“Ettore Bianchi” O quarto parece encolher conforme as horas passam. Lá fora, a neve cai implacável, transformando Zurique em uma cidade fantasma coberta de branco. — Ettore — Liz me chama, fechando a revista que folheava distraidamente. Quando me viro para encará-la, ela continua: — O que faremos agora que a feira foi cancelada? A encaro por um momento, avaliando as opções, mas ao olhar para ela assim, tão à vontade, minhas ideias não são as melhores. Que porra de tentação é essa? — Podemos aproveitar o tempo para aprimorar a apresentação — sugiro, afastando os maus pensamentos. Liz solta uma risada breve, sem humor. — Claro, porque já não bastasse estar presa em um quarto, ainda precisamos continuar focados no trabalho — ironiza, levantando-se da poltrona em um movimento lento. — Sabe o que eu realmente quero agora? — Me surpreenda. — Um vinho para me aquecer — responde, caminhando até o minibar no canto da suíte. Observo-a abrir uma garrafa de vinho tinto, servindo o líquid
“Liz Bianchi” A confissão dele quase me faz virar para terminar o que começamos, mas escolho ouvir a voz da razão. É mais seguro assim. Qualquer atitude agora poderia nos levar a algo cujas consequências já conhecemos bem demais. E não estamos prontos para enfrentá-las. A tempestade lá fora parece refletir o caos dentro de mim. Violenta. Imprevisível. Devastadora. Quando o sol finalmente aparece, fraco e quase inexistente entre nuvens persistentes, acordo com a sensação de ter apenas cochilado. Ettore já não está na cama. O som do chuveiro vem do banheiro, e aproveito sua ausência para organizar meus pensamentos. Como devemos agir depois do quase beijo de ontem? Depois da confissão sussurrada na escuridão? Fingir que nada aconteceu parece a opção mais segura, embora, sem dúvida, a mais difícil. Ele sai do banheiro alguns minutos depois, já vestido, o cabelo ainda úmido. Seus olhos encontram os meus brevemente antes de se voltarem para a janela. — A neve diminuiu — come
“Ettore Bianchi” Os lábios dela sempre foram assim. Suaves. Quentes. Viciantes. Talvez seja por isso que eu nunca consigo resistir a eles. O beijo começa lento, quase hesitante, como se ambos esperássemos descobrir quem vai parar dessa vez. Mas logo se aprofunda, carregado da urgência que nenhum de nós consegue controlar mais. Minhas mãos descem até sua cintura, puxando-a para mais perto. Seus braços se enroscam ao redor do meu pescoço e seu perfume me envolve — familiar, intoxicante. Não é o primeiro beijo desde que nos reencontramos. Mas é diferente. Não é um teste. Não é provocação. Não é descuido. É rendição. — Ettore — ela sussurra contra meus lábios. Não respondo com palavras. Nada que eu diga agora faria mais sentido do que isso. Em vez disso, aprofundo o beijo, deixando meu corpo dizer o que minha mente ainda se recusa a admitir. Caminhamos às cegas pelo quarto, tropeçando nos móveis, rindo baixinho quando esbarramos na mesa. É surreal como a intimidade retorna com ta
— Tem certeza de que é uma boa ideia fazer uma surpresa, Liz? — minha melhor amiga pergunta, pela quarta vez só nessa ligação. — Sei lá… surpresas nem sempre acabam bem. E, sinceramente? Não confio nesse seu namorado. — Você implica com o Marco desde que o conheceu, Giulia. Admita, você o odeia porque ele é sério demais, diferente de você. — E você devia desconfiar justamente por isso. — Você disse que estava feliz por mim — sussurro, estacionando em frente à empresa. — E estou, mas… só tome cuidado, ok? Gosto de ver esse brilho voltando aos seus olhos, mas odeio imaginar que alguém possa apagá-lo de novo. Sorrindo diante da proteção excessiva da minha amiga, desligo o motor do carro. Após tudo o que aconteceu há três anos, o simples fato de me envolver com outro homem já é quase um ato de coragem. — Te ligo mais tarde, amiga. Vou tentar convencê-lo a almoçar comigo. Quero comemorar esses seis meses juntos. — Bem, boa sorte, amiga. Encerro a ligação e respiro fundo antes de
Por um segundo, tudo em mim congela. O coração, a respiração… até a lógica. E ele só me encara, como se estivesse me vendo pela primeira vez.Os traços continuam os mesmos — o maxilar marcado, os olhos azuis intensos, os cabelos escuros perfeitamente alinhados.Mas, ainda assim, Ettore está diferente. Nem sombra do garoto apaixonado que um dia me olhou como se eu fosse o centro do universo.Agora, aos 27 anos, aqueles olhos que já me adoraram me examinam como um executivo, analisando um investimento ruim.Tento não demonstrar o choque que é vê-lo depois de tanto tempo.Fingir calma é tudo o que me resta. Mesmo que, por dentro, o que eu realmente queira seja gritar, chorar, correr.Especialmente depois do dia que estou tendo.— Espero que atrasos não se tornem um hábito, Srta. Montesi — ele diz, num tom grave, impassível.Meus lábios se entreabrem sem querer. Depois de tudo que vivemos, ele vai me tratar assim? Tão frio? Tão formal?— Ettore… — sussurro, odiando o jeito frágil como min
As palavras saem de mim como uma rendição, como a sentença de algo que jamais escolheria. Ettore se vira lentamente, e, apesar de seu rosto parecer calmo, seus olhos o entregam. Ele está saboreando cada segundo disso.— Excelente escolha, Srta. Montesi — ele diz, com a voz controlada, quase indiferente.Enquanto ele se aproxima, meu pai solta um suspiro aliviado ao meu lado. Satisfeito por finalmente me quebrar para satisfazer seu desejo.— Ótimo, podemos voltar à sala e finalizar…— Na verdade, Sr. Montesi — Ettore o interrompe —, acho que agora é uma questão entre minha filha e eu. Meu advogado nos espera para finalizar o contrato.— Entendo, mas como presidente da Montesi, eu deveria…— Os documentos referentes à empresa serão enviados ao seu departamento jurídico ainda hoje — Ettore interrompe novamente, com um tom que não permite argumentos. — Porém, o acordo matrimonial é uma questão privada.— Claro — meu pai finalmente aceita, claramente insatisfeito. — Liz, não me decepcione
“Ettore Bianchi”Observo a lágrima solitária escorrendo pelo rosto de Liz, caindo sobre o contrato recém-assinado. A satisfação me faz sorrir.Passei mais de dois anos ao lado dela. Já a vi chorar antes, claro. Mas é a primeira vez que não sinto o impulso de enxugar suas lágrimas.Há alguns anos, eu teria movido montanhas para evitar sua dor. Hoje, cada gota que cai é uma pequena vingança.— Parabéns, piccola — digo, deixando o apelido sair com um veneno sutil. — Acabamos de dar o primeiro passo para o nosso futuro.Ela finge coçar os olhos antes de levantar o rosto para me encarar. Aqueles mesmos olhos que, um dia, prometeram amor eterno, agora estão vermelhos, vulneráveis. Exatamente como os meus estavam da última vez que nos vimos.Perfeito.— Tudo pronto, Max? — pergunto, me levantando com calma.— Quase — ele responde, estendendo uma pasta para Liz. — Aqui está seu cronograma até o casamento. Provas do vestido, detalhes da cerimônia…Ela apenas assente, sem dizer nada, aceitando
“Liz Montesi” Mal tenho tempo de digerir o corte que Ettore acaba de me dar quando percebo que outro desconforto se aproxima. Isabella Ricci. A queridinha da mãe de Ettore. Alta, elegante, longos cabelos castanhos e um sorriso perfeito, daqueles que só servem para disfarçar o veneno. Isabella sempre representou tudo que Chiara Bianchi julgava ser a escolha ideal para o filho: família influente, comportamento impecável… ótima candidata a esposa perfeita de um herdeiro. — Isabella — Ettore diz com um sorriso educado, mas os olhos continuam frios. — Estou tão feliz em ver você — ela responde, alternando o olhar entre nós dois. — E vejo que não está sozinho. Liz, quanto tempo! — Olá, Isabella — digo com meu melhor sorriso falso. — Você está tão elegante quanto me lembrava. — Obrigada — ela esboça um sorriso que não chega aos olhos, então foca na minha aliança. — Vejo que está noiva. Parabéns. Posso saber quem é o… felizardo? Ettore coloca a mão sobre a minha na mesa, um gesto po