A manhã chegou coberta por uma névoa espessa, e Selena acordou com a estranha sensação de que algo — ou alguém — a observava.
Passou as mãos pelo rosto e se sentou na cama de madeira antiga. A janela semicerrada deixava entrar o cheiro úmido da floresta e o som abafado dos pássaros. Tudo ali parecia respirar junto com ela. Ou contra ela. Vestiu um casaco, amarrou o cabelo em um rabo de cavalo frouxo e caminhou até a cozinha. A Anciã já preparava chá, como se não dormisse há dias. — Dormiu bem? — perguntou, sem tirar os olhos das ervas que moía com precisão ancestral. — Não sei. Sonhei com olhos dourados me observando no escuro… e eu sentia medo. Mas não queria correr. Acho que é isso que me assusta mais. A Anciã soltou um som baixo, quase um riso. Ou um aviso. — O lobo já sentiu seu cheiro. Agora ele não vai parar. — Por favor… sem metáforas hoje, tá? Eu só quero caminhar um pouco. Clarear a cabeça. — Cuidado com onde pisa. Nem toda trilha leva pra casa. Selena bufou, pegou uma maçã e saiu pela porta dos fundos. Estava cansada de enigmas, de meias-palavras e da sensação de que todos sabiam mais do que ela. A floresta a envolveu como um sussurro antigo. A luz filtrava-se entre as árvores altas, desenhando padrões no chão úmido. O ar estava frio, cortante, e cada passo fazia o chão ranger sob seus pés. Mas havia ali um tipo de silêncio que parecia conversar com sua alma inquieta. Seguiu até o velho riacho. Sentou-se numa pedra e fechou os olhos por um instante, tentando ignorar o arrepio que subia pelas costas. Foi então que sentiu. Um calor. Um peso invisível no ar. Um instinto que a pele reconhece antes da mente compreender. Abriu os olhos devagar… e o viu. Não era alucinação. Não era sombra. Ele estava ali. Um homem alto, de postura dominante, surgindo entre as árvores com a calma predatória de quem sabe o efeito que causa. Cabelos escuros, o rosto másculo marcado pela intensidade. E os olhos… cinzentos como tempestade prestes a romper o céu. — Quem é você? — Selena perguntou, dando um passo atrás. Darian não respondeu de imediato. Observou cada detalhe dela — a tensão nos ombros, a respiração acelerada, o olhar que oscilava entre o medo e algo mais profundo. — Você sente também, não sente? — ele disse, a voz grave como um trovão abafado. — Sinto… que um estranho está me encarando no meio da floresta, e que eu devia sair correndo. — Mas não correu. — Ainda não decidi se você é real. Darian se aproximou. Cada passo dele parecia fazer o chão vibrar. Selena permaneceu imóvel, embora tudo dentro dela gritasse. O corpo dizia “fique”. A mente berrava “fuja”. — Eu sou real, Selena. E você… é minha. Ela arregalou os olhos. — Me desculpa, o quê? — Não vim pra te assustar. Mas não posso fingir que isso aqui é normal. Você sente também. Aqui. — Ele levou a mão ao peito, como se a dor fosse física. — É como se algo antigo tivesse acabado de acordar. Selena recuou um passo, mas Darian foi mais rápido. Parou diante dela, tão perto que o ar entre os dois parecia eletrificado. — Olha nos meus olhos e diz que não sente — ele desafiou. Ela tentou. Tentou de verdade. Mas ao encarar aqueles olhos cinzentos, tudo o que conseguiu foi perder o fôlego. Algo dentro dela reagia à presença dele — algo profundo, irracional, primal. — Isso não faz sentido — sussurrou. — Ainda vai fazer. Darian ergueu a mão devagar e tocou o rosto dela, com reverência. O polegar percorreu a linha da mandíbula, e Selena estremeceu. O toque era suave, mas carregado de urgência. Como se ele tivesse esperado a vida inteira por aquele momento. — Você não pode… — ela começou, mas a voz falhou. — Eu sei. Mas já foi decidido. Pela Lua. Pelo sangue. Por tudo o que você ainda vai descobrir. Selena não recuou. E isso foi o suficiente. Darian se inclinou e encostou a testa na dela. O gesto era íntimo, protetor… possessivo. Ela fechou os olhos, sentindo o cheiro dele — madeira, terra molhada e algo perigosamente masculino. — Eu voltarei. Porque você é minha. E então, como veio, ele recuou. Um passo. Dois. Desapareceu na névoa, deixando para trás apenas o calor e a confusão. Selena abriu os olhos, sozinha outra vez. Mas nada nela era mais o mesmo. No alto da colina, olhos observavam. Não com ternura. Mas com cálculo. — Então é essa a escolhida… E desceu, pronto para reescrever o destino.