Capítulo IV

Dorothea viu a cena que se passava no jardim com uma raiva crescente em seu coração. Fechou a mão com tanta força que sentiu as unhas machucando a palma.

— O que houve, minha querida?

A mãe de Ian voltou-se a senhora elegante que tomava chá em sua sala particular.

— Não aconteceu nada, Vitória. Estava apenas admirando o campo lá fora.

A mulher loira fez um sinal de desagrado enquanto a outra afastava-se da janela e sentava-se à sua frente.

— Ora Dorothea. Perdendo tempo com essas coisas fúteis, enquanto temos tantas coisas importantes a que pensar – dito isso, fez um sinal com a cabeça em direção a uma jovem sentada a seu lado. – Minha amada filha está na idade de se casar. E sabe bem quem quero pra genro, não, querida?

Dorothea pousou seus olhos sobre a bela moça, loira como a mãe, que, elegantemente vestida, tomava o chá como alguém da realeza.

— Tem meu total apoio. Mas a morte de Eleanor ainda assombra estes corredores.

— Ian é jovem e precisa de uma nova esposa para aplacar seu coração triste. E ninguém melhor que minha pequena Annie para um rapaz tão poderoso.

Dorothea remexeu-se no sofá de camurça.

— Sabe o que falam de meu filho pela cidade, não sabe?

— É claro que sei. E não sou idiota! Mas tenho consciência que ele é acusado injustamente pela morte de Eleanor.

A mãe de Ian pareceu incomodada. Falar sobre este assunto sempre a assustava.

— Eleanor era a moça mais linda de toda York... Mas nunca mereceu meu Ian. Pena que só reparei nisso tarde demais – disse, seca. – No entanto, é claro que Annie é diferente – completou sorrindo.

A conversa continuou cheia de futilidades e, à tarde, antes de Vitória ir embora, Dorothea já arquitetava uma maneira de tirar a empregada do caminho de Ian.

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Allan Hatton entrou no seu escritório, na esquina da Rua Rivelx, segurando uma pasta embaixo do sobretudo que usava para fugir do crescente frio. Passou as mãos sobre os cabelos molhados pela neblina e murmurou alguma blasfêmia contra o maldito frio.

— Demorou...

O jovem loiro tomou um susto ao ver Ian sentado numa cadeira em frente a sua mesa, com um ar desgastado e cansado.

— Não sabia que estava em Londres.

O outro se levantou, e eles cumprimentaram-se.

— Desde sua última vinda em minha casa fiquei pensando no que poderia fazer para provar minha inocência pela morte de Eleanor.

— E chegou a alguma conclusão?

— Não... Mas estou desesperado. Achei que poderia suportar esta indiferença e desconfiança de toda a cidade, mas não pensei na minha mãe. Deste a visita de Vitória Webster, há uma semana, ninguém mais foi vê— la. Você a conhece! Ela se sente uma rainha abandonada, e está entrando num estado crítico, sentindo-se rejeitada.

— Realmente Ian... Lamentável essa situação.

— Na verdade, ela também anda insuportável, mas consegui evitar que descontasse isso nos empregados. Ninguém tem nada a ver com nossos problemas.

— Você sempre pensando nos pobres e feridos. É um verdadeiro herói.

A ironia foi clara, mas também bem vinda. O humor de Allan era um alívio naqueles dias infernais. Os jornais criaram uma história de "Romeu e Julieta" sobre Eleanor e as pessoas ficaram encantadas. Todos achavam que aquela linda moça loira fora obrigada a um casamento sem amor e que quando se recusou ao marido na noite de núpcias, ele a matou. Eram tão convincentes que a sociedade já pressionava a justiça para a prisão de Ian McGreggor.

As únicas coisas boas daquela última semana eram os beijos roubados pelas sombras do castelo. A boca de Mairi era água fresca no deserto de vida de Ian. Os dois escondiam-se pelo bosque à noite, e conversavam sobre os mais diferentes assuntos, e principalmente sobre o amor que nascia e crescia cada dia mais.

Era um sentimento impossível, Ian tinha esta consciência. Mas já não vivia mais sem a sua Mairi. O desejo de fazer amor com ela o corroía, mas não a tomou. Preferiu partir para Londres antes que fosse tarde demais. Precisava oferecer mais que sexo àquela jovem. Ela era muito especial.

Então soube que a família de Eleanor tomava providências e a polícia já estava desesperada sem ter a solução do crime. O mais óbvio seria a conclusão pela sua culpa: prenderiam Ian pelo assassinato da mais bela mulher que já viveu em York.

— Como anda o caso, Allan? Tem novidades?

— As coisas andam difíceis, Ian. Gostaria de ter boas notícias, mas sejamos francos. O casamento aconteceu. Eleanor subiu para o quarto para se arrumar para você. Você subiu logo depois. E, num curto intervalo de tempo, ouviu-se um grito e todos encontram seu corpo atirado no concreto.

— Inferno! —  Vociferou Ian. – Se eu tivesse chegado um pouco antes ao quarto, poderia ter pegado o assassino. Mas estava tão desconsolado com este casamento que fui atrasando minha entrada.

— O caso é o seguinte: encontramos a joia, encontramos quem matou Eleanor.

— É como procurar agulha no palheiro.

Allan suspirou.

— Não me desanime, Ian.

O jovem advogado levantou-se e serviu café para si e para o companheiro.

— E então? Conte-me como vai aquela garota de nome musical.

— Nome musical?

— Ora, você entendeu.

Ian tomou um gole do café.

— Allan. Eu preciso lhe contar uma coisa.

— É sério?

— Muitíssimo.

O loiro sentou-se novamente à frente do amigo.

— Fale.

— É sobre Mairi.

— Sim...

— Bom, desde meu retorno a York, tornamo-nos amigos. Ela é muito inteligente. Falamos de literatura... Mairi ama Scott e seus livros.

— Essa descrição para me convencer que ela é a mais maravilhosa mulher que já pisou sobre a Terra é somente para dizer que a ama?

— Como sabe?

— Não sou tolo. Está escrito nos seus olhos. Nunca lhe vi assim. Só espero que não faça a moça sofrer.

— Casar com ela seria que o mesmo que dar uma pistola a minha mãe para que a mesma atire na sua própria cabeça.

— Ah, não duvido que Lady Dorothea vá odiar a mais nova nora. Mas não permita que isso interfira na sua felicidade. Sabe quantas pessoas passam a vida procurando alguém para nunca encontrar? Você é muito rico, não precisa se casar por dinheiro.

Ian sentiu certa amargura na voz de Allan, mas não prosseguiu no assunto. Era estranho, mas sentia que estaria enganando o amigo se não contasse sobre Mairi. Os dois mantinham um código de honra que não permitia que um deles possuísse algum segredo sem que o outro soubesse.

Já no castelo dos McGreggor as coisas não andavam bem para a jovem empregada. Assim que Ian viajou, Dorothea começou a atacar a moça com as mais diversas artimanhas. Mesmo assim, Mairi teve forças para não revidar. Ouvia tudo quieta, tentando acreditar no amor de Lord Ian.

— Mairi!

O grito lhe causou arrepios. Pegou o bule com o chá e levou até a sala onde estava Milady. Sem imaginar o que lhe esperava, a moça foi servir a patroa, remoendo em medo.

— Você demorou, inútil! Não se fazem mais empregados como antigamente. Já lhe disse que não gosto de esperar.

— Perdão, Senhora, mas o chá não estava pronto.

— Eu lhe perguntei algo? Sirva meu chá e não fale comigo —  e, numa raiva crescente, Dorothea levantou— se e caminhou em direção a Mairi. –Você é uma ratinha que se esgueira por este castelo, uma vermezinha que não tem valor nenhum. Portanto, nunca mais fale comigo.

Mairi previu que seria agredida fisicamente por Dorothea quando James entrou na sala, interrompendo a cena.

— Lady Annie chegou – anunciou.

O aviso do mordomo fez com que uma luz inundasse os olhos de Dorothea, que rapidamente se afastou de Mairi.

Logo depois, uma jovem loira, de olhos castanhos e um corpo perfeito, entrou na sala. Parecia um anjo pisando em nuvens. Vestia um vestido de última moda, num veludo verde escuro. O intenso frio do inverno inglês não parecia lhe afetar, pois as bochechas transmitiam uma saúde incrível. Mairi imaginou se, tendo nascido numa boa família e podendo vestir-se daquela maneira, também seria tão bonita.

— Bom dia, milady Dorothea.

A voz dela era suave. Annie lembrava Eleanor, se bem que a última tivesse uma sensualidade que nesta não existia.

— Bom dia, minha querida —  respondeu Dorothea, segurando as mãos da jovem entre as suas.

De repente, como se lembrando de algo, virou-se em direção a Mairi, dizendo:

— Mairi, traga chá para Annie. E traga a melhor porcelana. Vá se acostumando em tratar Annie Webster como uma rainha, pois ela será a futura esposa de meu filho.

Foi uma punhalada brutal. A empregada sabia que seu amor pelo lord era algo impossível. No máximo, seria sua amante. E isso ela não podia aceitar. O pouco que aprendera sobre Deus com o reverendo que a ensinou a ler fê-la compreender que jamais poderia viver tal situação.

— Quando será o casamento? – Questionou, usando toda a coragem que nunca imaginou possuir.

Sem demonstrar surpresa com a audácia da empregada, Dorothea respondeu:

— Daqui a dois meses. Ian foi a Londres organizar tudo.

A serva tentou não acreditar naquelas palavras, mas sem sucesso. Ian havia partido alguns dias antes para Londres e não lhe contara o motivo, dizendo que não queria aborrecê-la com os seus problemas. Abaixando a cabeça, engoliu as lágrimas e saiu da sala. Precisava esquecer Ian. Precisava, ou ele seria sua desgraça.

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