Mundo de ficçãoIniciar sessão
Ariana Luna sempre acreditou que o barulho do mar tinha o poder de alinhar qualquer pensamento.
Naquela manhã dourada no Leblon, ela corria como se estivesse fugindo de si mesma — o sol estava nascendo atrás dos prédios, pintando o asfalto de laranja enquanto a brisa leve batia contra sua pele suada. O rabo de cavalo alto do seus longos cabelos pretos e lisos, balançava, os fones tocavam "Girl on fire", que fazia parte sua playlist preferida e acompanhavam seus passos firmes e ritmados. Ariana parecia uma daquelas mulheres de comercial — e, ironicamente, era ela quem os criava. Ela era quem escrevia, aprovava e dava vida aos comerciais que marcavam tendências no país. Seu relógio vibrou. Sete notificações da agência. Ela riu com o canto dos lábios. — Mal comecei o dia, gente… Ariana brilhava no caos. Vivia dele. Terminou a corrida e parou no quiosque da Neide, um ponto obrigatório na sua rotina. Pegou um coco gelado, tirou o óculos de sol para enxugar o rosto, e algumas pessoas olharam para ela como quem reconhece uma influencer famosa — bem vestida, bonita, aquela energia magnética de quem já deu certo na vida. — Tá com cara de quem dormiu pouco — disse Neide. — Pra variar — Ariana respondeu, piscando. Depois da corrida, ela voltou para casa, caminhando entre turistas, surfistas e gente indo para o trabalho. Entrou no prédio, cumprimentou seu Jair, o porteiro com aquele bom dia animado dela e subiu para o apartamento no 18º andar, como ela chamava, seu pequeno santuário suspenso sobre o Rio. Nao tão pequeno né, já que era um belo apartamento de 113 metros quadrados. Ao abrir a porta, um cheiro leve de capim-limão a recebeu. O apartamento era exatamente como ela: clean, moderno, luminoso e cheio de personalidade. A sala integrava tudo: paredes brancas com quadros coloridos de arte abstrata, sofá amplo bege com mantas de linho e uma estante alta com livros de publicidade, romances e plantas que ela fingia que sabia cuidar As janelas enormes deixavam o sol da manhã invadir cada canto da varanda. A varanda era o seu lugar preferido, com uma rede bege, algumas velas, um tapete de sisal e uma vista que pegava a praia e um pedaço da lagoa. Ali, ela se sentia acima do mundo. A cozinha americana, era moderna e totalmente automática, mas ela quase nunca usava, só para preparar o seu smoothie de todo dia. O elevador marcou 18 andar, Ariana entrou correndo em casa e logo foi para a cozinha preparar o seu smoothie enquanto abria a videochamada. — Até que enfim apareceu! — reclamou Julia, mostrando o bebê pulando no berço. — Mamãe queria falar com você ontem! —Ai maninha, reunião até tarde que esticou para uma baladinha, sabe né — Ariana disse, esfregando os olhos. — Mas estou viva. E vocês? — Cansados, felizes… e morrendo de saudade de você. Um aperto quente subiu pelo peito de Ariana. Família longe demais. Amor longe demais. Mas trabalho… Ah, esse sempre estava perto. Sempre pedindo atenção. — E aí, Ari — Julia perguntou com aquela sobrancelha levantada — como anda sua vida amorosa? Ariana riu enquanto colocava o smoothie no copo de vidro, com uma rodela de limão na borda — mania de quem aprendeu a gostar de estética. — Amor não paga boletos, Ju. — Você tem boletos demais pra uma mulher tão linda, né? — a irmã provocou. O celular vibrou de novo. Ligação da agência. Ariana fez uma careta. — Tenho que atender. — Vai, publicitária milionária — Julia disse, rindo. Ariana desligou e atendeu o outro número. — Ari — disse o chefe, direto e sem respirar — temos um problema. Fechamos um grande contrato com a Nature e eles já querem gravar uma campanha em Carapá, na Amazônia, para lançar a nova linha de produtos a base de Andiroba. — Querem você na criação e na filmagem. A equipe parte amanhã cedo. Ariana parou de respirar por um segundo. Amazonas. Carapá. A cidadezinha perdida entre rios onde ela cresceu, onde todos se conheciam, onde a produção de andiroba era o orgulho local. Onde ela era o patinho feio. Onde seu coração ficou preso para sempre nos olhos castanhos de um garoto. Eduardo. O nome bateu nela como um vento forte. — Ariana? — o chefe chamou. — Você está aí? Ela pigarreou, recuperando o profissionalismo. — Claro. Só preciso ajustar minha agenda. Mas acredito que consigo. — Ótimo, vocês embarcam amanhã. Te mando tudo no seu e-mail. Quando a ligação terminou, o silêncio do apartamento pareceu maior do que o normal. O smoothie tremia na sua mão. Carapá. Depois de duas décadas. Voltaria a pisar nas ruas de terra, ouvir o sotaque arrastado da infância, sentir o cheiro de andiroba sendo prensada nas casas das famílias... E, inevitavelmente, reencontrar ele. Eduardo. Seu amigo. Seu protetor. Seu amor impossível. O menino bonito que ela amou por toda a vida. Ariana encostou na bancada de mármore, respirando fundo. — É só trabalho… — sussurrou. Mas a verdade ardia na garganta. Alguns amores não acabam. Eles apenas ficam adormecidos. À espera da primeira oportunidade de acordar. E agora, com uma única ligação, o dela tinha acabado de despertar.






