Linhas Tênues

O dia seguinte amanheceu com uma leve garoa e o céu encoberto. Isabela observava pela janela do quarto de hóspedes — agora oficialmente “seu quarto” — enquanto o vapor do café recém-preparado subia da xícara em suas mãos. A noite anterior ainda ecoava em sua mente, não por Thiago, mas por tudo o que Leonardo não disse… e pelo que ele deixou escapar sem perceber.

Vestiu-se com sobriedade e desceu para o café. Encontrou a sala de jantar silenciosa, exceto pela movimentação de Olívia, a governanta, organizando a mesa com precisão militar.

— O senhor Leonardo já saiu? — perguntou Isabela, com um leve franzir de testa.

— Está no escritório. Pediu para não ser incomodado, a não ser por assuntos urgentes — respondeu Olívia, sorrindo com gentileza.

— E eu sou o quê? — murmurou Isabela para si mesma, sentando-se.

A refeição foi solitária. E, por algum motivo que ela não conseguia explicar, isso a incomodou mais do que deveria.


Depois do almoço, entediada, resolveu explorar a mansão com mais atenção. Já havia passado pelos salões principais, mas não conhecia os corredores do segundo andar nem os jardins dos fundos. Era como viver numa prisão de luxo — tudo bonito, silencioso e, ainda assim, desconectado.

Passou por uma porta entreaberta e deu de cara com a biblioteca. Fileiras de livros, uma lareira apagada, poltronas de couro. Havia um cheiro bom de madeira antiga e páginas envelhecidas. Ela percorreu o espaço lentamente, até se deter em um livro de poesias de Drummond.

Quando o abriu, uma folha caiu. Era uma carta dobrada, com uma caligrafia bonita e controlada. Não era romântica nem pessoal, mas carregava peso. Ela leu as primeiras linhas e percebeu que era um bilhete antigo de Beatriz Vasconcellos — dirigido ao próprio filho. Um pedido para que ele voltasse para casa depois de uma briga, com um tom de frustração disfarçada de carinho.

Ia devolver no lugar, quando a voz de Leonardo ecoou atrás dela.

— Está à vontade?

Ela se virou, um tanto sobressaltada.

— A porta estava aberta.

— E a curiosidade também, pelo visto.

Ela estendeu a carta para ele.

— Não li tudo. Mas... parece ter sido um momento difícil.

Leonardo pegou o papel com cuidado. Seu rosto permaneceu impassível, mas seus olhos revelaram algo mais.

— Foi um dos muitos. Minha mãe sempre soube esconder mágoas com frases bem escritas.

Isabela apenas assentiu. Sentou-se numa das poltronas, encarando a lareira vazia.

— Deve ser complicado viver cercado de tanta expectativa.

— Não é expectativa. É controle. O nome da família vem antes de qualquer escolha pessoal. Acredite, não é tão glamouroso quanto parece.

— Então por que continua aqui?

Ele deu um leve sorriso, mas sem alegria.

— Porque, diferente de você, eu não tive a chance de fugir. O casamento foi a saída perfeita... para ambos, não?

Ela o olhou de relance.

— Ainda não sei se foi saída... ou uma nova prisão.

O silêncio que se seguiu era denso, cheio de significados. Mas não era desconfortável. Era o tipo de silêncio que reconhece a dor no outro, mesmo quando ninguém a menciona.

Leonardo guardou a carta no livro e o devolveu à estante.

— Está tudo bem com você? Depois de ontem? — ele perguntou, com o tom mais leve.

— Comigo, sim. Com Thiago... espero que tenha tropeçado em algum tapete caro.

Ele riu, de verdade dessa vez.

— Você é imprevisível.

— Você é impossível.

— Estamos empatados, então.

Ela se levantou.

— Obrigada por me deixar invadir sua biblioteca. E seus segredos.

— Eu não deixei. Mas... você entrou mesmo assim. E eu não me importei.

Ela sorriu de canto.

— Bom… até onde sei, temos uma reunião de aparências com sua tia-avó amanhã, não é? Devo escolher algo discreto ou debochado?

— Escolha algo que não faça minha tia desmaiar. Ou faça, se preferir.

— Não confunda ameaça com presença.

Ele a observou por um instante, sem responder. Depois, apenas assentiu.


Isabela deixou a biblioteca com o coração mais agitado do que gostaria. Ainda estavam distantes — e ela queria que continuassem assim. Mas algo entre eles estava se movimentando. Algo tênue. Algo perigoso.

E isso a assustava mais do que qualquer fantasma do passado.

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