Mundo ficciónIniciar sesiónJulia Davenport
Ricos não gostam de esperar, aparentemente, ou eu não estaria entrando na maior casa que já coloquei os meus pés em toda a minha vida. Só do portão até a entrada, devo ter demorado quinze minutos, o que é um grande exagero, considerando que eu nem estava a pé.
Encarei a porta que um gigante poderia passar com facilidade, imaginando o peso daquela coisa. Minha cabeça não prestava bem, então devem imaginar que a imaginei caindo bem em cima de mim. Patê de Julia pelo menos parece gostosamente trágico.
— Quem é? — Uma voz muito mal-humorada soou do outro lado do interfone, e eu não faço a menor ideia do motivo para ter estremecido tanto.
Pareceu... familiar?
— Tia Julia... — Disse, meio insegura. Falar assim era tão estranho. — Vim pela agência... — Como é que é o nome mesmo?
A porta se abriu antes que eu pudesse me lembrar, graças a deus. Meus olhos atingiram a sala imensa. Havia uma lareira elétrica bem no centro da parede, e era linda, assim como toda a decoração. Isso, claro, se for considerar que branco e cinza estavam na moda. Acho que se eu vivesse em um lugar assim, acabaria ficando maluca em algum momento.
Entrei na mansão, encarando cada móvel, e claro, tive que passar minha mão por cada cantinho, por que eu sou uma anta. Encarei o ambiente, pensando que a qualquer momento alguém apareceria para me cumprimentar, considerando que mandaram que eu viesse hoje. Não podiam simplesmente jogar a criança no meu colo e desaparecer, podiam? Andei até o centro encarando tudo como se eu realmente fosse uma grande admiradora das artes, mas ao menos os quadros tinham cor, e não pareciam a defecação de um macaco bem no centro da tela. As pinceladas eram reais, mas meio agressivas também.
Limpei as mãos suadas nas laterais da roupa ao perceber que não estava mais sozinha. Os passos se aproximavam de mim cada vez mais rápido, e eu forcei um sorriso antes de me virar, por que pareciam suaves demais para ser um adulto, então eu estaria diante da criança que deveria cuidar, certo?
Congelei no lugar quando a fera imensa me encarou com os olhos de um psicopata canino. Sério, quem tem um lobisomem como pet? O bicho imenso tinha uma pelagem preta brilhante, e os olhos meio amarelos bem assustadores. Senti que deveria correr, mas aí estava arriscado a perder minha última calcinha que ainda prestava, por que eu certamente me cagaria pelo caminho. Isso, claro, se ele não me devorasse primeiro.
— Cachorrinho... pspspspsps... — Estalei os dedos e ele mostrou os dentes imensos. — Calma bichinho, sou eu, a babá. Sei que você está acostumado a comer suas refeições vivas, mas precisa entender que eu não sou uma delas.
E ele latiu muito alto, como se estivesse a um passo de acabar com a minha vida, e por fim pulou em mim, enfiando as patas bem no meu peito e me empurrando contra a parede. Como forma de autoproteção, me agachei, colocando as mãos na parte de trás do pescoço para me proteger, por que eu sabia que aquela coisa ia começar a me comer bem por ali.
— Bolinha, senta!
Bolinha, sério?
Ele estava mais para avalanche.
A voz grave e rouca soou um pouco ao longe, e a fera obedeceu imediatamente, sentando bem na minha frente e balançando o rabo como se fosse o ser mais inocente de todos. Estreitei os olhos para ele. — Eu sei quem você é, seu psicopata.
Bolinha latiu.
— Está sussurrando para o meu cão? — Encarei a figura descer as escadas.
O homem parecia um deus grego em plena forma com o terno azul-escuro tão bem moldado ao corpo musculoso. Não conseguia ver o rosto, mas não estava prestando atenção, considerando que enquanto ele abotoava o punho do terno, as tatuagens se tornaram visíveis. Uma tristeza me atingiu ao ponto de fazer com que eu esquecesse que ainda estava na posição de jacu agachado, então, quando percebi os sapatos pretos no meu campo de visão, dei-me conta de que ele havia parado bem na minha frente.
Meu corpo todo parecia em queda livre.
A garganta fechada...
— Minha filha está no quarto, emburrada com alguma coisa que eu disse, e não faço a menor ideia do que foi. — Disse, e havia um tom de humor, mas eu estava congelando cada vez mais, por que ele parecia tão familiar agora. — Cabelo rosa... hum, ninguém me falou sobre isso, mas acho que não será um problema. Lilia ainda é jovem para perceber esse tipo de coisa. Ela tem aula amanhã, então preciso que se certifique de que todas as atividades dela fiquem bem programadas. Há uma planilha com atividades e com o que ela pode ou não comer. Todos os horários estão organizados por cores. Você está me ouvindo, mulher?
Não sei...
Eu estava em panico, sentindo como se meu coração tivesse parado de bater.
O rancor, aquela mesma dor voltando a me deixar sem voz, sem ar...
— Qual o seu problema? — As mãos dele agarraram meus ombros de forma gentil, fazendo-me ficar de pé, e o maldito choque percorreu o meu corpo, me obrigando a pensar no que tentei esquecer por anos, quando tudo o que eu queria era permanecer sentada no chão e deixar aquela bolinha de lobisomem tostado me devorar inteira. — Está tudo bem? Não posso lidar com falhas agora. Já estou atrasad...
O homem parou de falar abruptamente, cerrando os olhos ao me encarar. — Julia?
Levantei o rosto e o encarei, percebendo que, se a expressão dele antes era a de cordialidade, agora o homem parecia com raiva. Claro, porque ele tinha motivos, não é? Me trair não bastava. Perdi tudo por um amor que nem ao menos existia, e a culpa foi toda minha por que troquei meu pai por alguém que namorava há três meses. Mas eu o amava tanto...
A quem eu quero enganar? Nunca esqueci o imbecil, e estar olhando para ele, e ver a forma como me odiava doeu mais do que só a lembrança do que vi da última vez em que estivemos juntos.
As lembranças estavam bem mais vividas agora, e olhar para ele me lembrava de todos os dias em que mal sobrevivi, quase catatônica, e deixando que Adrian, até aquele momento, um completo estranho cuidasse de mim. Ou me impedisse que morrer, como desejei fazer uma e outra vez…
— Oi Dean...
Ele estreitou os olhos. — Que porra você está fazendo aqui?
Ok, lá vai...
— Eu sou a babá!







