Mundo ficciónIniciar sesiónLevi Ribeiro era um homem completo quando prometeu amar Sabrina Teixeira. Horas depois, sua vida desmoronou e ele jurou nunca mais pronunciar o nome dela. Anos se passaram, e ele se tornou um capitão respeitado do Corpo de Bombeiros, frio e implacável em seu dever mas por dentro, restaram apenas cinzas e ressentimento. Sabrina, agora médica, tenta seguir sua vida, até que um dia o hospital onde trabalha é consumido pelas chamas… e é Levi quem aparece para salvá-la. Presos entre o fogo e suas memórias, os dois percebem que o verdadeiro inferno não está nas chamas, mas nas dores e desejos que ainda os atormentam. Entre o passado e o presente, um segredo pode reescrever tudo o que Levi acreditava sobre traição e sobre o amor.
Leer másPRÓLOGO — ATÉ O ÚLTIMO RESGATE
(de Val Veiga) O som ensurdecedor das sirenes ecoava como o pulsar infernal de um coração em sofrimento. As luzes vermelhas e azuis piscavam freneticamente contra a escuridão, enquanto o chão tremia sob o peso do caos e o ar estava carregado de calor e desespero. Dentro do hospital, as chamas devoravam tudo como uma fera brutal ferozmente liberta de sua jaula. O estalo da madeira que queimava soava como gritos desesperados, e cada explosão ressoava como um terrível aviso: o tempo estava se esgotando. E foi nesse cenário apocalíptico que a vi. Sabrina Teixeira. A doutora que sempre se negou a mostrar fraqueza, agora ajoelhada entre os escombros. Seu jaleco estava chamuscado, seu rosto coberto de fuligem, e seu olhar estava perdido entre o desespero e a inabalável devoção ao dever. Ela lutava para erguer um paciente inconsciente, tossindo em meio a nuvens de fumaça, seu corpo implorava por ar, e seu coração clamava por ajuda. — Saia daqui! — ela gritou para a equipe, sua voz rouca, seu corpo balançando. Mas ninguém a escutava; o caos era avassalador. O teto rangeu ameaçadoramente. Um pedaço da estrutura desprendeu-se, desmoronando a poucos centímetros dela. O impacto fez o chão tremer sob nossos pés. O rádio chiava incansavelmente, e a voz do comandante ecoava como um trovão: — Ninguém entra mais! O prédio vai colapsar! Mas eu já havia decidido: eu iria. Entre as chamas indomáveis, encontrei o que restava do corredor metal torcido, janelas estilhaçadas, paredes derretendo sob o calor. A fumaça densa fazia meu peito arder, o cilindro pesado nas minhas costas, mas avancei sem hesitar. E então eu ouvi. — Levi... Aquele som penetrava o barulho ensurdecedor, o estalido incessante, a sensação de fim. Era um sussurro, quase como uma prece, uma lembrança vívida. Meu nome, pronunciado por ela, me arrastando de volta para um lugar que eu jurara nunca mais visitar. De todos os lugares em que o destino poderia me lançar, ele decidiu me trazer de volta a Sabrina. A mulher que um dia prometi amar. A mesma que destruiu todas as minhas crenças. O machado que eu brandia abria caminho entre as ferros retorcidos, cada golpe carregado de raiva, recordações e saudade. O calor era insuportável, mas nada queimava mais do que a lembrança dela me olhando, repleta de lágrimas e culpa, no dia em que tudo desmoronou entre nós. Ela estava ali, viva. Cercada pelo fogo o mesmo fogo que me consumiu internamente ao longo de todos esses anos. Quando nossos olhares se cruzaram através da fumaça, o tempo pareceu parar. Nem mesmo as chamas ousaram interromper o reencontro de dois fantasmas. — Você... — ela sussurrou, incrédula. E eu não consegui encontrar palavras para responder. Porque não existia uma única palavra que pudesse apagar o que aconteceu. Nem apagar o que eu ainda sentia. A sirene do edifício anunciou o colapso iminente, o concreto começou a ceder sob o peso do desastre, e o teto desabava em grandes blocos. Eu a alcancei no último instante, puxando-a pelos ombros, e ela se lançou contra meu peito — o mesmo peito que um dia ela prometeu conhecer de cor. O estrondo do desabamento engoliu tudo. O som, o ar, a esperança. E então, um silêncio absoluto. Dois corpos soterrados por uma tragédia compartilhada. Dois corações aprisionados entre o que foram e o que ainda poderiam se tornar. A última imagem que vi antes que tudo se apagasse foi o reflexo dela, ofegante, coberta de cinzas, olhando para mim com a compreensão de quem finalmente entende: o fogo nunca esteve apenas do lado de fora. O fogo éramos nós. “ATÉ O ÚLTIMO RESGATE” Uma história onde o amor renasce das cinzas e onde nem o tempo nem o perdão são suficientemente fortes para apagar as marcas que o fogo deixou para sempre.📓 NARRADO POR LEVI RIBEIRO A água despencava sobre a lataria quente do caminhão, evaporando quase instantaneamente, subindo em pequenas nuvens leves e quase transparentes parecia que o fogo ainda estava ali, respirando sob a tinta vermelha da viatura. Com a esponja nas mãos, deslizei lentamente sobre a superfície do veículo. Não era por cansaço, embora estivesse exausto; era mais um gesto que me fazia reconectar com meu próprio corpo, sentindo cada centímetro da tarefa. Ramos, ao meu lado, despejou mais água na parte traseira do caminhão e soltou uma risada curta, que parecia uma mescla de deboche e cansaço: — Quem foi o idiota que espalhou por aí que ser bombeiro é fácil, hein? Levantei meus olhos para ele, já esperando a resposta. — Provavelmente algum político em época de campanha. — respondi, tentando trazer um leve tom de humor à conversa. Ele riu, mas não era um riso leve, despreocupado. Era um riso áspero, duro, de quem encarou a morte de tão perto que até a m
📓 NARRADO POR LEVI RIBEIRO (continuação — pós-resgate) Eu não soltei imediatamente a menina. Meu braço permaneceu firme ao redor do corpo leve dela, como se meu próprio corpo tivesse compreendido antes de mim que largá-la seria como retornar ao fundo do inferno. — Pessoal, aqui! — alguém gritou em meio ao caos. Dois socorristas chegaram correndo, rapidamente se mobilizando. Máscaras, oxigênio, estetoscópios, vozes rápidas e mãos ágeis que trabalhavam em perfeita sintonia. — Pulso fraco… saturação baixa… precisamos colocar acesso — informou uma mulher enquanto já acomodava a pequena numa maca. Eu tentei me levantar junto, mas meu corpo não respondeu. Minhas pernas falharam. Era algo banal. Como um poste de luz que se apaga no meio da rua. Senti o chão se aproximar antes mesmo de entender que estava caindo. — Ribeiro! — o Tenente já estava ao meu lado, sua mão grande segurando meu ombro de forma firme. — Não se mova rapidamente. Você está sem oxigênio há tempo demais. Tent
**📓 NARRADO POR LEVI RIBEIRO** *(continuação — avançando em direção à criança)* Tomei a iniciativa e entrei primeiro. Não porque eu tivesse coragem. Mas porque não havia mais ninguém entre eu e aquela vozinha delicada. O corredor parecia mais estreito. A fumaça estava mais densa. O ar parecia ter uma consistência como se eu precisasse perfurá-lo com o peito para prosseguir. — Mantenha a mão na parede, Ribeiro — o Tenente repetiu, com uma voz tranquila, quase cheia de paciência. — Se você perder a parede… você perde tudo. Eu tinha a mão esquerda colada no azulejo quente. A luva começava a queimar. Era possível sentir o calor atravessando o tecido como um veneno que agia lentamente. O choro voltou a ressoar, agora mais fraco. — Estou aqui... — a voz da criança murmurava, baixinho, quase se apagando. Dava a impressão de que ela estava se dirigindo a alguém que não respondia há um bom tempo. Meu coração deu um tranco violento. — Continue no chão — alertou o Tenente. — O
**NARRADO POR LEVI RIBEIRO** O almoço no quartel nunca era realmente sobre comida. Na verdade, era uma pausa entre um chamado e outro, um espaço de tempo usado para recuperar as energias antes de retornar à rotina intensa e imprevisível que nos aguardava. O refeitório exalava um aroma peculiar, uma mistura de feijão cozido, desinfetante e o cheiro persistente de uniforme suado, que se agarrava à malha e parecia não se desprender nunca. As mesas de inox brilhavam sob a luz branca, que refletia um tom meio frio, meio melancólico. Os ventiladores no teto giravam lentamente, quase em câmera lenta, como se soubessem que o calor que proporcionavam nunca seria suficiente para aliviar a pesada atmosfera. Nós sempre nos sentávamos juntos, ocupando os mesmos lugares de forma não oficial, mas que ninguém desafiava. Era uma espécie de tradição estabelecida naturalmente entre nós: eu, Ramos, Mendes, Ferreira e César. — Se eu comer mais um grama dessa carne, eu juro que vou negociar com Deus —
**NARRADO POR LEVI RIBEIRO** O sol ainda não tinha nem sinalizado que ia nascer, mas nós já estávamos no pátio, organizados em filas, respirando aquele ar de madrugada que trazia a mistura de cheiro de ferro, da chuva fria e da promessa de um sofrimento iminente. — VAMOS LÁ, TURMA! — a voz do Sargento Alencar cortou a neblina como um tiro. — BOMBEIRO NÃO NASCE, SE FORJA! E lá estávamos nós novamente. Meu corpo estava dolorido, como se tivesse uma ferida aberta por todo lado. Não havia um único músculo que não estivesse gritando de dor. A sola dos meus pés ardia, como se eu tivesse caminhado descalço sobre o asfalto quente. Mas ninguém se atrevia a reclamar. Abriu a boca? Perdeu. Caiu? Triplicou o esforço. Chorou? Nem pensar. Ao meu lado, estava Ramos um dos poucos que ainda tinha coragem de fazer piadas, mesmo naquela situação. — Se eu sobreviver a mais esse dia, vou pedir uma música no Fantástico — murmurou ele, quase sem mexer os lábios para não ser flagrado. Tive que segura
Encontrei o boneco de treinamento e, com determinação, coloquei-o sobre o meu ombro, atravessando o corredor como se o chão estivesse em chamas e, de fato, estava. Quando finalmente saí daquele espaço abafado, minhas pernas não me sustentaram e eu caí de joelhos, exausto. O sargento se aproximou. Um silêncio pesado pairava entre nós, quebrado apenas pelo som da minha respiração e pelo leve tilintar do apito que ele carregava pendurado no pescoço. — Ribeiro — chamou ele. — Sim, senhor — respondi, tentando me recompor. — Pensei que ia te quebrar. — Quase conseguiu — admiti, com um sorriso nervoso. Ele sorriu de volta, levemente. — Mas não consegui. — Não, senhor — confirmei, aliviado. Nesse instante, ele estendeu a mão em um gesto que parecia um rito de passagem. — Então, bem-vindo ao Corpo de Bombeiros. Agora sim você existe. --- O dia terminou com uma chuva fina que caía serenamente sobre o pátio. Permaneci ali, parado, enquanto olhava para a farda pendurada no varal, se





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