Capítulo III

“Era loucura".

Não teria outra explicação, pensou Ian.

Desde que conheceu a jovem empregada na biblioteca, pegava-se espiando-a pela casa. Regozijava de prazer ao vê-la pelos cantos com os livros que lhe dera na mão. Adorava observá-la colhendo as flores do jardim para montar os vasos... E, principalmente, amava a maneira como ela cheirava suas camisas quando ia lavar.       

Cada movimento de Mairi entrava em sua mente e não saía mais de lá. O problema é que este sentimento estranho e desconhecido para ele também poderia lhe trazer problemas. A moça era somente uma empregada, e Ian, um Lord inglês. Logo teria que se casar com alguma moça de família importante e continuar a manter o bom nome dos McGreggor.

— No que está pensando, Ian?

Olhou para o homem sentado na poltrona. Allan Hatton era seu melhor amigo. Os dois haviam estudado juntos em Londres, e sempre se deram bem. Eram cúmplices das facetas da mocidade. Ajudavam-se mutuamente, e ele estava lá quando daquela desgraça no dia do seu casamento, dando-lhe todo o apoio. Além disso, Allan era um grande advogado, e cuidava dos negócios de Ian.

— Não estou pensando em nada, Allan. – Ian sentou-se na poltrona à frente da de Allan.

O amigo sorriu.

— Ah, conheço esse olhar de peixe morto...

— Por favor, Allan. Não me venha com piadinhas! O momento é serio!

— Sim, eu sei.

Allan mexeu nos papéis que tinha na mesinha.

— Estou preocupado com você, Ian. Infelizmente, existem provas contra você. Algumas testemunhas viram você subindo pro quarto momentos antes da morte de Lady Eleanor.

— Era nossa noite de núpcias! É claro que eu deveria ir até o quarto! Além disso, não fui eu que a matei. E porque roubaria aquele colar horroroso que minha mãe me fez dar àquela mulher?

— Eu sei que não faria isso, meu amigo. E, por favor, tente ser mais saudoso em falar de Eleanor. Num tribunal, chamar sua falecida noiva de "aquela mulher" pode lhe comprometer.

— Nós dois sabemos que ela tinha um amante. E também sabemos que eu nem me importava. Detestava-a. Era insuportável. Só se preocupava com roupas e futilidades. Achava estranho eu gostar de literatura... Aliás, sempre me olhou como se eu fosse um mostro.

— Não podemos culpá-la, seu feioso.

Ian o olhou feio. O amigo loiro adorava vir com brincadeiras nos momentos mais impróprios.

— Veja o que pode fazer por mim, Allan.

— Farei o que puder Ian. Não se preocupe.

— Não estou preocupado. – Disse, levantando-se e indo até a janela. De lá via Mairi sentada embaixo da sombra de uma árvore, lendo um livro. – A justiça sempre prevalece. E tenho certeza que a verdade aparecerá.

Allan juntou-se ao amigo.

— Ora... Que bonitinha sua empregada – observou, malicioso.

Conhecendo Allan tão bem quanto conhecia, sabia que o amigo lhe estava provocando.

Chama-se Mairi – contou.

— Que lindo nome.

— Sim... é uma moça especial. Muito doce e...

— ...E bem diferente de Eleanor – completou o loiro.

Ian ergueu as sobrancelhas.

— Nem a compare a Eleanor. Mairi é apenas uma menina humilde. Eleanor era uma Lady.

Apesar das palavras serem pronunciadas num tom calmo, Allan captou algo na voz de Ian que o preocupou.

— Por favor, Ian. Não vá me seduzir a moça.

Conhecendo o talento de Allan para defender os fracos e oprimidos, Ian apenas sorriu.

— Não se preocupe. Quero-a apenas como amiga.

— Que assim seja.

Quando Allan foi embora, Ian não resistiu e acabou juntando-se a Mairi no lago. Ela estava linda, apesar das vestes velhas e da toca horrorosa que não permitia que Ian visse seus cabelos. Como seriam? Loiros, negros... Ian não fazia ideia!

Talvez pudesse dar-lhe roupas novas... Vestidos lindos de seda... Não! Deste jeito, acabaria com a reputação da moça. Alguns empregados já haviam comentado sobre o evento da cozinha.

— O que achou do livro, Mairi?

Lord Ian!

Ela havia se assustado. Não percebera a chegada dele. Que homem enigmático! Assustava e tranquilizava ao mesmo tempo.

— Gostei muito, milord.

Estava sentada sobre o gramado. Ian pensou que nunca em toda a sua vida havia visto visão mais linda e pura. Como era diferente das mulheres que ele conhecia. Nenhuma outra se sentaria em um jardim para ler um livro. Mas Mairi não parecia se importar.

— Está pensando nela?

Ele olhou-a assustado. Percebeu seu olhar triste, mas não entendeu a pergunta.

— Como?

— Percebi que estava voando em seus pensamentos –murmurou. —  Oh... Desculpe-me. Não queria ser inconveniente.

Ele sorriu.

— Somos amigos, Mairi. Isso não existe entre nós... Mas quem seria "ela"?

Ela abaixou os olhos e ficou enrubescida.

— Ora... Lady Eleanor.

Sentiu vontade de rir. Reconheceu o ciúme no tom de voz, e se sentiu recompensado. Mas logo se arrependeu. Provavelmente a serva estava gostando dele. Isso não poderia acontecer, porque não poderia dar esperanças a uma reles serviçal.

Mas, entretanto, Mairi não era uma simples empregada. Era aquela que animava seus dias. Que lhe arrumava o café da manhã da maneira que gostava. Que ajeitava suas roupas, limpava seus livros com carinho e colocava talco em sua cama para que quando ele fosse dormir, sentisse o perfume.

Mas não era o perfume do talco que ele queria sentir. Ela o dela. Sem conseguir evitar o pensamento, acabou levando-se ao próprio quarto e vendo Mairi deitada em sua cama, com longos cabelos espalhados em seu travesseiro, e o corpo nu escondendo-se em seus lençóis.

— Mairi...

Ela levantou os olhos. Seu nome foi dito quase como um gemido.

— Senhor?

— Não estava pensando em Eleanor – respondeu sua pergunta. —  Na verdade, nunca pensei nela. Em nenhum momento da vida... Pelo menos, não da maneira que penso em você.

Ela o olhava, confusa. Ian acabou irritando-se com a própria fraqueza e com a confissão.

— Está chocada?

Mairi não sabia o que dizer. Não entendera as palavras dele antes, e agora ele parecia seriamente raivoso.

— Com o que, senhor?

— Com o fato de eu não ligar a mínima pra minha ex-noiva? Por eu ter passado o noivado todo querendo que ela morresse? Detestava aquela mulher. Imaginava que horrível seria minha vida ao lado de uma vagabunda como ela.

Mairi ficou nervosa. Parecia que iria pular nela. A mudança do rapaz calmo que se achegou a ela naquela tarde para conversar, para o homem frio que a encarava e dizia aquelas coisas terríveis era muito radical. Seria possível que Ian tivesse realmente matado Lady Eleanor, como todos na cidade falavam?

— Não sou um santo, Mairi. Não sou perfeito.

— Não! – Não respondeu a ele... e sim aos próprios pensamentos.

— Não? Não o quê? – Segurou-a pelos braços, não conseguindo se conter mais.

A empregada estava quase às lágrimas. Como uma linda tarde poderia acabar daquela maneira?

— Desde o dia em que nos conhecemos, Milord me trata com respeito, como se eu fosse uma igual, e não apenas uma mulher e serviçal. Todos sempre gritaram comigo, e me trataram mal pelo fato de eu não ter família e ser pobre... Mas o senhor sempre me tratou bem, como poderia achar que não é perfeito?

Ele soltou seus braços. Passou as mãos pelos cabelos negros e os olhos intensos encontraram os dela.

— Você é muito pura Mairi. Pura... Ingênua...

— O senhor é um bom homem!

Ian quase riu com aquela afirmativa. Ela acreditava nele de uma maneira que nem mesmo ele próprio nunca acreditara.

Sem conseguir resistir, ele segurou seus cabelos e uniu sua boca a dela. Desejara este beijo desde o primeiro dia que a viu, naquela biblioteca. Havia pensado nisso todas as noites antes de dormir e durante as conversas na mesa, no café da manhã, e em todos os momentos que se perdia naqueles olhos azuis.

O gosto dela era inebriante e a sensação daquele corpo perfeito contra o seu era ainda mais excitante do que qualquer outro momento amoroso que ele já havia passado. Inclinou a cabeça para beijá-la melhor e percebeu que os braços dela deslizaram pelo seu peito. Quando aquelas pequeninas mãos se enterraram nos cabelos dele, Ian perdeu a razão, só sabia que uma fome louca tomou conta de si.

Suas línguas dançavam e os corpos se apertavam. Deus! Ele a amava! Havia sido amor à primeira vista! Nunca gestos tão inocentes de uma mulher haviam mexido tanto com sua libido.

Percebeu que aquele beijo não bastaria, mas já era insensatez demais para um dia. Lutando contra o próprio corpo, separou as bocas e afastou-se um passo. Percebeu quando os olhos azuis se abriram, com a dúvida lá, presente.

— Sei que deveria me desculpar – disse –, mas não vou... Porque não consigo ver erro na minha atitude. Acho que estou ficando louco Mairi... E você é a culpada.

— Perdoe-me.

— Não – falou, gentilmente. – Se continuarmos a conversar agora, trarei vergonha sobre você. Sou um homem...

— E eu, uma mulher... – ela retrucou.

A resposta felina o satisfez.

— Meu amor... Você anda lendo muito os livros do Sr. Scott.

Ela sorriu.

— Não sou herói e bom como Wilfred, Mairi.

— Não... Você é melhor que ele.

Durante o beijo, Mairi finalmente entendeu o que sentia Rowenna de Ivanhoé. Agora ela sabia o que era o amor... E o que sentia por Ian. Percebeu o motivo de seu coração bater tão forte quando o via. Soube porque se preocupava com ele, e também porque queria tanto vê-lo feliz. Mas também sabia que jamais ficariam juntos. Ela não passava de uma empregada...

— É impossível – murmurou.

O tempo pareceu parar para eles. Encararam-se por algum tempo, até ela tomar a coragem.

— Continuar esta amizade será o mesmo que alimentar todos os dias o que sentimos um pelo outro. Nunca poderemos ficar juntos. E sei que morreria ao ver Milord com outra mulher. Então... o melhor é darmos um fim agora...

— Acha possível?

— Não sei... Nunca amei antes.

Aquela confissão tão docemente feita arrasou o coração do duque. Quando Mairi deu-lhe as costas e caminhou em direção à ala dos empregados, o rapaz sabia que o sensato era colocar um ponto final ali. A mandaria para a fazenda em Rievaulx. No castelo, dera ordens para que Mairi não trabalhasse mais tanto quanto antes. Ela poderia ser governanta na fazenda e não mais ficaria se desgastando nas atividades domésticas. Ganharia seu salário e até poderia se casar com algum peão. E ele nunca mais a veria. Isso! Era isso que ele faria.

O problema de tudo foi que as pernas não obedeceram à mente, e antes que ela entrasse no castelo ele lhe segurou o braço e puxou-a contra si.

— Você confia em mim?—  Perguntou desesperado.

— Mais que na minha própria vida.

Ele sorriu.

— Prometo— lhe, Mairi... Darei um jeito de ficarmos juntos.

Nenhuma palavra mais precisava ser dita para inundá-la de felicidade.

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