou os sapatos com um suspiro pesado e afundou no sofá gasto, jogando a bolsa ao lado. Por um instante, o silêncio a envolveu, como se o mundo lá fora tivesse finalmente se calado.
Mas a mente dela, não.
As palavras dele ainda ecoavam em sua cabeça.
"Ou pode assinar até o final. E ter acesso ao que poucas já tiveram."
Poucas já tiveram. Quantas, exatamente? E o que havia acontecido com elas?
Ela passou as mãos pelo rosto, tentando afastar os pensamentos. Aquilo não era apenas um emprego. Era um jogo de poder, envolto em promessas perigosas, desejo não dito… e um contrato que mais parecia uma armadilha elegante.
— Aurora? — A voz sonolenta de sua irmã veio do quarto ao lado.
— Aqui, Sofi.
Sofia apareceu na porta com um moletom largo e pantufas de coelhinho. Tinha apenas dezesseis anos, mas os olhos cansados e atentos a faziam parecer mais velha. Desde que perderam os pais, Aurora assumira o papel de mãe, irmã e provedora.
— Como foi seu primeiro dia no novo emprego? — perguntou, sentando-se ao lado dela e puxando uma coberta.
Aurora hesitou. Não queria preocupá-la, mas também não conseguia fingir que tudo estava normal.
— Foi... diferente.
— Diferente como?
— Meu chefe é... direto demais. Controlador. Do tipo que parece enxergar dentro de você.
Sofia arqueou uma sobrancelha.
— Bonito?
Aurora bufou, meio rindo.
— Muito. Daqueles que fazem você esquecer o próprio nome só de olhar.
— E rico?
— Extremamente.
Sofia arregalou os olhos, divertida.
— Tá me dizendo que começou a trabalhar numa fanfic?
Aurora riu, apesar de tudo. Era irônico. A vida real parecia menos plausível do que os livros adolescentes da irmã.
— Ele me ofereceu um contrato... com algumas cláusulas fora do comum.
— Tipo?
Aurora hesitou. Não podia revelar os detalhes. Nem para a irmã. A cláusula de confidencialidade deixava isso bem claro.
— Digamos que ele misturou vida pessoal com profissional. E deixou claro que as “exceções” dele não são exatamente... inocentes.
Sofia ficou em silêncio por um instante.
— Você está considerando?
Aurora mordeu o lábio inferior.
— Eu não sei. Não devia. Mas… o salário dobraria. E não teríamos mais que nos preocupar com o aluguel, com as dívidas, com remédio, com comida. Você poderia fazer aquele curso de design gráfico que vive pesquisando...
Sofia a encarou com um olhar maduro demais para a idade.
— Mas a que custo, Ro?
Aurora suspirou. A que custo, de fato?
Ela se levantou, caminhando até a janela. Lá fora, as luzes da cidade pareciam distantes. Carros, pessoas, vidas acontecendo. Mas nenhuma delas sabia o peso da decisão que Aurora carregava nos ombros.
Seu celular vibrou na bolsa. Um número privado.
Ela atendeu, hesitante.
— Alô?
A voz dele veio do outro lado, firme e inconfundível.
— Não gosto de esperar.
Aurora congelou.
— Eu disse que precisava de tempo.
— São 22h38. O prazo termina às 10h. Queria apenas lembrar que tempo é um recurso valioso. E que cada minuto perdido pode ser… uma oportunidade que escapa.
— Você sempre fala em enigmas, senhor Salvatore?
— Não. Só quando estou interessado.
A linha ficou em silêncio por um segundo, como se ele deixasse espaço para que ela absorvesse o que aquilo significava.
— Boa noite, senhorita Santini.
E desligou.
Aurora ainda segurava o telefone como se tivesse sido atingida por um raio. Interessado. A palavra martelava em sua mente.
Sofia a observava com o queixo apoiado nos joelhos.
— Era ele?
Aurora assentiu devagar.
— É como se ele soubesse exatamente quando estou vulnerável.
Sofia suspirou, já levantando para voltar ao quarto.
— Sabe o que eu acho? Que se você vai entrar nesse jogo... então entre como jogadora. E não como presa.
Aurora ficou sozinha na sala, as palavras da irmã ecoando.
Jogadora.
Presa.
Ela não sabia o que seria dali em diante. Mas de uma coisa tinha certeza: a cada novo encontro com Enzo Salvatore, mais difícil era ignorar o desejo que borbulhava sob a pele.
E talvez… só talvez… ela estivesse cansada de negar a si mesma o que queria.