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Capítulo 4 – A Primeira Fronteira

A noite avançava sobre a floresta como um véu espesso. O céu, limpo e escuro, deixava a lua pendurada bem no alto — pálida, silenciosa, quase cúmplice.

Selena caminhava entre as árvores como quem seguia um faro invisível. Não tinha dito nada à Anciã. Só levantou da cama, calçou as botas e saiu. O colar pulsava quente sobre o peito, mas ela dizia a si mesma que era só imaginação.

Ainda assim... não conseguia voltar.

O ar era diferente naquela parte da floresta. Mais úmido. Mais denso. Como se respirasse.

Cada passo a levava mais fundo, mas o medo — se existia — não era o que a fazia hesitar. O que realmente a incomodava era a certeza de que algo a esperava.

E mesmo assim, ela não parava.

Darian já estava lá.

Silencioso. Imóvel.

Como uma parte da floresta que havia ganhado forma.

Ele não sabia o que diria. Nem se deveria ter vindo. Mas o lobo havia vencido qualquer argumento. Ela estava ali. E mesmo que o momento não fosse certo… precisava vê-la.

E então, ela apareceu.

Surgiu na clareira como uma visão feita de contraste e luz. A lua tocava seus cabelos loiros como se os abençoasse. A pele clara reluzia sob o manto prateado da noite, quase etérea, como se não pertencesse totalmente a este mundo.

Os olhos azuis — intensos, vivos, desconfiados — se moviam com cautela, tentando entender o que os instintos já sabiam.

O corpo esbelto, de linhas suaves, parecia frágil à primeira vista... mas carregava algo ancestral escondido sob a pele.

Darian prendeu a respiração.

Era ela.

O lobo rugiu dentro dele, reconhecendo cada curva, cada passo, cada traço como seu. Como se a tivesse esperado por mil anos.

Mas ele não se moveu.

Porque mesmo querendo tocá-la, antes de tudo... precisava olhar. Precisava gravar.

A mulher que, mesmo sem saber, já era dele.

Selena entrou na clareira sem saber o motivo, apenas sentindo. O frio tocava seus braços, mas era o calor do colar sobre o peito que incomodava.

Ela parou no centro.

— Tem alguém aí?

O silêncio respondeu por alguns segundos.

Até que ele surgiu.

Saiu de entre as árvores como quem sempre pertenceu àquele lugar.

Nenhum som. Nenhum aviso.

Só a presença que se impôs no espaço.

Darian.

Ela não sabia quem era. Mas soube.

Antes mesmo de pensar. Antes mesmo de piscar.

O mundo pareceu diminuir ao redor dele. O tempo perdeu o ritmo. E o corpo dela... soube antes de qualquer outra parte.

Ele parou a poucos passos. Alto. Ombros largos. A barba por fazer e os olhos cinzentos fixos nela, como se a enxergassem por dentro.

— Você é real? — ela perguntou.

— Sou. E você também — respondeu ele, com firmeza.

— Isso não é resposta.

— Mas é verdade.

Ela respirou fundo, cruzando os braços. O impulso de fugir guerreava com o impulso de ficar.

— Você me seguiu?

— Eu senti você.

— Isso não melhora as coisas.

— Você me chamou. Lembra?

— Eu falei sozinha — rebateu. — Não achei que alguém realmente fosse... escutar.

— Mas eu escutei.

A voz dele parecia arrastar vento e madeira seca. E havia um brilho estranho em seu olhar. Algo entre desejo e reconhecimento.

— Tá. Quem é você?

— Darian.

Ela ergueu uma sobrancelha, impaciente.

— E o que você quer comigo?

— Entender por que o destino me mandou justo você.

Ela soltou uma risada — nervosa, irônica, cética.

— Você é maluco. Sério mesmo.

Darian não se moveu. Nem piscou.

— É o que todos dizem — murmurou. — Até sentirem também.

— Quer dizer que eu apareço numa floresta no meio da noite, e você brota do mato dizendo que me esperou sem saber meu nome?

— É o que aconteceu.

— Isso daria um alerta num aplicativo de namoro. “Cuidado: lobo emocional carente à solta.”

— E mesmo assim você não fugiu.

Ela abriu a boca pra rebater, mas fechou. Porque... ele tinha razão.

Ela estava ali. E não havia dado um passo pra trás.

— Meu instinto está enferrujado — disse, mais pra si mesma do que pra ele.

— Ele está acordando.

Ela fez força pra não desviar o olhar, mas foi em vão.

A intensidade dos olhos dele era absurda. Dava vontade de perguntar quem era. Dava vontade de ir embora. Dava vontade de... ficar.

— Eu devia estar com medo — falou, num tom baixo.

— Está?

— Ainda não.

— Mas devia — ele disse, a voz arranhando o ar.

Ela engoliu seco.

— Olha, Darian... se você é uma espécie de lunático místico, encantado por colares brilhantes e frases enigmáticas, acho que a gente precisa redefinir esse encontro.

Ele sorriu de leve — e aquele pequeno movimento, tão discreto, pareceu estremecer o chão.

— Talvez. Mas, de qualquer forma, o chamado começou.

Ela franziu a testa.

— Chamado?

— Você vai entender. Em breve.

Antes que ela pudesse responder, ele se virou.

Começou a caminhar de volta para a escuridão entre as árvores. Sem pressa. Sem se esconder.

Selena permaneceu na clareira por longos minutos.

Parada.

Atônita.

O corpo ainda reagia. O sangue ainda corria. Mas era a mente... a mente que mais gritava.

Ela sabia o que acabara de acontecer.

E, pior... sabia que não seria a última vez.

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