POV Leonardo Vasconcellos
Eles não estão interessados só no contrato. Estão interessados na imagem.
— Isso é ridículo — murmurei, passando os dedos pela ponte do nariz antes de me afundar na cadeira de couro preto do meu escritório. — Isso não é uma fusão empresarial. É chantagem familiar com gravata italiana.
Às vezes, quando queremos muito alguma coisa, precisamos sacrificar outra para conseguir. Nem sempre o sacrifício vale a pena, é verdade... mas, muitas vezes, ele vale — e muito.
E eu sei que, para alcançar o que quero, terei que abrir mão de algo importante. Não da minha vida literalmente, mas da minha privacidade, da minha liberdade. Terei que abrir a porta da minha casa e deixar outra pessoa entrar.
Tudo por causa de uma condição. Uma exigência inesperada que me foi imposta para que esse contrato milionário se concretize.
Ganhar dinheiro não é o ponto — eu já ganho. Já sou um dos melhores na minha área, aqui no Brasil e fora dele.
Tenho empresas espalhadas ao redor do mundo. Mas esse contrato... esse contrato não é apenas sobre cifras. Ele vai me colocar em um patamar diferente.
Vai consolidar tudo o que construí e me tornar o melhor — não apenas um dos melhores. E para isso, eu vou fazer o que for preciso.
O problema? Eles não estão apenas interessados nos números. Estão interessados na imagem. Querem ver estabilidade, tradição. Querem um homem casado. Isso é ridículo... mas é o jogo. E se eu quiser vencer, preciso jogar.
Disse a mim mesmo que analisaria a possibilidade, que talvez fosse só mais uma exigência boba que cairia por terra. Mas não caiu. Aqui estou eu — com a cabeça doendo, um prazo impossível e a responsabilidade de resolver tudo isso. E eu até sei a solução. Mas onde é que se arruma uma noiva... em menos de vinte e quatro horas?
É isso mesmo. Eu preciso estar casado dentro de dois dias. Tenho só mais um dia para encontrar uma mulher disposta a isso.
E eu sei o que vocês estão pensando.
Como é que o CEO de uma das maiores empresas do mundo, o eterno solteirão de São Paulo, está agora sentado numa cadeira de couro, encarando o teto e se perguntando onde vai achar uma esposa?
Eu explico.
Isso não era o que eu queria para minha vida, nunca foi. Mas tudo aconteceu há poucos minutos, numa reunião com os investidores italianos. E depois de ouvir o que eles me disseram, eu percebi que estou completamente enroscado.
Ricardo me encarou com aquele olhar típico de quem se diverte com o caos alheio. Ele era meu melhor amigo — além de diretor de operações da Vasconcellos Investimentos. Imbatível nos negócios, e quando queria... extremamente irritante.
— Você só diz isso porque ainda não perdeu bilhões por causa de uma exigência cultural, Leo — rebateu ele, recostado na minha mesa, com o sorrisinho de quem sabe que está certo.
Infelizmente, estava.
A proposta do Grupo Romano era ambiciosa: uma fusão que nos tornaria a maior potência financeira da América Latina. Gráficos em alta, projeções positivas, lucros estáveis... tudo no lugar. Até que os malditos italianos abriram a boca.
A exigência?
Uma esposa.
Me levantei e caminhei até a janela. São Paulo girava do lado de fora com a mesma pressa de sempre. E eu ali, CEO de uma das maiores empresas do país, refém de uma tradição que nem era minha.
— Eles querem estabilidade. Tradição. Um rosto ao meu lado. Uma mulher de verdade. Nada de capas de revista — falei, ainda encarando a cidade.
Evitei intimidade a vida inteira. Talvez porque não confio em ninguém. Ou talvez porque, lá no fundo, eu ache que não mereço ser feliz. Não como homem. Não depois do que aconteceu.
Ele não teve isso.
Então por que eu teria?
— Então case-se. Você já tem tudo. Falta só ela — disse Ricardo, como se o casamento fosse algo que se compra num app.
— Se fosse tão simples assim, Ricardo...
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FLASHBACK – Reunião com o Grupo Romano
A sala de reuniões estava fria, o ar-condicionado no máximo. Mas a tensão fazia o ambiente ferver.
— O lucro líquido aumentou 12% no último trimestre — dizia Júlia, minha diretora financeira, enquanto os gráficos passavam na tela. — Nossa estratégia de diversificação se mostrou eficaz.
Vincenzo Romano, patriarca do grupo, cruzou as mãos.
— Signore Vasconcellos, os números são excelentes. Mas o que me preocupa... é estabilidade.
— Estabilidade financeira? — perguntei, já prevendo que a resposta seria pior.
— Não. Familiar.
O silêncio caiu como um soco.
— Um homem solteiro é, por definição, instável. Prezamos raízes, tradição. Família. Essa é a minha condição.
— Então é isso que falta para ganharmos a assinatura?
— Exatamente. Uma esposa. Uma aliança. Um lar.
Minha voz saiu firme, apesar do gelo que percorreu minha espinha:
— Então terá.
— Ah, é? E quando?
— Em breve. Eu já encontrei... o meu destino.
Mentira. Mas necessária.
Era isso ou perder bilhões.
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De volta ao presente
— Família é o pilar de qualquer negócio duradouro. E você... ainda não construiu o seu — disse Ricardo, repetindo as palavras do investidor como uma maldição.
Quase ri. Justo ele falando de construir algo? Playboy assumido, responsável no trabalho e completamente inconsequente fora dele. Vive trocando de mulher como quem troca de relógio.
Eu também nunca fui diferente. Nunca procurei mais do que prazer — sem vínculos, sem promessas.
Mas o mais irônico é que ele fala de “construção” como se já tivesse sustentado algo além do próprio ego.
— Quer que eu contrate uma agência de casamentos?
— Quero que encontre alguém disposta a assinar um contrato. Que sorria nas fotos. Nada além disso.
— É sempre assim no começo, Leo. Depois, o jogo vira.
— Ah, claro. E no final todo mundo perde, menos quem inventou as regras.
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Depois de mais reuniões, Ricardo apareceu com um “catálogo” de mulheres.
Ricas, famosas, plastificadas, arrogantes. Superficiais até o osso. Nenhuma delas era real.
— Que chato, hein? Parece que nenhuma é digna do senhor Vasconcellos — ironizou Ricardo, sentado na minha mesa.
O olhar que lancei poderia ter matado.
— Tira essa bunda de princesa da minha mesa.
Ele ergueu as mãos em rendição e se levantou.
— Tá bom, tá bom. Mas todas vieram aqui por dois motivos: dinheiro e fama. Querem capas de revista, viagens pra Dubai... Querem ser a esposa perfeita — no papel.
— E eu posso fazer tudo isso sozinho. Não preciso de rabo de saia me seguindo.
— Quer que eu continue procurando?
— Não sei. Me dá dor de cabeça só de pensar. Vamos deixar pra amanhã.
Peguei meu sobretudo e pasta de documentos, me despedi e fui para o elevador. O peso do mundo ainda nas minhas costas. O dia inteiro foi uma sequência de apresentações ridículas.
Mulheres que queriam meu sobrenome. Meu dinheiro. Não a mim.
E nem é como se eu fosse feio, longe disso. Tenho 1,93 de altura, corpo definido, tatuagens no peito, cabelo loiro, olhos verdes. O pacote completo — pelo menos por fora.
Mas por dentro... bem, eu não acredito no amor.
Não depois do que aconteceu.
Não depois de ser apunhalado.
Talvez eu realmente não mereça uma vida emocionalmente estável.
Ou talvez o amor nunca tenha sido pra mim.
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Do lado de fora, a brisa estava fria. O sol sumia atrás dos prédios.
Ajustava meu relógio distraidamente quando…
— Ai!
Colidi com alguém com força.
— Olha por onde anda! — comecei, irritado.
Mas quando ergui os olhos…
A voz sumiu.
Era uma mulher. Morena, olhos âmbar como mel. Mas o que me prendeu mesmo foi o cansaço estampado no rosto. Não era só físico. Era como se ela carregasse o peso do mundo sozinha.
— Me desculpa — disse ela, abaixando-se para pegar a bolsa.
Me abaixei também. Nossas mãos se tocaram. Ela recuou como se tivesse encostado em fogo.
— Tá tudo bem? — perguntei, observando o tremor nos dedos dela.
— Sim… só tô com pressa. Desculpa de novo.
Ela se afastou rápido, mas deixou cair um papel. Peguei e fui atrás.
— Espera! Você esqueceu isso aqui.
Ela virou, surpresa.
Era um atestado médico. E contas de hospital.
— É seu, né?
— Ah... sim. Obrigada — respondeu com a voz nervosa, mas firme.
Ela me encarou. Olhos intensos, postura erguida. Orgulho e dor em um mesmo corpo.
Um celular tocou.
Ela atendeu.
— É a senhora Aurora Lemos? — perguntou a voz do outro lado.
— Sim, sou eu...
A expressão dela mudou. Ficou branca.
As palavras seguintes a derrubaram.
Ela gaguejou, lágrimas surgiram. A única coisa que entendi foi o nome: Aurora Lemos.
E então ela saiu correndo.
Tentei chamar:
— Ei!
Mas ela desapareceu.
Eu nunca tinha visto aquele rosto.
Mas algo dentro de mim disse:
Talvez...