O dia começou nublado, com a luz filtrada pelas cortinas pesadas da mansão Verdan. Camila organizava a cozinha enquanto Lucas brincava com seus carrinhos no chão, mas sua mente estava a quilômetros dali — presa à porta trancada, à ala leste, ao olhar de Adrian que ainda a assombrava.
Ela mal notou a chegada de Adrian, que entrou sem anunciar, seus passos silenciosos, mas a presença impossível de ignorar. Ele a observava, algo entre a vigilância e o desejo contido, enquanto Camila tentava manter a compostura.
— Está pensando demais — disse ele, a voz baixa, quase um roçar contra o ouvido dela. — E sabe que pensar demais é perigoso comigo.
Camila ergueu os olhos, encontrando o dele. Por um instante, sentiu-se desnuda sob aquele olhar, vulnerável e estranhamente segura ao mesmo tempo.
— Talvez seja você que me deixa assim — respondeu, sentindo uma ousadia inesperada. — Ou talvez seja a casa. Ou Lucas. Ou… você.
Adrian apertou os lábios, quase imperceptivelmente, e desviou o olhar para Lucas, que ria com seus carrinhos espalhados pelo chão.
— Perigoso — repetiu, como se a palavra tivesse um gosto amargo — é você não perceber que existe um limite. Que existem coisas que… não podem ser tocadas.
Camila respirou fundo. Cada palavra dele parecia carregada de aviso e desejo ao mesmo tempo.
— Eu sei dos limites — disse ela. — Mas você também sabe que quanto mais nos afastamos deles, mais próximos nos tornamos do que não podemos controlar.
Ele se aproximou, o cheiro de colônia misturado ao perfume sutil do homem que ela queria, ameaçadoramente perto. A mão dele pairou por um instante acima do ombro dela, mas não tocou. Um gesto tão simples, e ainda assim tão carregado de tensão.
— Lucas… quer brincar lá fora? — perguntou Adrian, finalmente desviando os olhos de Camila. — Posso levá-lo ao jardim.
— Claro — disse ela, tentando manter a voz neutra, mas o coração acelerava.
Enquanto caminhavam para fora, ela percebeu o ciúme velado nos olhos de Adrian ao notar que Lucas, ainda pequeno, mostrava para ela cada brinquedo novo que encontrava. Cada sorriso do menino parecia uma faísca entre eles, e Adrian não gostou de ser deixado de lado, mesmo que fosse apenas o filho.
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Após o almoço, Camila se encontrou sozinha na biblioteca, e a curiosidade sobre a ala leste crescia como um incêndio que ela não podia apagar. Passava os olhos pelo corredor que levava até a porta trancada, imaginando o que havia lá dentro. Mas a memória das palavras de Adrian ecoava em sua mente: “Não ultrapasse meus limites.”
O som de passos interrompeu seus pensamentos. Era Adrian, de novo. Desta vez, ele se aproximou com um passo firme, intenso, a tensão entre eles quase palpável.
— Não deveria estar aqui sozinha — disse ele, parando a alguns centímetros dela. — Mas… talvez seja impossível me obedecer.
— Eu não posso evitar a curiosidade — respondeu Camila, aproximando-se dela mesma, desafiadora, mas sem perceber que seu próprio coração batia acelerado pelo perigo.
Os olhos dele escureceram, e por um momento, o homem contido, reservado, quase quebrado, desapareceu. Ela viu apenas o desejo e a luta interna para não cruzar aquela linha que ele mesmo traçara.
— Camila — murmurou ele, a voz carregada de advertência e algo mais profundo, mais urgente — essa porta… essa ala… não é só sobre a minha dor. É sobre a sua. Você não sabe o que está prestes a despertar.
Ela engoliu em seco, sentindo o frio no estômago misturado a um calor impossível de ignorar. E, naquele instante, soube que mesmo que quisesse recuar… não conseguiria.
— E se eu quiser descobrir? — perguntou ela, em um sussurro, ousado e perigoso.
Adrian ficou em silêncio por um instante, como se o mundo tivesse parado. Então, deu um passo atrás, com frieza, mas com os olhos ainda presos aos dela.
— Então saiba… que algumas descobertas custam caro. — Ele se afastou, deixando um silêncio quase sufocante para trás, mas a promessa do perigo permanecia no ar.
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Quando Camila voltou ao quarto de Lucas para colocar os brinquedos no lugar, encontrou novamente o desenho que ele fizera na noite anterior: a porta da ala leste, escura, com uma pequena figura olhando através dela.
— Papai não quer que a gente abra — disse Lucas, levantando o olhar para ela.
Ela acariciou os cabelos dele, um aperto no peito.
— Eu sei, meu amor — respondeu, com uma voz suave. — Mas às vezes… a gente quer entender coisas que são difíceis.
E naquela frase, um pacto silencioso foi feito. Camila sabia que cedo ou tarde, a porta seria aberta. E que Adrian não poderia impedir o que ambos estavam sentindo… mesmo que quisesse.