Mundo de ficçãoIniciar sessãoMeu corpo gelou.
Por um segundo, achei que fosse James. Mas, quando me virei, encontrei o olhar afiado de Odete atravessando o corredor. Talvez fosse o medo me pregando peças. Ela estava parada, a bolsa pendurada no braço e a expressão carregada de desconfiança. — Quem era aquela mulher com quem você estava falando, Amélia? — perguntou, cruzando os braços. — Nunca te vi conversando com ninguém. Aliás, nesses dois anos como babá, você nunca sequer tirou férias. O ar desapareceu dos meus pulmões. Olhei para Silvana, ainda a poucos metros de mim, e depois voltei para Odete. — É... é só uma conhecida — respondi, forçando um sorriso. — Nos esbarramos por acaso. Odete arqueou uma sobrancelha, cética. — Conhecida? Interessante. Porque ela parecia bem emocionada ao te ver. Deu um passo à frente, o olhar percorrendo a mim e Claire, que brincava distraída com a ponta do meu casaco. — Não costumo gostar de surpresas, Amélia. Espero que isso não se repita. Assenti, incapaz de sustentar o olhar dela. Odete virou-se para sair, mas ainda lançou uma última frase envenenada: — James não gosta de empregados com segredos. Esperei que ela se afastasse completamente antes de soltar o ar que prendia no peito. Meu coração parecia querer escapar. Quando me virei, Silvana ainda estava parada no mesmo lugar. Dei um passo em sua direção. — Por favor... esqueça que me viu. Mas ela não se moveu. Apenas sussurrou: — Ele procurou por você. O chão pareceu desaparecer sob meus pés. Senti o estômago revirar, o sangue sumir do rosto. — O quê? — balbuciei, quase sem som. Com pena nos olhos, Silvana continuou: — Você precisa me ouvir, Amélia. Desde aquele dia, ele sempre procura por você. A dor atravessou minhas costas outra vez. Saber que ele ainda me procurava era reviver o mesmo pesadelo: por mais que eu fugisse, ele sempre me encontrava. — Papai! — A voz de Claire me arrancou dos pensamentos. Me virei e vi James e Odete a poucos passos de mim. James estendeu as mãos para pegar Claire, mas eu a segurei, colocando-a atrás de mim num gesto instintivo. Só percebi o que estava fazendo quando vi a expressão que se formou no rosto dele. — Algum problema? — perguntou, sério. — Não, senhor… desculpa. — Soltei a mão de Claire, e ela foi para os braços dele. O caminho de volta foi silencioso. Claire dormia no banco de trás, abraçada ao ursinho favorito, enquanto eu olhava pela janela sem realmente enxergar nada. As palavras de Silvana ecoavam na minha mente, uma e outra vez: “Ele ainda procura por você.” James nos deixou em casa e seguiu com Odete. A noite estava quieta. Claire dormia, e a dor nas minhas costas continuava ali — viva, pulsando, como uma lembrança que não me deixava. Eu sabia que ela nunca iria embora. Não enquanto o homem que destruiu minha vida continuasse existindo. Sentia o corpo pesado, a garganta seca, um leve calafrio percorrendo a pele. Desci as escadas em busca de água, mas antes que pudesse alcançar os últimos degraus, tudo escureceu. O chão sumiu. E a última coisa que senti foi alguém me segurando. Despertei com algo úmido sobre a testa. Era um pano molhado. — Quem colocou isso aqui? — perguntei, confusa. — Já acordou? — A voz de James veio da porta. Ele entrou no quarto com uma expressão que eu nunca tinha visto antes: preocupação. — Você estava ardendo em febre. Aproximou-se e sentou-se na beira da cama. — Tentei levá-la ao hospital, mas você se recusava a ir... deixa eu ver... — disse, estendendo a mão. Instintivamente, recuei. — Só quero saber se ainda está com febre — explicou, calmo. — Desculpa... — murmurei, desviando o olhar. Mesmo assim, ele tocou minha testa com a mão direita. Seu toque era leve, quase hesitante. — Finalmente baixou — disse, sorrindo de leve. Era a primeira vez que o via sorrir para mim. Um sorriso simples, de alívio. Mas ainda assim... o primeiro. — O que foi? — perguntou, percebendo meu olhar fixo. — Nada... — respondi, sentindo o rosto esquentar. — Não é nada. Por um instante, pensei que, se James fosse o pai biológico de Claire, talvez tivéssemos a família que eu sempre sonhei. Mas o pensamento durou pouco. Logo a imagem de Odete invadiu minha mente, e tratei de afastar aquela fantasia tola. James merecia alguém muito melhor do que eu. O som da babá eletrônica me trouxe de volta à realidade. — Acho que alguém acordou — disse ele, rindo. Quando se tratava de Claire, James se transformava. Parecia outro homem — mais leve, mais vivo. — Deixa eu ver como ela está — falei, afastando os lençóis. — Não. Pode deixar, eu vou. Você ainda não está bem. — Não precisa se preocupar, já estou melhor — respondi, tentando me levantar. Mas, antes que pudesse dar um passo, o chão fugiu dos meus pés. O quarto girou. E, pela segunda vez naquela noite, senti os braços de James me impedindo de cair.






