A Farsa sob os Holofotes

No café da manhã, Isabela mal havia provado o suco de laranja quando Leonardo entrou no salão com uma pasta de couro sob o braço e um olhar indecifrável.

— Temos um evento hoje à noite — ele anunciou, sem rodeios. — Coquetel beneficente da Fundação Vasconcellos. Presença obrigatória.

— Ah, ótimo — disse Isabela, empurrando a taça para longe. — Nada como posar de esposa perfeita na frente de ricos entediados.

— Você é boa nisso — ele comentou, e ela não soube se era um elogio ou uma provocação.

— Preciso saber de mais alguma coisa? — ela perguntou, levantando-se.

— Sim. A imprensa estará lá. Fotógrafos, colunistas. Todos querendo ver se nossa união é real ou só mais uma manchete vazia. Se quiser, posso dar instruções para que você apenas sorria e acene.

Ela deu um passo à frente, desafiadora.

— Leonardo… eu sei sorrir, mas não sou um enfeite. Você ainda vai perceber isso.

Ele segurou o olhar dela por um instante. Depois, simplesmente assentiu e saiu da sala.


Horas depois, o salão do Hotel Belmond estava repleto de gente: empresários, políticos, celebridades. Todos bem vestidos, todos fingindo cordialidade. Os flashes das câmeras cortavam o ar como lâminas.

Isabela chegou de braço dado com Leonardo, usando um vestido vinho de cetim que abraçava seu corpo como uma segunda pele. Cabelos presos em um coque baixo, maquiagem impecável. Uma deusa de guerra em campo de desfile.

Os repórteres se alvoroçaram, os flashes pipocaram. Leonardo a conduziu com segurança, a mão em suas costas, firme, quase possessiva. As primeiras poses foram feitas. Sorrisos treinados, olhares medidos.

— Sorria mais — ele sussurrou, ao pé do ouvido. — Estamos casados, lembra?

Ela virou o rosto na direção dele, bem próxima, e respondeu com um sorriso impecável:

— E você devia treinar melhor seu tom de voz. Está soando controlador demais.

Ele soltou um riso abafado. Estavam em sintonia, mesmo brigando.

Durante a recepção, Isabela cumprimentou quem precisava, ouviu elogios disfarçados e sorrisos venenosos. Quando se afastou por um momento para beber água, sentiu a espinha gelar com uma voz familiar atrás de si.

— Eu não podia acreditar quando vi o nome na lista… Isabela?

Ela virou devagar.

Thiago.

O homem que ela deveria ter se casado. O mesmo que a traiu com sua melhor amiga. Estava ali, em carne, osso e pretensão.

— Você… aqui? — ela disse, a voz fria.

Thiago pareceu genuinamente surpreso — ou apenas ensaiado.

— Eu sou fornecedor da fundação Vasconcellos. E… eu não fazia ideia de que ele era Leonardo Vasconcellos.

— Pois é — ela disse, tomando um gole de água. — A vida dá voltas.

— Isabela, eu…

— Não. Não diga nada. Você teve sua chance, Thiago. E jogou fora.

Antes que ele pudesse responder, uma mão firme pousou na cintura dela. Leonardo havia chegado. Seus olhos estavam cravados em Thiago, frios como gelo.

— Algum problema?

Thiago pigarreou.

— Não. Só... reencontrando uma velha amiga.

— Esposa — corrigiu Leonardo, num tom baixo. — E não costumo gostar quando homens do passado da minha esposa se aproximam sem convite.

Thiago recuou meio passo, desconcertado.

— Foi só um cumprimento, nada demais.

— Ainda assim, já acabou — concluiu Leonardo, e tomou Isabela pela mão.

Eles se afastaram em silêncio, até ela puxar o braço de volta.

— Você não precisava agir como se eu fosse sua propriedade.

— E você não precisava deixar que ele se aproximasse tanto — retrucou ele, os olhos faiscando.

— Ele me traiu, Leonardo. Eu não o quero de volta. Nunca mais. Mas isso não te dá o direito de agir como um cão de guarda.

Ele respirou fundo, se aproximando.

— Não é posse, Isabela. É proteção. Você pode não admitir, mas ele te abalou.

Ela piscou devagar. Ele estava certo.

Mas o que mais a perturbava não era Thiago.

Era o jeito como Leonardo a olhava agora. Como se… sentisse algo real.

Ela desviou o olhar, confusa com a onda repentina de calor no peito.

— Só mantenha o papel. Não misture as coisas — ela disse.

— Talvez você esteja fazendo isso por mim — ele respondeu, antes de se afastar.

Ela ficou ali parada por alguns segundos, observando Leonardo desaparecer entre os convidados, elegante e impassível como sempre. Mas Isabela sabia. Sabia que por trás daquele terno impecável e da postura controlada, havia algo mais.

Sentiu o coração bater mais forte. O pior não era Thiago ter reaparecido. O pior era que ela não havia sentido absolutamente nada por ele. Nem raiva, nem mágoa… só indiferença. E isso a assustava. Porque o único homem que havia despertado alguma reação naquela noite… era Leonardo.

Tentando respirar fundo, ela foi até o bar do salão. Pediu uma taça de espumante e se encostou no balcão, encarando seu reflexo no espelho atrás das garrafas. Quem era aquela mulher? Tão composta por fora, tão bagunçada por dentro?

— Você parece que viu um fantasma — disse uma voz ao lado.

Era Beatriz Vasconcellos, elegante como sempre, com um vestido azul-marinho e um colar de pérolas herdado da mãe. Ela segurava uma taça com a mesma delicadeza com que distribuía julgamentos.

Isabela manteve o sorriso firme.

— Não. Apenas reencontrei um erro do passado.

Beatriz arqueou uma sobrancelha.

— Thiago?

— Vejo que as notícias correm rápido por aqui — respondeu, com um tom neutro.

— Ele tem negócios com a fundação. Mas não se preocupe, querida. Ele pode ser útil… porém dispensável.

— Como quase tudo na sua vida, imagino — rebateu Isabela, sem paciência para o cinismo velado da sogra.

Beatriz riu, mas seus olhos estavam frios.

— Gosto de você, Isabela. É menos submissa do que imaginei. Leonardo precisa de alguém assim. Ele nunca foi bom com… conveniências.

— Talvez porque esteja cercado delas.

Por um momento, houve silêncio entre as duas. Então Beatriz se aproximou um pouco mais, como quem vai compartilhar um segredo.

— Meu filho não é um homem fácil. Mas, se quiser um conselho… não lute contra ele o tempo todo. Às vezes, a vulnerabilidade conquista mais do que a força.

— Eu não estou tentando conquistar ninguém, dona Beatriz — respondeu, firme. — Só estou tentando sobreviver.

A mulher sorriu, satisfeita. Como se aquele fosse exatamente o tipo de resposta que esperava ouvir.

— Então talvez você dure mais tempo do que eu pensei.


Quando finalmente reencontrou Leonardo, ele estava na sacada do salão, de frente para a cidade iluminada. Sozinho. As mãos nos bolsos, a expressão distante.

— Fugindo da sua própria festa? — ela perguntou, parando ao lado dele.

— Só estava precisando de ar.

— Achei que você não se abalava com nada.

— Todo mundo tem pontos fracos, Isabela.

Ela observou o perfil dele por um instante. Havia uma tristeza escondida ali. Uma sombra que ela ainda não entendia.

— Quer conversar sobre isso? — ela perguntou, surpreendendo a si mesma.

— Você quer ouvir?

— Não sei. Mas posso tentar.

Ele virou o rosto para ela, e por um momento, o ar pareceu denso demais para ser respirado.

— Obrigado — disse ele, com sinceridade. — Mas esta noite já teve emoção suficiente.

Isabela sorriu de canto.

— Concordo. Vamos só fingir que somos felizes pelo resto da noite?

— Você finge muito bem — ele disse.

Ela ergueu a taça, como em um brinde.

— Eu tive um ótimo professor.

Ele a encarou por mais um segundo… e brindou com ela.

E ali, na varanda de um evento cercado de máscaras e aparências, algo entre os dois começou a mudar — lento, silencioso, mas inevitável.

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