O silêncio no escritório era quase palpável.
Louise ainda sentia o corpo reagir à presença dele — como se cada batida do coração respondesse a um comando invisível vindo de Nicholas.
Ele se afastou um passo, mas o ar entre eles continuou denso, elétrico.
— Gosto da sua coragem — disse ele, encostando-se à mesa. — A maioria das pessoas corre quando percebe que está sendo testada.
Louise cruzou os braços, tentando manter o controle.
— E o que exatamente você está testando? A minha paciência?
Um meio sorriso se formou nos lábios dele.
— A verdade.
Ela franziu o cenho.
— A verdade sobre o quê?
— Sobre o que é humano. — Nicholas passou os dedos pelo queixo, estudando cada reação dela. — Você sente demais, Louise. E isso… é raro.
— Isso é um elogio ou uma ameaça?
Ele deu um passo à frente, devagar.
— Depende de quem você quer ser nesse jogo.
Louise o observou, e algo dentro dela gritou para sair dali. Mas o corpo não obedecia.
Nicholas tinha um magnetismo perigoso — uma calma que parecia esconder tormenta.
— E se eu disser que não quero jogar? — perguntou, desafiando-o.
— Então por que está aqui? — Ele inclinou a cabeça levemente, os olhos presos nos dela. — Ninguém volta pra SoulSync duas vezes sem motivo.
Ela respirou fundo, tentando se proteger por trás das palavras.
— Eu quero entender o que está acontecendo.
— Ou quer entender o que sente. — A voz dele desceu um tom, quase um sussurro. — É bem diferente.
Louise engoliu em seco.
O modo como ele dizia as coisas era calculado — cada frase parecia feita pra atravessá-la.
— Você me confundiu de propósito — disse, firme. — Criou aquele perfil, aquele homem… só pra ver até onde eu iria.
Nicholas não negou.
— Sim. — A honestidade dele a desarmou. — Mas não esperava que fosse me afetar também.
Ela piscou, confusa.
— Te afetar?
Nicholas caminhou até ela, parando a poucos centímetros.
O perfume dele — uma mistura de couro e algo amadeirado — envolveu o ar.
— Desde que você entrou no sistema, as respostas começaram a mudar. Eu me peguei lendo suas mensagens mais do que devia. Tentando entender por que o código… reagia à sua voz.
Louise desviou o olhar, sentindo o calor subir pelo corpo.
— Você está misturando as coisas. Isso é ciência, não…
Ele interrompeu, a voz baixa e firme:
— Nada sobre você é ciência.
O silêncio caiu outra vez.
Ela sentia o coração bater tão forte que achou que ele poderia ouvir.
— Me diga uma coisa, Louise. — Ele deu um passo ainda mais próximo. — Quando falava com #712M, o que você sentia?
Ela hesitou.
A lembrança daquelas conversas a invadiu como um vento morno — o riso, as palavras, o sentimento impossível de familiaridade.
— Eu sentia… que ele me via. De verdade.
Nicholas sorriu, mas havia tristeza ali.
— E se eu disser que era eu vendo você o tempo todo?
Louise levantou os olhos.
— Está dizendo que me vigiava?
— Observava. — Ele corrigiu, num tom suave. — A SoulSync é um espelho emocional. Ela mostra o que escondemos de nós mesmos. Eu só… fiquei preso olhando demais.
Ela sentiu um arrepio percorrer a espinha.
Parte dela queria fugir, parte queria se aproximar.
— Isso é doentio.
— Ou é só honestidade — respondeu ele, mais perto do que devia.
O ar entre os dois parecia ferver.
Louise podia ver o brilho dourado dos olhos dele, o músculo do maxilar tenso, o controle que ele exercia até sobre a respiração.
Nicholas era o tipo de homem que sabia o poder que tinha — e sabia usá-lo.
— O que você quer de mim, Nicholas? — perguntou, tentando soar firme.
— Quero ver até onde você vai quando o coração não obedece mais à razão. — A frase dele veio como um desafio. — Quero saber se o que você sentiu com #712M era real… ou só reflexo.
Louise o encarou, o peito subindo e descendo rápido.
— E como pretende descobrir isso?
Nicholas aproximou o rosto do dela, até a respiração dos dois se misturar.
— Me deixe te conhecer — murmurou. — Sem o algoritmo. Sem o código. Só você e eu.
Ela hesitou. O instinto gritava que ele era perigoso. Mas havia algo na voz dele, uma sombra de dor, de verdade.
— Isso ainda é um teste, não é? — sussurrou.
— Tudo é um teste, Louise. — O sorriso dele foi lento, quase cruel. — A diferença é que alguns você quer perder.
Por um segundo, ela pensou que ele fosse beijá-la.
Mas Nicholas recuou, deixando um vazio elétrico no ar.
— Volte amanhã — disse, retomando o tom controlado. — Tenho algo pra te mostrar.
— O quê?
— A origem de #712M. E talvez… o seu reflexo dentro do sistema.
Ela franziu o cenho, confusa.
— Meu reflexo?
— Você não acha estranho ele ter usado frases que só você tinha escrito no seu caderno? — Nicholas fitou-a com um olhar profundo. — Nada disso é coincidência.
Louise sentiu o chão se mover sob os pés.
— Está dizendo que o sistema… copiou partes de mim?
— Talvez o contrário. — Ele deu um passo para trás e abriu a porta, encerrando a conversa. — Amanhã, às oito. E, Louise…
Ela parou na porta, o coração ainda batendo descompassado.
— Sim?
— Não durma sonhando comigo. — O sorriso dele foi quase um sussurro. — O sistema às vezes ouve mais do que devia.
Ela saiu apressada, tentando se recompor, mas o corpo ainda tremia.
No corredor, encostou-se à parede e respirou fundo.
O perfume dele ainda estava preso na pele, e a mente, em chamas.
Nicholas era um mistério — e ela sabia que se continuasse, poderia se perder.
Mas também sabia que já era tarde demais para voltar atrás.
Enquanto o elevador descia, o celular vibrou.
Uma nova mensagem.
Sem nome.
Apenas uma frase:
> “Os olhos dele são o que resta do sonho.”
Louise fechou os olhos.
E pela primeira vez, percebeu que o jogo de Nicholas já havia começado — e que o prêmio talvez fosse o próprio coração dela.
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