A noite avançava sobre a floresta como um véu espesso. O céu, limpo e escuro, deixava a lua pendurada bem no alto — pálida, silenciosa, quase cúmplice.
Selena caminhava entre as árvores como quem seguia um faro invisível. Não tinha dito nada à Anciã. Só levantou da cama, calçou as botas e saiu. O colar pulsava quente sobre o peito, mas ela dizia a si mesma que era só imaginação. Ainda assim... não conseguia voltar. O ar era diferente naquela parte da floresta. Mais úmido. Mais denso. Como se respirasse. Cada passo a levava mais fundo, mas o medo — se existia — não era o que a fazia hesitar. O que realmente a incomodava era a certeza de que algo a esperava. E mesmo assim, ela não parava. Darian já estava lá. Silencioso. Imóvel. Como uma parte da floresta que havia ganhado forma. Ele não sabia o que diria. Nem se deveria ter vindo. Mas o lobo havia vencido qualquer argumento. Ela estava ali. E mesmo que o momento não fosse certo… precisava vê-la. E então, ela apareceu. Surgiu na clareira como uma visão feita de contraste e luz. A lua tocava seus cabelos loiros como se os abençoasse. A pele clara reluzia sob o manto prateado da noite, quase etérea, como se não pertencesse totalmente a este mundo. Os olhos azuis — intensos, vivos, desconfiados — se moviam com cautela, tentando entender o que os instintos já sabiam. O corpo esbelto, de linhas suaves, parecia frágil à primeira vista... mas carregava algo ancestral escondido sob a pele. Darian prendeu a respiração. Era ela. O lobo rugiu dentro dele, reconhecendo cada curva, cada passo, cada traço como seu. Como se a tivesse esperado por mil anos. Mas ele não se moveu. Porque mesmo querendo tocá-la, antes de tudo... precisava olhar. Precisava gravar. A mulher que, mesmo sem saber, já era dele. Selena entrou na clareira sem saber o motivo, apenas sentindo. O frio tocava seus braços, mas era o calor do colar sobre o peito que incomodava. Ela parou no centro. — Tem alguém aí? O silêncio respondeu por alguns segundos. Até que ele surgiu. Saiu de entre as árvores como quem sempre pertenceu àquele lugar. Nenhum som. Nenhum aviso. Só a presença que se impôs no espaço. Darian. Ela não sabia quem era. Mas soube. Antes mesmo de pensar. Antes mesmo de piscar. O mundo pareceu diminuir ao redor dele. O tempo perdeu o ritmo. E o corpo dela... soube antes de qualquer outra parte. Ele parou a poucos passos. Alto. Ombros largos. A barba por fazer e os olhos cinzentos fixos nela, como se a enxergassem por dentro. — Você é real? — ela perguntou. — Sou. E você também — respondeu ele, com firmeza. — Isso não é resposta. — Mas é verdade. Ela respirou fundo, cruzando os braços. O impulso de fugir guerreava com o impulso de ficar. — Você me seguiu? — Eu senti você. — Isso não melhora as coisas. — Você me chamou. Lembra? — Eu falei sozinha — rebateu. — Não achei que alguém realmente fosse... escutar. — Mas eu escutei. A voz dele parecia arrastar vento e madeira seca. E havia um brilho estranho em seu olhar. Algo entre desejo e reconhecimento. — Tá. Quem é você? — Darian. Ela ergueu uma sobrancelha, impaciente. — E o que você quer comigo? — Entender por que o destino me mandou justo você. Ela soltou uma risada — nervosa, irônica, cética. — Você é maluco. Sério mesmo. Darian não se moveu. Nem piscou. — É o que todos dizem — murmurou. — Até sentirem também. — Quer dizer que eu apareço numa floresta no meio da noite, e você brota do mato dizendo que me esperou sem saber meu nome? — É o que aconteceu. — Isso daria um alerta num aplicativo de namoro. “Cuidado: lobo emocional carente à solta.” — E mesmo assim você não fugiu. Ela abriu a boca pra rebater, mas fechou. Porque... ele tinha razão. Ela estava ali. E não havia dado um passo pra trás. — Meu instinto está enferrujado — disse, mais pra si mesma do que pra ele. — Ele está acordando. Ela fez força pra não desviar o olhar, mas foi em vão. A intensidade dos olhos dele era absurda. Dava vontade de perguntar quem era. Dava vontade de ir embora. Dava vontade de... ficar. — Eu devia estar com medo — falou, num tom baixo. — Está? — Ainda não. — Mas devia — ele disse, a voz arranhando o ar. Ela engoliu seco. — Olha, Darian... se você é uma espécie de lunático místico, encantado por colares brilhantes e frases enigmáticas, acho que a gente precisa redefinir esse encontro. Ele sorriu de leve — e aquele pequeno movimento, tão discreto, pareceu estremecer o chão. — Talvez. Mas, de qualquer forma, o chamado começou. Ela franziu a testa. — Chamado? — Você vai entender. Em breve. Antes que ela pudesse responder, ele se virou. Começou a caminhar de volta para a escuridão entre as árvores. Sem pressa. Sem se esconder. Selena permaneceu na clareira por longos minutos. Parada. Atônita. O corpo ainda reagia. O sangue ainda corria. Mas era a mente... a mente que mais gritava. Ela sabia o que acabara de acontecer. E, pior... sabia que não seria a última vez.