Alejandro AlbenizXimena não precisou me pedir duas vezes, apenas pedi para ela repetir, que era para ter certeza que eu ouvia certo. Sem pestanejar ou ter qualquer sombra de dúvidas, acatei com prazer seu pedido de ir morarmos juntos, a euforia tomou conta de mim, que até suportaria olhar para cara da minha família, desde que seja para eu pegar minhas coisas. Enfiei mais uma camiseta na mala e senti o zíper reclamar pelo volume de roupas contido ali dentro, mas não tinha tempo para pensar nisso. Analisei rapidamente ao redor, ódio correndo em minhas veias… Quarto enorme, closet cheirando a lavanda cara, tapete que afundava sob os pés de tão macio, e nada disso tinha gosto de lar. Hoje, menos ainda. Eu só queria meter tudo num saco de lixo, jogar no carro e sumir. Até que, antes que eu tivesse a chance de fazer qualquer outra coisa, atrás de mim surgiu Mercês. Seu salto fazendo clac‑clac no piso me dava nos nervos, parecia que cada passo dela criava eco nos meus ouvidos. Fosse a rai
Ximena Valverde Eram seis da manhã, por conta do inverno, ainda estava um pouco escuro. Acordei com o barulho do despertador, passei a mão por toda a extensão do colchão e Alejandro não estava mais ao meu lado na cama. Tinha um som de alguém fazendo esforço físico vindo do lado de fora e olhei pela janela. Alejandro fazia flexão batendo palma, lavado de suor, vestido com calça de moletom e sem camisa. — O que é isso? Seduzindo a vizinhança? — falei divertida, me aproximando de onde ele estava.— Bom dia… Amor! — me olhou e disse quase sem fôlego, mas continuou fazendo seu exercício.— Muito bom dia! Vou fazer nosso café. Alejandro ainda ficou um bom tempo lá fora se exercitando, deu tempo de fazer o café e me arrumar para o trabalho. Estava arrumando a mesa, quando ele saiu do banheiro de banho tomado, cheirando a sabonete, desodorante masculino e testosterona.— A louça é sua. — avisei.— Justo. Mas vou avisando que vou hoje mesmo comprar uma lava louça para essa casa. — Preguiço
Ximena Valverde No caminho para casa, vim reclamando com Alejandro. Aquele não era o momento de falar isso com meus pais. E o pior foi a reação do meu pai. Quando o senhor Pedro falava, falava e falava era sinal de que em algum momento tudo ia ficar bem. Entretanto, quando ele se calava, era porque ele ficou realmente chateado.Agora, sim, teríamos que ir à casa dos meus pais com mais calma e conversar com eles sobre como as coisas aconteceram. Porque mesmo sendo dona do meu nariz, não gostava de ver a decepção estampada no rosto do senhor Pedro.Alejandro entendeu que foi impulsivo, no entanto, ele estava mais interessado em saber como foi que me acidentei. Eu mesma estava muito confusa, porém, não iria ficar fomentando besteiras, nem eu sabia ao certo o que tinha acontecido. Não falei que achei ter visto o Iker e muito menos que parecia que o carro foi jogado em cima de mim de propósito. Em sua insistência em saber exatamente o que aconteceu, pois aparentemente não se convenceu da
Ximena ValverdeA campainha tocou e eu estranhei. Ninguém costumava aparecer ali sem avisar. Quando olhei pela janela ao lado da porta, vi uma mulher bonita, bem vestida, na faixa dos quarenta e cinco anos, com o cabelo preso num coque impecável, um cigarro entre os dedos e uma expressão de nojo ao olhar em volta.Imediatamente, ao olhá-la de cima a baixo, pois ela estava meio distante da porta, foi como se sobre minha cabeça se acendesse uma lâmpada, com uma memória desagradável: a esposa do senhor Albeniz. A mesma que, meses atrás, escancarou a porta da sala de reuniões da Granafly e me expôs como se eu fosse um troféu barato.Com o estômago revirando só de pensar em ter que olhar na cara dela, pensei que ela poderia ter vindo procurar o Alejandro, mas aí lembrei que ele tinha me dito que não avisou ao pai, nem a essa mulher para onde ia. Sem deixar de mencionar que era horário comercial, ela deveria imaginar que o enteado estaria na empresa, o que me deixou ainda mais curiosa sobre
Alejandro Albeniz Eu adiei demais essa conversa, agora corria o risco dela pensar que só contei porque iria ser descoberto, o que de certa forma, acabava sendo uma verdade, mesmo que eu já tivesse decidido contar a Ximena antes, mas acabei protelando e agora estava com a corda no pescoço.Entrei no quintal da casa e Lito veio feliz me receber, então lhe fiz um carinho, ele estava na sua nova casinha. Quando entrei na sala, vi o compilado de caixas dos utensílios que havíamos comprado e Ximena ao fundo da sala, de pé e feição destruída, olhos vermelhos e inchados, com os cabelos por trás das orelhas. Não queria imaginar o pior, foi só quando vi minhas malas à direita, jogadas ao chão, que confirmei que o que eu mais temia, tinha se concretizado.— Ximena, o que é isso? — perguntei, mesmo já sabendo do que se tratava.— Suas malas, seus utensílios críticos, não está reconhecendo? — mesmo visivelmente triste, ela usou de ironia.— Eu iria te contar, fiquei esperando o melhor momento. Ju
Ximena ValverdeEra inverno, mas a segunda-feira amanheceu abafada, pesada, como se o céu soubesse do que estava por vir. Acordei decidida. O fim de semana tinha servido para muita coisa, inclusive para entender que não podia continuar trabalhando lado a lado com Alejandro. Não depois de tudo o que descobri.Ao sair de casa, coloquei no carro todas as compras que Alejandro havia feito para mim e minha casa, sem nem me importar em arrumar direito. Minha vontade mesmo era de colocar tudo num saco e queimar no quintal, mas isso era pouco. Ele precisava ver com os próprios olhos que não podia me enganar. Não queria nada dele por aqui.Para caber toda a parafernalha elétrica que ele comprou, tive que deitar o banco do Terraco, principalmente as duas lavadoras, fui espremida no banco do motorista, a sorte foi que a marcha desse carro era no volante, senão estaria ferrada, não tinha espaço para nada.Quando cheguei à empresa, estacionei o carro de Alejandro na vaga dele. Uma provocação, talv
Ximena Valverde Eu pensei em passar uns dias na casa dos meus pais, porque talvez lá, Alejandro tivesse um pouco de vergonha de vir atrás de mim. No entanto, ele aprovou minha mudança para o hangar de voos fretados, e melhor do que ele me incomodar no meu trabalho, era ele vir aqui em casa e a gente pôr uma pedra no assunto. Quero dizer, uma pedra no nosso relacionamento, porque o assunto ia demorar muito para ser encerrado.E como era de se esperar, um barulho de chaves me chamou a atenção e fui verificar. Alejandro estava entrando na minha sala, mas eu não queria brigar. — Desculpa ter entrado, seu pai disse que iria trocar a fechadura, mas você não o fez, então… — ele pareceu sem graça ao notar minha presença assim, logo de cara.— Eu estava na Granafly quando o chaveiro apareceu. Ele ficou de voltar à tarde, mas até agora não veio. — respondi secamente. — Não precisa, vou deixar as chaves que você me deu aqui, e fica tranquila que não fiz cópia.— Está bem, é só isso?— Não. Ta
Ximena ValverdeAinda era cedo quando a campainha tocou. De pijama e com os cabelos presos em um coque frouxo, caminhei até a porta com certa estranheza. Não esperava ninguém, muito menos a essa hora da manhã. Ao abrir, dei de cara com um entregador uniformizado, segurando uma caixa grande com o selo da Granafly estampado na lateral.— Para a senhorita Ximena Valverde. — disse ele, me entregando a encomenda.Mesmo achando isso estranho, recebi e assinei o recebimento com uma pontada de curiosidade. Estava se aproximando o Dia do Trabalhador, talvez a empresa estivesse distribuindo brindes comemorativos, o que seria bem comum. Devolvi um sorriso simpático ao rapaz, agradeci e fechei a porta, levando a caixa até a mesa da sala.O pacote era maior do que eu imaginava e pesado demais para ser apenas uma lembrancinha, com algo sólido dentro. Talvez uma peça decorativa, uma porcelana ou até mesmo um kit de escritório. Com cuidado, fui até a cozinha pegar uma faca, cortei a fita adesiva do t