O dia amanheceu nublado, como se o céu refletisse a confusão em que Aurora mergulhara desde a noite anterior.
Ela se vestiu em silêncio. Saia preta de cintura alta, camisa de botão vinho, salto baixo — mesmo sem a exigência oficial, queria se sentir no controle. O cabelo preso em um coque impecável, batom leve. Imagem de uma mulher profissional.
Mas por dentro… era puro caos.
No metrô, as estações passaram embaçadas. Ela tentava repetir para si mesma que ainda tinha escolha. Que ainda podia dizer “não”. Que ainda podia recuar.
Mas o telefone tocando às 6h43 da manhã, com o lembrete de uma assistente “por ordem do senhor Salvatore”, já deixava claro: ele não esperaria muito mais.
Ao chegar no prédio, foi conduzida diretamente à sala de reuniões do andar executivo. Havia apenas uma mesa, o tablet com o contrato, e uma caneta preta ao lado — um gesto simbólico, talvez, de que a assinatura dela ainda era uma escolha. Uma linha que ela ainda não cruzara.
Aurora se sentou. Suas mãos pairaram sobre o aparelho.
Leu novamente a cláusula 21. Respirou fundo.
E deslizou o dedo até o final.
Cláusula 37:
“Ao assinar este contrato completo, o colaborador reconhece que a relação com o CEO poderá envolver interações de natureza pessoal, incluindo envolvimento físico, emocional e íntimo, com consentimento mútuo. Nenhuma exigência sexual será feita sem aprovação expressa, e ambas as partes poderão encerrar o vínculo a qualquer momento sem prejuízo contratual.”
Havia algo surpreendentemente direto… e perversamente justo naquela cláusula. Ele estava oferecendo controle — mas com a ilusão de liberdade.
Aurora tocou o campo de assinatura digital.
Confirmou.
A tela brilhou com a mensagem: Contrato completo ativado.
— Agora, sim — disse uma voz próxima demais.
Ela girou a cabeça rapidamente.
Enzo estava encostado no batente da porta, observando-a com os braços cruzados, como se soubesse exatamente o segundo em que ela terminaria.
— Está me vigiando? — perguntou, tentando manter o tom firme.
— Estou investindo. — Ele caminhou até ela com passos lentos. — E gosto de acompanhar meus investimentos de perto.
Ela se levantou. Queria manter distância, manter a compostura, mas cada passo dele parecia encurtar o espaço com uma precisão calculada.
— Então o que acontece agora? Eu recebo um crachá especial? Um bracelete? Uma coleira?
Ele sorriu de leve.
— Apenas instruções.
Ele caminhou até a parede e apertou um botão. A janela espelhada que dividia a sala dele da sala de reuniões escureceu lentamente, até tornar-se opaca. Privacidade total.
Aurora engoliu seco.
— Regra número um — começou ele, parando a poucos centímetros dela. — Nada acontece sem o seu consentimento.
— Ótimo começo.
— Regra número dois. Quando estivermos aqui dentro… você será honesta comigo. Sempre.
Ela assentiu, os olhos presos nos dele.
— Regra número três... — A mão dele se ergueu até o rosto dela, afastando uma mecha de cabelo com um toque leve, quase reverente. — …não me desafie sem estar disposta a lidar com as consequências.
Aurora sentiu o corpo estremecer. O toque fora breve, mas deixara um rastro de calor por toda a pele. Os olhos dele estavam fixos nos dela, e por um segundo o ar pareceu desaparecer do ambiente.
— E se eu quebrar as regras? — murmurou, provocando sem entender por quê.
Ele se aproximou ainda mais, os rostos a poucos centímetros.
— Você já está quebrando — sussurrou, com um sorriso que parecia entalhado em pecado.
O dedo dele desceu até a linha do maxilar dela, traçando um caminho lento até o pescoço. Parou ali, o polegar pressionando levemente o ponto onde a pulsação disparava.
Aurora não se mexeu.
Não se afastou.
Mas também não cedeu.
— Não sou uma das suas bonecas de luxo, senhor Salvatore.
— Ainda bem. As bonecas não têm essa centelha nos olhos.
A mão dele se afastou tão lentamente quanto havia chegado, deixando para trás um rastro invisível de calor e confusão.
— Sua nova sala está sendo preparada. Enquanto isso, ficará comigo. Aqui.
— Na sua sala?
— Na minha mesa, no meu campo de visão, no meu ritmo.
Ele caminhou até sua cadeira, sentando-se com a tranquilidade de um rei no trono.
Aurora permaneceu em pé.
— Isso faz parte das regras também?
— Não. Isso é só desejo mesmo.
O silêncio entre eles se prolongou, carregado de promessas não ditas.
Ela se aproximou da mesa, abrindo o laptop que lhe entregaram. Seus dedos ainda tremiam, mas ela se obrigou a parecer segura. Como Sofia dissera: jogadora, não presa.
— Então, senhor Salvatore — disse, com o tom mais profissional que conseguiu reunir —, qual será minha primeira tarefa?
Ele ergueu os olhos devagar, como se saboreasse a pergunta.
— Fazer com que eu não me arrependa da sua assinatura.