Nunca fomos um exemplo de casal perfeito, daqueles que completam as frases um do outro ou conseguem assistir uma maratona de The Walking Dead sem tentar mudar de canal entre uma morte e outra. Minha melhor e única amiga, Suze, insiste em julgar meus conceitos e, segundo ela, talvez eles não sejam os mais indicados para avaliar o índice de sucesso de um bom relacionamento.
— Esquece a TV e pensa no sexo — Suze dizia quando eu reclamava de Raul sempre dormir no meio do filme ou inventar alguma desculpa esfarrapada para sair. Como da última vez em que Júnior, meu filho mais velho, nos chamou para assistir a um programa de horror bizarro na N*****x, e Raul levantou aos quinze minutos para “visitar a avó”.
— Suze, a avó dele está morta há doze anos — eu até tentava argumentar racionalmente— e enterrada em outro estado, a quase dois mil quilômetros de Brasília.
— Ok, Jennifer, e o sexo? Pensa no sexo.
Suze não conseguia acompanhar meus argumentos racionais. Ela é uma dessas pessoas que acreditam que qualquer problema se resolve na cama, até mesmo os que envolvem uma avó morta e enterrada.
Eu não pensava no sexo porque ele quase já não existia e, quando raramente acontecia era ruim.
Conheci Raul no ensino médio. Eu tinha dezessete anos e ele, dezoito. Estávamos no começo do ano 2003 quando, por algum motivo desconhecido, ele se interessou por mim. Conversávamos durante o intervalo das aulas e trocávamos beijos escondidos nos corredores. Eu não me sentia vivendo uma experiência intensamente emocionante, como acreditava que toda paixão adolescente deveria ser, mas sem nada melhor para fazer, continuei a vê-lo. Certo dia, ele me pediu para ir até sua casa. Suze tentou me alertar o quanto aquela era uma péssima ideia, afinal, eu era uma adolescente curiosa, com hormônios à flor da pele, querendo provar para si mesma que poderia viver um ardente romance.
— É óbvio o que vai acontecer e você é muito jovem, não está preparada para isso. Deveria ficar em casa e ler matérias fúteis sobre como se preparar para o primeiro beijo treinando com uma laranja — ela lia o título da reportagem em uma revista que estava folheando enquanto fazia uma careta de nojo. — E não ir a um encontro com um garoto idiota que só quer transar e depois inventar uma desculpa estúpida qualquer para te dispensar.
— Ele não quer transar comigo, nós vamos ver um filme e conversar — o que posso dizer? Astúcia não era exatamente minha maior qualidade na época.
É claro que Suze deveria ter sido promovida a vidente depois daquela noite. Raul não queria ver nenhum filme. Fomos para a garagem, ele me deitou na caçamba da caminhonete do pai, fez alguns elogios baratos e, depois de alguns beijos, tirou a minha roupa. Eu estava com medo, extasiada e precisava daquilo para me tornar mulher. Não sabia muito bem como agir, então fiquei lá parada e o deixei tomar conta de tudo. Uma péssima decisão, visto que o irresponsável não se lembrou do preservativo, presente de Suze, que eu havia tirado da bolsa momentos antes e colocado em uma das suas mãos.
— É só isso? — perguntei, tentando ignorar uma dorzinha incômoda enquanto ele arfava em cima de mim. Cruzes, que decepção.
Mas, não foi só aquilo. Dois meses depois, como Suze também previu, ele já havia me dado um fora, não estávamos mais nos falando e descobri que estava grávida. Raul não reagiu muito bem quando soube e quis me obrigar a fazer um aborto.
Eu estava confusa e terrivelmente amedrontada, mas queria ter aquele filho, então neguei. Raul então pediu ajuda aos pais, afinal, eles eram advogados eloquentes e persuasivos, aptos a aconselhar uma adolescente incapaz de criar uma criança sozinha. Para minha surpresa, e de todos, eles deram um super sermão no filho sobre estar na hora de crescer e ter responsabilidades, e o obrigaram não só a assumir o bebê, como também a se casar comigo. Considerei isso como um péssimo exemplo de “bem-vinda ao século XXI, Jennifer”.
É claro que eu não queria me casar com Raul, mas não tinha muitas escolhas e, naquele momento, grávida, adolescente e desempregada, o casamento acabou se tornando a única opção visível. A tão esperada noite de aventuras e descobertas emocionantes tornou-se uma vida de rotina e troca de fraldas.
Eu adorava ser mãe, mas ainda estava me acostumando com a ideia de ser esposa quando engravidei novamente, dessa vez de uma menina: Maytê. Aos dezenove anos, com dois filhos pequenos, minha vida se resumia a noites em claro, roupas manchadas de vômito, fitas VHS de musicais infantis com personagens dançantes e irritantemente coloridos. Um combo de todos os dilemas da maternidade e da vida conjugal que ninguém nunca havia me contado. Eu era uma bomba-relógio prestes a explodir a qualquer momento, assim como Raul. O que eu não esperava é que ele detonasse em cima de mim.