Aparências e Intuições

A mansão Vasconcellos estava ainda mais impecável naquela noite. Toalhas de linho, talheres alinhados como soldados e flores frescas adornando a mesa de jantar. Tudo meticulosamente preparado para receber Dona Úrsula Vasconcellos, a tia-avó de Leonardo. Mulher temida por muitos e respeitada por todos, era o tipo de figura que bastava entrar em um ambiente para o ar mudar.

— Ela sempre exige tudo com perfeição? — Isabela perguntou, ajustando o brinco enquanto se olhava no espelho do corredor.

— Não. Às vezes exige mais — respondeu Leonardo, surgindo ao lado dela. Estava elegante, com um terno escuro impecável e o cabelo levemente desalinhado de propósito. — Ela tem um faro apurado para mentiras. Então, tente parecer... convincente.

— Convincente ou submissa?

— Com ela, às vezes é a mesma coisa.

Isabela revirou os olhos, mas sorriu de canto.

— Perfeito. Estou pronta.


Úrsula chegou pontualmente às 20h, escoltada por um motorista particular e usando um casaco de lã azul-marinho, mesmo com o clima ameno. Tinha cabelos brancos impecavelmente presos num coque e olhos afiados como navalhas. Quando entrou, Leonardo a cumprimentou com um beijo na mão e um sorriso contido.

— Tia. Está linda como sempre.

— Leonardo, você sempre foi um mentiroso educado — respondeu ela, com um toque de humor. Então seus olhos pousaram em Isabela. — E esta deve ser a esposa.

Isabela se aproximou com elegância.

— É um prazer conhecê-la, Dona Úrsula. Ouvi muito sobre a senhora.

— Espero que nem tudo tenha sido verdade — respondeu a mais velha, analisando-a dos pés à cabeça. — Está mais bonita do que eu esperava. E com mais presença. Isso pode ser bom... ou desafiador.

— Gosto de pensar que uma mulher deve ser um pouco dos dois.

Úrsula soltou um leve “hm” e entrou na sala de jantar como se fosse a dona da casa. Isabela trocou um olhar com Leonardo, que apenas arqueou as sobrancelhas, resignado.


Durante o jantar, Úrsula dominava a conversa com histórias longas e observações sutis. Falava de finanças, política, da sociedade paulistana e, eventualmente, fazia perguntas certeiras a Isabela.

— E sua família, minha querida? São do interior, certo?

— Sim. Meu pai era advogado, já falecido. Minha mãe vive no interior ainda, discreta. Não somos uma família de títulos, mas de valores.

Úrsula assentiu, como quem arquiva mentalmente cada resposta.

— E como se conheceram? Você e Leonardo?

Antes que Leonardo respondesse, Isabela sorriu, afiada:

— Foi tudo muito rápido. Um encontro inusitado no momento certo. E o resto... foi impulso, destino e uma boa dose de ousadia.

Úrsula olhou fixamente para ela por alguns segundos. Depois, levou a taça de vinho à boca.

— Interessante. Ouvi dizer que seu ex-noivo causou uma certa comoção no casamento.

Leonardo tossiu discretamente, mas Isabela não se abalou.

— Sim. O caos tem o hábito de acompanhar os fracos quando não sabem perder. Mas eu sou boa em virar a página.

O silêncio que se seguiu foi interrompido apenas pelo som dos talheres. Leonardo olhou para ela com surpresa e, talvez, orgulho. Úrsula soltou uma leve risada, inesperadamente.

— Gosto de você. Tem veneno suficiente para sobreviver entre os Vasconcellos.

— Prefiro pensar que é só antídoto disfarçado — respondeu Isabela, com um sorriso diplomático.


Ao final do jantar, Úrsula pediu café na sala de estar. Sentou-se em uma poltrona, com a postura de uma rainha, e chamou Isabela com um gesto sutil.

— Me acompanhe um instante, querida.

Isabela obedeceu, um pouco curiosa. Leonardo ficou para trás, conversando com Olívia sobre a saída dos convidados.

— Ele ainda não se deu conta, mas você é a melhor jogada que ele já fez — disse Úrsula, sem rodeios.

— Não tenho certeza se ele vê assim.

— Não ainda. Mas vai ver. Só não demore para mostrar que não veio para ser decorativa.

— Eu nunca fui.

Úrsula sorriu, satisfeita.

— Ótimo. Não tolere fraqueza nem sentimentalismos bobos. Com os Vasconcellos, ou você impõe respeito... ou é engolida.

Antes que Isabela pudesse responder, Leonardo entrou na sala novamente.

— Algum segredo feminino sendo trocado aí?

— Apenas conselhos antigos de uma velha bruxa para uma jovem com potencial — respondeu Úrsula.

Quando Úrsula finalmente se despediu, deixando para trás seu perfume caro e sua presença marcante, Isabela soltou um suspiro que nem percebera que estava prendendo.

— Ela sempre é assim? — perguntou, enquanto caminhava ao lado de Leonardo em direção à sala.

— Sim. Mas você se saiu bem. Ela gostou de você.

— Acho que ela gostou do fato de que eu não me encolhi.

Leonardo a olhou de lado.

— Foi uma surpresa agradável. Poucas pessoas enfrentam minha tia sem piscar.

— Eu nunca fui boa em abaixar a cabeça — respondeu Isabela, parando no meio da sala. — E, com todo respeito, Leonardo, não pretendo começar agora.

Ele a encarou, o rosto impassível como sempre, mas havia algo diferente no olhar. Algo atento... quase admirado.

— Ainda bem — disse ele, depois de um silêncio calculado. — Uma mulher como você apagada nesta casa seria um desperdício.

Ela arqueou uma sobrancelha.

— Isso foi um elogio?

— Um raro. Não se acostume.

— Nem quero.

O silêncio entre eles, mais uma vez, foi carregado de significado. Mas, ao contrário das outras vezes, não era desconfortável. Era denso, elétrico. Quase... íntimo.

Isabela desviou o olhar primeiro.

— Eu vou subir. Obrigada pelo jantar.

— Agradeça à Olívia. Eu só fiz parte do teatro.

Ela parou no primeiro degrau da escada e se virou.

— Sabe, às vezes eu me pergunto se você já parou pra pensar que não estamos mais apenas encenando.

Leonardo ficou imóvel por um momento. Depois, respondeu com uma calma calculada:

— E você, Isabela? Já parou pra pensar que, talvez, encenar seja mais seguro do que admitir o que está começando a acontecer?

Ela sentiu o peito apertar, mas não demonstrou. Sorriu, seca.

— Boa noite, Leonardo.

E subiu sem olhar para trás.


No quarto, já sozinha, soltou o ar em um longo suspiro. O vestido, os saltos, a maquiagem... tudo parecia pesar mais do que antes. Sentou-se na beira da cama e olhou para o próprio reflexo no espelho.

O casamento começou como uma forma de calar os outros. De não parecer fraca. Mas agora... agora estava se tornando um campo minado de sentimentos que ela não queria nomear.

Leonardo era complexo, silencioso, duro. Mas ela já começava a reconhecer os sinais de dor escondida. E isso a atingia mais do que gostaria de admitir.

No andar de baixo, Leonardo servia-se de um conhaque, sozinho. O eco das palavras dela ainda soava em sua mente.

“Você já parou pra pensar que não estamos mais apenas encenando?”

Ele bebeu devagar, os olhos fixos no fogo da lareira.

Talvez ela tivesse razão. E isso, de todas as coisas, era o que mais o assustava.

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