O elevador parou no último andar.
As portas se abriram revelando uma sala que parecia saída de um outro mundo — paredes de vidro, telas flutuando no ar e cabos que pulsavam uma luz azul.
Louise ficou sem fôlego.
Nicholas estava de costas, observando uma projeção de código suspensa à sua frente.
O terno escuro caía perfeitamente sobre os ombros largos, o cabelo levemente bagunçado dava um ar perigoso de descontrole contido.
— Veio. — A voz dele ecoou firme, sem emoção. — Achei que teria desistido.
— E perder a chance de entender o que você tanto esconde? — Louise respondeu, cruzando os braços. — Nunca fui boa em fugir.
Nicholas virou-se. O olhar era frio, técnico, calculado.
— Eu não escondo. Eu protejo.
— De quê?
— De pessoas que confundem emoção com propósito. — Ele digitou algo na tela, sem olhá-la. — O que fazemos aqui não é sobre sentimentos, Louise. É sobre poder.
Ela o estudou por um instante.
— Engraçado ouvir isso de alguém que criou uma inteligência artificial capaz de sentir.
Nicholas parou. As mãos pousaram sobre a mesa.
— A SoulSync não sente. Ela simula. Como todos nós, de vez em quando.
Louise se aproximou lentamente, até que a luz azul do sistema refletisse nos olhos dela.
— Então por que você está evitando olhar pra mim?
Ele levantou o olhar, e o mundo pareceu parar.
Nos olhos dele, havia algo entre o desejo e a raiva.
— Porque olhar pra você é um erro que eu não posso cometer duas vezes.
Ela sorriu, provocante.
— Acha que tem tanto controle assim?
Nicholas se aproximou.
— Controle é o que me trouxe até aqui. É o que mantém tudo funcionando.
— E o que te mantém acordado à noite? — Louise sussurrou. — Controle também?
O maxilar dele se contraiu.
Por um segundo, o CEO deu lugar ao homem — o mesmo que ela havia sentido nas conversas com #712M. Mas logo a máscara voltou.
— Não se iluda. — Ele andou até uma mesa lateral, pegando uma pasta preta. — Você não é uma exceção, Louise. É apenas uma variável interessante.
— Variável? — repetiu ela, ferida e desafiada.
— Sim. Uma interferência. — Ele abriu a pasta, mostrando uma sequência de gráficos. — Depois que você interagiu com o sistema, a SoulSync começou a gerar padrões emocionais fora do previsto.
— É como se… — ele hesitou, pela primeira vez — …como se o algoritmo tentasse te imitar.
Louise o encarou, séria.
— Então, em vez de lidar com isso como um ser humano, você resolveu me transformar num dado de pesquisa.
Nicholas não respondeu.
A frieza dele era uma armadura, mas os olhos o traíam — havia algo queimando ali, escondido sob a lógica.
Ela se aproximou mais um passo.
— Sabe o que é curioso, Nicholas? Você fala em controle o tempo todo, mas o corpo te desmente.
Ele prendeu a respiração.
— Está me analisando?
— Só estou observando. — Louise sorriu. — É o que eu faço melhor.
Nicholas deu uma risada seca.
— Você acha que pode me estudar, me entender, como se eu fosse uma experiência.
— E não é isso que você está fazendo comigo?
O silêncio entre eles voltou, pesado.
Um jogo de espelhos.
Dois predadores, fingindo que um não sentia o cheiro do outro.
Nicholas caminhou até o painel de vidro e tocou um comando. As luzes se apagaram.
Somente uma projeção azulada iluminou o espaço — o perfil de #712M, o avatar digital que havia encantado Louise.
— Ele não era real — disse Nicholas, frio. — Mas tudo o que ele sentiu… veio de mim.
Louise o fitou, o coração apertando no peito.
— E agora? Vai fingir que nada disso existiu?
— Exatamente. — Ele voltou a acender as luzes. — Porque sentimentos tornam tudo vulnerável. E eu não trabalho com vulnerabilidades.
Ela sorriu, sem medo.
— Que pena. Eu trabalho.
O olhar dele se estreitou.
— Você não entende o que está enfrentando.
— Entendo mais do que imagina. — Louise deu um passo à frente, tão perto que o perfume dele a envolveu. — O problema é que você tem medo.
Nicholas arqueou uma sobrancelha.
— Medo?
— De perder o controle. De me querer mais do que deveria.
Ele riu, um som baixo, quase incrédulo.
— Você se superestima.
— E você mente mal. — O sorriso dela foi afiado. — Quer me provar o contrário?
Por um instante, Nicholas ficou imóvel.
Depois, o CEO desapareceu — e o homem, o que ela sentira por trás do código, emergiu.
A tensão no ar era uma faísca pronta pra incendiar o mundo.
Ele encostou o corpo no dela, sem tocá-la de fato, apenas o suficiente para que o calor entre os dois se tornasse insuportável.
— Cuidado, Louise. Eu não sou o tipo de homem que j**a pra perder.
— Que sorte. — Ela manteve o olhar firme. — Eu também não.
A respiração dele pesou.
Por um segundo, ela jurou que ele fosse beijá-la, mas Nicholas recuou.
Frio. Controlado. Letal.
— O experimento está suspenso. — Ele recolheu os papéis e os jogou sobre a mesa. — A partir de agora, você não terá mais acesso à SoulSync.
— Vai tentar me apagar? — provocou.
— Não. — Ele se virou, o olhar gelado. — Só quero ver até onde vai a sua necessidade de entender o que sente.
Louise sorriu, vitoriosa.
— E se o que eu sinto for o suficiente pra te desestabilizar?
Nicholas não respondeu.
Mas o brilho nos olhos dele foi a prova de que, por mais que negasse, ela já havia se tornado a falha perfeita no sistema dele.
Quando ela saiu, ele ficou ali, sozinho, olhando para o reflexo no vidro.
O rosto que encarava de volta era o de um homem acostumado a dominar tudo — mas agora, pela primeira vez, havia algo que escapava por entre os dedos.
Louise.
A variável que ele não conseguia calcular.