Capítulo II

“O castelo continua frio e escuro", pensou Ian, ao caminhar pelos corredores.

O jovem moreno se sentiu aliviado quando saiu dali, ainda criança, para estudar em Londres. Aquele lugar provocava nele calafrios. Era fantasmagórico, e poderia fazer mesmo um homem forte como Ian se tornar uma criança, vendo vultos em todos os lugares.

Não! Não era mais um menino, e sim um homem de quase trinta anos. Um homem que tinha vivido as mais diversas experiências, e aprendido que sonhos de criança não são realidade. Além do mais, deixou de ser criança antes da hora. A capital não era um lugar próprio para alguém ingênuo do interior. Aprendeu as lições lá ensinadas. Hoje não confiava em ninguém. Sabia que todas as pessoas sempre tinham uma segunda intenção, e estava preparado para enfrentar os mais diferentes ataques.

Ainda jovem, frequentou muitos eventos na capital, sendo convidado para os mais diversos motivos, principalmente pelas mães casamenteiras, que sempre desejavam ver um duque desposando suas queridas filhas. Mas, excetuando-se algum romance ardente e sem compromisso com mulheres da vida, nunca se envolveu com ninguém. Respeitava Eleanor e a escolha de sua mãe, mesmo sem conhecer a noiva.

Aliás, conhecia-a. No entanto, apenas se lembrava dos lindos olhos azuis, dos cachos dourados que cascateavam pelas costas, e das bochechas rosadas e gordinhas. A última vez que a viu antes da festa de noivado, ela não tinha mais que sete anos.

Quando retornou a York, vê-la não foi de todo desagradável. Eleanor se transformara na mulher mais linda da cidade. Inteligente, culta... A esposa perfeita. Foi quase cômico notar que a perfeição acabou quando seu melhor amigo lhe confidenciara, balbuciando nervoso, que seu anjo de candura na verdade era um demônio. Eleanor tinha um caso com um jovem, filho de um comerciante pobre. Ian o vira apenas uma vez. Era bonito, mas sabia que poderia fazer Eleanor o esquecer. Se assim ele o quisesse...

O problema é que ele não queria!

Estranhamente, a mulher perfeita a quaisquer olhares masculinos não provocara nele qualquer reação. Passar o resto da vida ao lado dela, vendo-a apenas falar em roupas e joias parecia tão fútil e desconfortável que ele se sentia doente só de pensar.

— Você sempre quis o impossível! Não existe uma mulher neste mundo que ache interessante ficar com um livro entre as mãos, sonhando com aventuras de personagens fictícios. Nossa natureza faz com que nos sintamos atraídas por joias, bailes... Estas coisas que você tanto gosta são típicas dos homens – dissera-lhe a mãe ao ouvi-lo contar por que não gostaria de se casar com Eleanor.

Notando que a mãe tinha razão, ele simplesmente esqueceu o desejo de buscar um grande amor e aquiesceu sobre o noivado.

A festa de núpcias se realizou algum tempo depois. O colar dado a ela (que agora se encontrava nas mãos do ladrão e assassino que a matou) foi o único gesto que Ian fez para demonstrar sentimentos que na verdade não sentia. Este mesmo colar figurava no pescoço de alguma antepassada de Ian, pintada no retrato à sua direita, no corredor.

Lord...

Ele virou-se, e sorriu. Mairi ajeitava a touca bege com as mãos sempre nervosas.

— O senhor deseja alguma coisa? Estava passando no corredor e o vi olhando tão estranhamente para a Milady do retrato.

Teve vontade de rir. Aquela menina deveria achar que ele era maluco. De repente uma ideia mais louca ainda passou pela sua cabeça.

— Eu desejo algo, Mairi...

— O quê?

Estranhamente, a palavra "você" dançou em seus lábios. Loucura! Ian estava infectado com aquele castelo horrível. Ela era sua empregada, uma moça inocente. Ele jamais usaria uma jovem como aquela. Ainda tinha caráter.

— Senhor...

— Quero sua amizade, Mairi... Pode me dar isso?

Ela arregalou os olhos, mal acreditando nos seus ouvidos.

— Sim, Milord, mas tem certeza que deseja isso? Sou apenas uma serva. Com certeza Milord tem muitos amigos no seu próprio nível social.

Ian quase gargalhou. Como era ingênua se pensava que dentro da perversidade e falsidade da sociedade inglesa poderia haver amizade... Bom, na verdade havia.

— Tenho um amigo. Quase um irmão. Ele se chama Allan. É de Londres, e está vindo à cidade me ajudar a resolver um problema. Mas só tenho a ele... Preciso de alguém como você.

A moça sentiu-se tocada, mas tentou não levar as palavras dele muito a sério. O homem era um duque, e ela, um nada. Talvez a tristeza que estivesse passando o fizesse dizer aquelas palavras, mas a empregada não poderia levá-las em conta, para não sofrer...

— Serei sua amiga, Milord. O que precisar de mim é só pedir.

— Só quero alguém como você para conversar.

— Estarei sempre aqui.

Aquilo ecoou nos ouvidos dele. Nunca teve ninguém sempre disponível. Uma amizade pura, sem preconceitos e exigências. Nunca tivera um relacionamento assim também. Apesar de todo carinho que tinha por Allan, Ian nunca se sentiu completo com alguém. E aquela menina pobre fazia ele se sentir daquela maneira, mesmo tendo-a conhecido há poucos dias.

Mairi fez uma reverência e se afastou. Ele ficou olhando— a de costas.

Os cabelos dela! Que obsessão. Gostaria muito de saber a cor das madeixas. O formato. Se eram lisos ou ondulados. Mas aquela touca não deixava um fio à mostra. Deviam ser lindos. Como os olhos eram azuis, os cabelos deveriam ser loiros, porque poucas mulheres tinham cabelos escuros com olhos claros. E a sobrancelha era tão fina que não poderia definir a cor.

Bobagem pensar nisso. Jamais veria seus cabelos. O que importava era sua promessa, de sempre estar ali, ao lado dele. Dele! Mas, e quando se casasse? Como estaria sempre disponível para um amigo com um marido para cuidar... ou filhos? Uma estranha sensação de posse tomou conta de seu íntimo ao imaginá-la segurando uma criança de outro homem... Outro homem a possuindo...

Bateu o punho fechado no próprio maxilar. Agora não tinha mais dúvidas, estava endoidando.

— Ian...

Virou— se em direção à bela mulher que, na faixa dos seus quarenta anos, ainda mantinha um rosto perfeito.

— Sim, minha mãe?

— Com quem estava conversando?

— Com Mairi.

— Com quem?

Engraçado que a menina trabalhava para eles desde criança, mas sua mãe não havia lhe guardado o nome. Às vezes, Ian sentia raiva de sua própria família e poder social.

— A moça que faz a limpeza.

— Você falava com uma serva? Essa gente está perdendo o respeito e não reconhece mais sua posição? Irei falar com Perpétua para tomar providências e colocar a moça no seu devido lugar.

Uma raiva descomunal se apoderou de Ian.

— Não fará isso não! O dono da casa sou eu! Falo com quem quiser, e continuarei a ser eu que recriminarei ou não os meus empregados!

Dorothea não esperava aquela reação do seu pequeno Ian, e se surpreendeu com a atitude dele. Mas, como toda Lady, não perdeu a compostura e apenas curvou a fronte, afastando-se.

Uma semana se passou. Mairi ia todos os dias levar chá a Ian, e sempre conversavam sobre a vida no castelo e sobre literatura. Tinham uma estranha relação, falando às vezes apenas com o olhar. Era como se duas pessoas, tão distantes socialmente, pudessem estar próximas pela própria alma.

Era inimaginável para Ian que o mesmo tivesse um relacionamento daqueles com uma empregada. Sempre pensara viver aquilo com sua esposa, por certo. Mas admitia que nunca se sentiu tão bem ao lado de uma mulher, mesmo sem ter um relacionamento íntimo com ela.

Já Mairi estava apaixonada pelos olhos, pela voz do seu Lord... Ele era seu Wilfred, que mesmo não podendo amá-la, tratava-a com carinho, e viera dos distantes mundos dos livros para dar à vida dela um pouco de emoção.

Porém, aquela relação não parecia tão pura às demais pessoas da residência. Na hora do chá da tarde, quando Mairi chegou com a bandeja à sala particular de Dorothea, a moça começou a servir a mulher mais velha. Parou instantaneamente quando sentiu que o leque bateu em suas mãos, e derramou um pouco do líquido na toalha.

— Olha o que você fez, sua estúpida! – Gritou a Lady, dando um tapa no rosto de Mairi.

O choque de ter sido agredida foi imenso. Lady Dorothea mal falava com ela, e nunca a havia agredido antes. Este papel sempre fora desempenhado por Perpétua.

— Perdão, Senhora – sussurrou.

Tentando se recuperar, ela pegou o pano que se encontrava em seu avental e passou sobre a toalha. Os olhos marejados pelas lágrimas e a garganta apertada, deu a impressão de que iria chorar. Mas ela lutou bravamente para manter a dignidade perante a mulher.

Quando Mairi estava terminando o seu trabalho, Dorothea começou a falar.

— Escute bem, sua vermezinha! Não gosto que fale com o meu filho. Um escândalo de Ian engravidando uma empregadinha é tudo que eu não preciso agora.

— Como é que é, mãe?

Dorothea enrubesceu ao ver o filho entrando pela porta. Mas não perdeu a compostura.

— Eu já lhe disse que sou eu quem decide com quem falo ou deixo de falar.

— Estou defendendo seus interesses. Está nervoso pela morte de Eleanor, mas logo irá se recuperar e vai me agradecer.

Ian olhou para Mairi e percebeu que ela mantinha os olhos abaixados, mas a respiração entrecortada demonstrava que ela estava quase chorando. Sentiu-se penalizado pela dor daquela menina. A sua menina que adorava seus livros e que era a única pessoa naquele lugar por quem ele demonstrava o mínimo de carinho. Colocou uma de suas mãos nos ombros dela, e disse baixo:

— Pode sair, Mairi.

Quando ela já havia deixado o quarto, foi firme em falar:

— Mãe, se insistir em desobedecer minhas ordens novamente, pagará muito caro.

Dorothea não se amedrontou.

— O que irá fazer?

— Mandá-la-ei para uma das fazendas. Se acha a vida monótona em York, morreria de tédio no meio do mato.

Aquilo sim não era agradável de ouvir.

— Não pode estar me ameaçando por causa de uma serva.

— Minha serva! Minhas ordens! Não admito ser desobedecido.

— Você é igual ao seu pai! Avassala tudo e impõe sua vontade!

— Está se descrevendo e não a papai, mãe! Aliás, não fará da minha vida a infelicidade que foi a dele.

A mulher ficou muda com aquela afirmação. Ian havia descoberto seu caso com o duque de Lacok ainda em Londres, e a mandara para York há quase sete anos. O pai de Ian acabou morrendo de decepção por aquilo. Mas, enfim, não fora sua culpa! Todas as damas de Londres tinham seu flerte fora dos casamentos, sempre tão rotineiros e chatos.

Sem resposta, Ian saiu da sala e foi até a cozinha. Mairi fervia o pano de limpar a casa com sabão. Ela mordia os lábios aparentando segurar o pranto, e ele teve vontade de arrancá-la daquela cozinha fria e triste, e carregá-la até um quarto onde ela pudesse dormir e descansar sem que ninguém a perturbasse.

— Mairi, onde esta Perpétua?

Ela mantinha os olhos baixos quando respondeu:

— A senhora estava na sala dando ordens ao senhor James.

Mal havia falado aquilo quando Perpétua entrou na cozinha.

— Senhora... –ele disse, cumprimentando-a.

Milord, o que faz aqui?

— Vim lhe pedir que contrate mais três meninas para ajudar no serviço de casa. Mairi é minha protegida agora!

— Não!

Surpreendentemente a negativa veio da mais nova "protegida" de Ian.

— Por favor, senhor – Mairi negou com a face. —  Eu sempre trabalhei. O que as pessoas diriam se soubessem que estou vivendo na casa sem trabalhar? Seria minha desgraça!

Ian se recriminou mentalmente pela ideia estúpida. É claro que eles pensariam que a moça era sua amante caso a tirasse do trabalho pesado. Não era aquilo que ela precisava! Bastava diminuir o trabalho e não permitir que a usassem como um animal de carga.

— Está certo, Mairi. Quero que continue trabalhando, mas diminua suas tarefas. O trabalho será dividido.

Aquilo já era um sonho para a jovem. Havia muitas empregadas na casa, mas o trabalho pesado sempre ficava para ela. As outras apenas lavavam a louça ou faziam a comida. A limpeza era de exclusividade dela. Nunca pôde reclamar, afinal, se fosse despedida, para onde iria? Teria que se prostituir nas ruas de York e, entre isso e a limpeza, continuava a limpar os ladrilhos.

Estava tão feliz que não percebeu quando o duque saiu da cozinha com a senhora Perpétua atrás dele.

— Senhor... – a governanta o chamou.

— Sim?

— Sei que não deveria me meter, mas Mairi é uma jovem boba, criada dentro dos muros deste castelo. Ela não conhece a vida. Isto que para o senhor é um ato de bondade, ou algo... algo sem importância... para ela pode ser o ponto que destruirá sua vida.

— O que quer dizer, senhora Perpétua?

— Isto que está sentindo passará. Logo encontrará uma jovem Lady educada para ser uma boa esposa, e o senhor se esquecerá da menina que limpa o chão.

A mulher estava achando que ele tinha se apaixonado por Mairi? E ele que pensava que estava enlouquecendo... não... era a governanta que era uma demente! Ou não? Olhou por um canto da porta e viu Mairi arriando uma panela. Era linda... Ele havia achado aquilo desde o início... Mas não estava apaixonado... A havia conhecido há pouco tempo... isso não acontecia assim... ou acontecia?

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