Mundo de ficçãoIniciar sessão5 ANOS DEPOIS...
Julia Davenport
— Nós vamos pagar, senhor Romeo... só nos dê mais uma semana.
— Estou começando a me cansar das suas desculpas!
Preferi não sair do meu esconderijo, ou seria cobrada também. A essa altura, estava devendo até as calças que vestia, e elas nem eram grandes coisas. Depois que fui embora de Montana, a vida não se tornou mais fácil. Não tinha para onde ir ao deixar a casa do Dean, e não tive uma das minhas melhores ideias ao encher a cara em um bar e passar por um dos piores traumas da minha vida... então achei que Seattle seria o mais seguro, e que me distanciaria o bastante das lembranças, mas elas ainda insistiam em doer.
Assim que ouvi a porta ser fechada, coloquei a cabeça, ainda mantendo o corpo escondido atrás da parede, para verificar se a barra estava limpa.
— Ele já foi?
— Ah, claro, agora você aparece... — Adrian se sentou em uma cadeira e começou a navegar na internet. — Obrigado pela ajuda, hein...
— Que diferença faria? Ao invés de um ouvindo desaforo, seriam dois.
— Muito obrigada por isso. — Meu amigo apoiou a mão no queixo e continuou sua busca por sei lá o que.
— Você não tem que ir trabalhar ou coisa assim? — Questionei, e olhei para o pulso, o que me lembrou da decadência em que havia me metido. O relógio foi a última coisa que tinha algum valor, contrabandeada dos Davenport cinco anos atrás, e eu o tinha vendido semana passada para pagar as contas básicas, antes que cortassem nossa água.
Porque me recuso a cheirar como um gambá!
— Nossa, como eu queria ser mulher.
Me joguei na poltrona de qualquer jeito. — Sério? Diga uma novidade...
Meu amigo me olhou de soslaio, e eu ri. Adorava irrita-lo. — Há uma vaga para baba no site NobleNannies. Acho que você deveria tentar.
— EU? — Aquilo era a pior ideia do século desde que escolhi a pessoa errada... — Não sei cuidar de mim mesma, como posso cuidar de uma criança?
Adrian era a prova viva. Ele foi a pessoa a impedir que a tragédia do bar se consumasse.
— Só tem que fazer a criança sobreviver por um ano.
— Eu é quem não sobreviveria.
— Não tem como ser tão difícil...
Suspirei, me levantando e olhando ao redor. Ele só podia estar brincando comigo, e em algum momento as câmeras apareceriam. — Você lembra do cacto que tínhamos em casa? Bom, eu o deixei morrer por falta de água. Deus, que cacto morre por falta de água?
— Não seja exagerada.
— Dei descarga no seu peixe-dourado sem querer.
— Quê? Você nunca me contou isso!
Encolhi os ombros. — Estou contando agora. Desculpe, mas ele me olhava de um jeito bem esquisito, não tenho remorso. Foi mal! Além disso, ele já estava morto, boiando com a barriga para cima e tudo.
— Droga. E eu culpando o gato da vizinha. Que droga, Ju, era para você ter cuidado dele.
— Exatamente.
Adrian pareceu finalmente entender aonde eu pretendia chegar. — OK. Já entendi que você é completamente incompetente com crianças. — Acenei, concordando. — Uma pena. Eles pagam, tipo, dez mil dólares por mês.
— Dez mil dólares? — Corri até ele. Precisava ver essa droga com meus próprios olhos.
— Você disse que não tem habilidades...
— Por dez mil, cuido até do pai e da mãe do remelento.
Adrian estreitou os olhos. — Certo. Só não o chame de remelento na frente dos pais da criança.
Puxei uma cadeira e me sentei ao lado de Adrian. Passamos quase uma hora encarando o anúncio. Estava bem claro que eu não era formada em pedagogia, ou tinha algum tipo de formação em enfermagem para socorrer a criança, mas que diferença faz? É só uma pequena mentirinha no currículo. Todo mundo já fez isso uma vez na vida. Além disso, crianças só precisavam de alguém para ficar de olho e impedir que se jogue de uma janela ou coisa assim, ne?
Espero que sim...
Ficou claro, no entanto, que eu não estava nenhum pouco capacitada para a vaga como babá, considerando que não tinha qualquer experiencia, mas Adrian não pensou muito quando falsificou meu currículo. E eu sabia que era estupido, mas deus, estava tão desesperada que seria isso, ou virar stripper. Então, três horas mais tarde, estava usando um conjuntinho de terno que peguei emprestada com a vizinha do apartamento ao lado, e encarando os quadros estranhos pendurados na parede de uma sala de espera muito chique.
Minhas mãos começaram a suar a medida em que minha vez se aproximava, e eu sabia que aquilo era insanidade. Sorri para mim mesma. Como eu posso simplesmente ter cogitado essa ideia? Ao menos como stripper, não machucaria uma coisinha pequena sob meus cuidados, certo? Me levantei, ajeitando o terno. Estava a um passo de ir embora quando ouvi meu nome ser chamado pela secretaria bem apessoada.
— O quê?
— Senhorita, a tia Adriana está esperando.
— Minha tia? — Eu tinha uma tia?
Sem resposta, ela apenas arqueou a sobrancelha e abriu a porta. Não havia um único traço de humor nela, mas eu sabia que a mulher pensou que eu havia feito uma piada. Mas sério, eu realmente queria saber se a conhecia.
— Julia... — A mulher mais velha sorriu. — Vi seu currículo e confesso que estou bastante impressionada.
— É mesmo? — Sorri, mas tenho certeza de que pareceu mais com o rosnado de um projeto fajuto de lêmure.
— Sente-se, por favor. — Meus joelhos obedeceram imediatamente. Eu estava em pânico. — Quatro anos de experiência é bem impressionante para a sua idade.
Coloquei o fiapo de cabelo que se desprendeu para trás da orelha. — Obrigada. — Será que se eu pular da janela, vou me machucar muito?
— Literatura francesa... muito interessante.
Aham, muito!
Socorro!
— Me fale um pouco sobre você. — Ela tinha que me fuzilar assim? Parecia estar enxergando a verdade por trás da maquiagem suave.
Já era um milagre que ela não tivesse implicado com o cabelo.
Antes, no entanto, que eu pudesse procurar uma rota de fuga, para evitar ter que mostrar os papeis comprovando minhas habilidades, um milagre aconteceu, o telefone dela tocou, e a mulher passou a se entreter em uma coisa que parecia urgente.
Minha chance de não acabar presa por ser uma baita mentirosa.
— Com licença. — Disse, mantendo os olhos em mim.
— Claro. — Capturei a bolsa na cadeira e estava prestes a ir embora, ela me impediu.
— Fique! — Ordenou. — Na verdade, acabei de conseguir seu primeiro trabalho, tia Julia.
Quê?







