Era para ser só mais um jantar de sexta-feira. Desses em que a gente pergunta para os filhos se aprenderam algo interessante durante a semana na escola. Eles respondem sem nem usar a dicção, engolem a comida em meio a algumas caretas, só para se livrarem das próximas perguntas e correm para o carro de algum amigo que desesperadamente buzina no portão.
Mas, enquanto servia a salada no prato do meu marido, notei algo errado.
— Aconteceu alguma coisa? — preparei-me para ouvir a longa história do seu cliente mais recente, que tentava processar uma loja do shopping depois de tropeçar no fio de um aparelho sonoro. Encostei os dois cotovelos na mesa e, meio sonolenta, torci para ele chegar logo na parte onde os envolvidos faziam um acordo.
Raul grunhiu uma resposta e continuou brincando com uma folha murcha de alface por algum tempo, antes de dizer com a voz firme:
— Quero me separar de você.
Ufa! Havia me livrado da extensa e cansativa narrativa jurídica sobre o desastrado da loja, mas, droga… o último episódio da minha série favorita começaria em dez minutos. Não estava nos meus planos lidar com um pedido de divórcio naquele momento, ainda mais na frente de dois adolescentes.
Por um momento, fiquei completamente inerte. Pensei que era algum tipo de brincadeira idiota, ele daria uma risada exagerada, jogaria para trás o seu maravilhoso cabelo e apontaria para as câmeras. Porém, infelizmente, Raul não era um engraçadinho como Marcos, marido da minha irmã, Kate.
Durante uma viagem de férias, Marcos fingiu um ataque cardíaco enquanto faziam sexo e gravou a reação da esposa com uma câmera escondida. Ninguém achou aquilo muito engraçado, exceto o próprio Marcos. Ele dizia que ver Kate correndo em desespero e pelada pelo corredor do hotel, pedindo pelo amor de Deus para alguém chamar uma ambulância, era hilário. Marcos não perdia a oportunidade de mostrar o vídeo para qualquer pessoa, incluindo o pastor da igreja que eles frequentavam. Isso levou minha irmã ao limite: ela encurralou o marido no banho com uma faca, ameaçou matá-lo e exibir o vídeo em um telão durante o velório. Marcos levou muito a sério o aviso e apagou o vídeo. Ele ainda tem uma cópia escondida no computador, nunca contei para ninguém, pois, apesar do senso de humor que beira ao sadismo, gosto do meu cunhado. E também odiaria ser obrigada a visitar Kate na prisão.
Ao contrário de Marcos, Raul não gostava de brincadeiras nem tentava ser um comediante desses sem graça. Era só um idiota insensível e capaz de supor que a maneira menos traumatizante de pedir o divórcio seria fazer isso em pleno jantar de sexta-feira, deixando os filhos boquiabertos enquanto algum amigo buzinava do lado de fora.
No dia seguinte, mais rápido que o tempo de espera da pizzaria do bairro, Raul arrumou suas coisas, pois estava indo para um apartamento alugado e entraria em contato quando estivesse com a cabeça fria. Interpretei aquilo como um sinal de uma separação definitiva, afinal, ele nunca estava de cabeça fria.
— Essas malas são minhas — foi o que consegui dizer ao vê-lo descer as escadas. — Não pode levá-las.
— Você odeia essas malas, já disse uma centena de vezes que elas são horríveis e vive querendo jogá-las fora.
Tudo bem, concordo que coerência não era meu ponto forte no momento. Em minha defesa, ele não tinha o direito de pedir que eu fizesse algum sentido enquanto estava indo embora.
— Mesmo assim — falei cheia de coragem — ainda são minhas.
— Está bem, Jennifer — ele se irritou. — Vou levar minhas coisas para casa e devolvo essas malditas malas. Ou posso usar sacos de lixo, se você preferir.
Na verdade, prefiro sim! Pensei em dizer, desafiadoramente. Em vez disso, resolvi perguntar o que eu já sabia.
— É alguém do escritório?
— Como? — ele tentou bancar o confuso para evitar acabar com as chances de um divórcio amigável, mas se entregou com uma reação exagerada, como sempre fazia quando estava mentindo. — Do que você está falando? Você está sendo ridícula, Jennifer.
— É a Patrícia? — estava mesmo sendo ridícula, mas a verdade é que não sabia como agir. Eram minhas primeiras horas de mulher abandonada pelo idiota do marido. Eu precisava saber a verdade ou pelo menos parte dela.
— Escuta, Jennifer, estou infeliz — ele soltou as malas no chão ao lado da porta e segurou meus ombros de jeito passivo-agressivo, fingindo carinho enquanto me apertava com força. — Se você quer realmente saber, é a Patrícia. E também a Raquel, a Mônica, a Gisele e qualquer outra mulher capaz de fazer com que eu me sinta vivo. Não aguento mais essa prisão. Preciso sair enquanto ainda tenho tempo, vou enlouquecer se continuar vivendo com vocês.
Eu poderia xingá-lo, tentar estrangulá-lo ou rasgar sua estúpida camisa, uma que, por sinal, eu havia comprado, lavado e passado. Entretanto, eu já não queria fazer nada. Naquele momento, me dei conta de que a mentira em que estive vivendo todos aqueles anos estava se acabando. E, assustadoramente, fiquei aliviada.