Nada Será Como Antes

THEO

Desde que a vi esta tarde, não consigo tirá-la da cabeça. A forma como controlou a situação com aquele dom poderoso, sua expressão séria em contraste com aquele rosto delicado… E aquele cheiro. Laranja com hortelã. Tudo nela, mexeu comigo de um jeito que nem sei explicar.

E, por mais estranho que pareça… me lembra alguém. Familiar. Perigosamente familiar.

Mas o que está acontecendo comigo? Por que ela ocupa meus pensamentos dessa forma?

— Papai, você tá me ouvindo? — Ayla me chama, me puxando de volta à realidade.

— Claro, meu docinho. Só me distraí por um segundo. Mas, pelo que escutei, seu dia foi incrível, certo? — tento retomar a conversa, fingindo naturalidade. Mesmo ainda com ela,a mulher dos cabelos roxos,estampada nos meus pensamentos.

Nem com Aurora isso aconteceu. Nunca assim. Nunca desse jeito.

—Sim. Minha professora Cami tem meu selo de aprovação de MELHOR PROFESSORA DO UNIVERSO!! — ela grita animada, me fazendo rir

Ayla não simpatiza com ninguém facilmente, gostar dessa professora me deixa meio preocupado

— Essa professora Cami, ti da aula de que matéria filha?

— Hipnose. Ela disse que eu sou incrível. Me elogiou um montão papai. — diz toda convencida. Realmente,não sei a quem essa menina puxou

Mas agora sim,faz sentido ela ter amado essa tal professora.

— Então,quer dizer, que minha filinha é uma aluna extraordinária ? — bajulo mais um pouquinho

— Isso mesmo, papai! Agora, será que o senhor pode me levar na casa da tia April? Eu queria fazer a noite do pijama com as meninas — diz com aquela carinha de anjo que ela sabe que me desmonta.

Sete anos. Minha filha só tem sete anos e já tenta me manipular como as tias.

— Hoje não. Amanhã tem escola e os quadrigêmeos estão doentinhos. Mas podemos ver se sua tia deixa as meninas irem brincar lá em casa. Que tal?

— SÌ! Era isso mesmo que eu queria, papaaa! Grazie! — ela grita animada, quase estourando meus tímpanos. — Mas no fim de semana, a noite do pijama vai acontecer com as tias Seff, Nella e Nina, tá bom, papai?

— E eu tenho escolha?

— Claro que tem: deixar… ou dizer sim!

Ela já nasceu Castro, com todas as artimanhas do clã.

— Por que você tá tão igual às suas tias? Seff e Nella não são boas influências, Ayla. Fique longe delas. — digo fingido seriedade.

Ela ri, aquele riso solto que me desarma.

— Só porque a tia Seff sabe te manipular e a tia Nella te inferniza, papai?

— Aonde você aprendeu essas palavras, Ayla Russo Castro? — pergunto, horrorizado.

— Minhas tias falaram. — ela dá de ombros, inocente. Até mudar a expressão para espanto e tapar a boca com a mãozinha— Opss! Era segredo…

— Eu vou matar a April e a Antonella.

Chegamos na casa da minha irmã e entramos direto. Com April, bater na porta é inútil.

Lá em cima, ouço os choros dos bebês.

— Irmã? — chamo da sala.

— Aqui em cima — responde ela, num sussurro exausto.

Ayla corre para a brinquedoteca, e eu subo. Encontro April no modo mãe acabada: suja de vômito, descabelada, com os olhos vermelhos,de cansaço… mas linda como sempre. O tipo de beleza que só as mães exaustas têm. É uma força silenciosa, invencível.

— Precisa de ajuda, Seff? — pergunto,pegando um dos bebês. Ela, sempre atenta a tudo, já corre pegar um pano pra eu não me sujar.

— Sempre,irmão ! — responde, sorrindo agradecida

Olho para os lados e pergunto

— Cadê o Gabriel?

— Teve que ir até a empresa. Parece que Camillo apareceu do nada e fez a maior confusão. Meu marido não queria nos deixar sozinhos, mas eu insisti. Já que todos estavam dormindo quietinhos. Mas claro, todos acordaram juntos e resolveram vomitar ao mesmo tempo.

— Mas o Camillo e o tal tio do Gabriel não tinham sumido?

— Sumido, voltado, ressuscitado… sei lá. Só sei, que agora querem tirar o Gabriel da presidência. Como se eles fossem conseguir. — ela sorri, mas tem algo ameaçador naquele sorriso.

— Então, o que acha do seu super irmão favorito ficar com os bebês enquanto você toma um banho e descansa? Vai precisar da energia pra madrugada.

— THEO CASTRO, você é meu herói! — diz, e desaparece antes que eu possa mudar de ideia.

Nunca vi minha irmã correr tão rápido para longe dos próprios filhos.

Não consigo evitar uma risada diante do cenário invertido.

Alguns anos atrás, era eu quem estava perdido, um pai despreparado com um recém-nascido nos braços. E lá estavam Seff, Colin e Rodrigo, meus irmãos trigêmeos de apenas 14 anos, se revezando entre mamadeiras e livros sobre “como cuidar de um bebê”, só para me ajudar a cuidar da Ayla.

— E aí, garotão… como foi que você pegou essa gripe, hein? — murmuro para o bebê adormecido nos meus braços.

Sento na poltrona de balanço e ponho o pequeno deitado em meu peito de barriga para baixo. Acho que é o Rafael . Nunca sei quem é quem, já que ele e o Nikolas são iguais. Assim como as meninas, não dá pra saber quem é a Melina ou a Luna. Relaxo por alguns minutos. É estranho… Meu corpo descansa, mas minha mente volta para ela. A mulher da escola. Hoje à tarde, quando fui buscar a Ayla, senti o olhar dela vindo da janela da sala. Por um instante, tudo em mim quis correr até onde ela estava, mas me contive. Não podia fazer isso,não podia correr o risco de assustá-la.

Tem algo diferente em mim desde então. Desde o momento em que a vi pela primeira vez, algo despertou dentro de mim,algo que eu ainda não consigo entender.

Talvez seja a forma como ela me olha ?

Os olhos dela… como se me enxergassem por dentro. O Theo verdadeiro!

Será que a verei de novo?

Quando April volta,horas depois. Já renovada, me encara com desconfiança.

— Que cara é essa? Pensando na Aurora de novo?

Queria que fosse tão simples.

— Não, Seff. É outra coisa… Mas deixa pra lá. — mudo de assunto rápido. — Descansou?

— Demais, irmão. Você é o melhor. E esses aqui? Deram trabalho?

Ela realmente parece bem melhor. Incrível como um banho pode transformar alguém.

— Estão todos quietinhos. Principalmente esse garotão aqui. — digo, colocando o bebê no berço, ao lado dos irmãos.

— Rafael é mesmo o mais calminho.

Ah, então era mesmo o Rafael. Eu sabia,desde o início!

Ela percebe que eu não fazia ideia de quem era o bebê no meu colo e ri, balançando a cabeça.

— Que foi? — pergunto, tentando bancar o inocente.

— Nada, irmão. — responde sarcástica, com aquele sorriso debochado. Depois cochicha, rindo — Sonso…

Já são três da manhã quando escutamos movimentação no andar de baixo.

— Parece que chegaram. — digo, vendo minha irmãzinha correndo para a porta.

Quando foi que ela cresceu tanto?

— Biel! — ela se j**a nos braços do marido.

— Estamos aqui também. — Matteo resmunga, enciumado.

Daniel, Giovanni e Matteo: os três guardiões que ela trouxe pra Boston e, claro, primos de seu marido.

— Eu vi! — diz ela, sorrindo, e beija a bochecha de cada um com carinho.

Sempre tive ciúmes da proximidade dela com esses três. E quando meu cunhado apareceu, meu ciúme atingiu outro nível,virou raiva. “Quem esse idiota pensa que é pra roubar minha irmã de mim?” eu pensava. Mas fazer o quê? Minha menininha cresceu. Tive que aceitar. Todo mundo diz que um dia vai ser a vez da minha filha. Isso, porém, eu jamais vou deixar acontecer.

— Ei, Theo, vamos dar um pulo na boate nova que o Matteo abriu em Nova York. Vai com a gente? — Giovanni pergunta animado.

— Melhor não. Tenho que levar a Ayla pra casa. — invento uma desculpa na hora.

— Ah, qual é, cunhado. Ayla tá dormindo! Deixa ela aqui e vai se divertir um pouco. — Gabriel insiste.

— Eu concordo, irmão. Já falamos sobre isso. Você também precisa viver. Não dá pra se esconder pra sempre atrás do papel de pai. O verdadeiro Theodoro Castro pegador faz parte de você. — diz April, suave, mas firme.

— E eu não sou o verdadeiro Theo agora? — pergunto, fingindo me ofender.

— Você sabe que não. — ela responde com um brilho triste nos olhos.

Tudo mudou depois da morte da Aurora. Minha mulher era minha luz. Quando ela se foi, levou com ela o meu riso, minha leveza. Sobrou só o lado responsável e protetor. Foi assim que aprendi a ser pai. Minha única alegria agora é a Ayla. E, claro, ver minha mãe brigando com meus irmãos por qualquer besteira que aqueles idiotas fazem.

— Tá bom… Mas qualquer coisa, me liga. Se a Lala acordar com falta de ar ou se a rinite atacar, dá dois jatos de… — April me interrompe

— Theo, eu sou médica. Se orienta, babaca! — ela diz e revira os olhos.

Às vezes esqueço disso também. Minha irmã,uma grande cirurgiã, com especialização em quatro áreas: cardíaca,neuro,geral e ortopédica. Meu orgulho.

— Tá bom. — digo, beijando sua testa e me despedindo a distância do meu cunhado.

— Bora nessa, porra! Essa noite promete! — Giovanni vibra.

— Se cuidem! — grita April da porta.

— E não engravidem ninguém! — completa Gabriel, alto.

Os três começam a reclamar da besteira que o primo falou, como sempre.

NA BOATE - NOVA YORK

Uma hora de viagem, correndo até a nova filial da Boate Orfeu. Esse lugar esta lotado,todos ali fedem à fumaça, suor e álcool. Porém,a música alta até que é legalzinha. Não é o meu cenário, mas a energia daqui tem algo… libertador. Como se por uma noite eu pudesse ser apenas Theo, e não o pai viúvo, o vampiro em alerta constante, o irmão superprotetor.

— Senhores, foi um prazer estar na companhia de vocês, mas agora estão livres. Vão se divertir! — diz Matteo com uma risada, virando uma garrafa de cerveja que, sinceramente, nem sei de onde ele tirou.

— Já que você insiste, irmão… — responde Daniel com um sorriso malicioso, o olhar fixo em uma garota no bar.

— Eu tô indo nessa. — diz Giovanni, encarando o camarote, onde três meninas já o esperam.

— Se comporta, senão sua irmã me mata. — comenta Matteo, antes de completar — Vou pra minha sala, tô atolado de trabalho acumulado.

— Você não vai curtir a festa? — pergunto, sem entender muito bem qual é a dele.

— Claro que vou. Mas antes, preciso trabalhar. A viagem de Seff, na semana passada, atrasou tudo por aqui.— ele me olha sério por um momento — Conselho de amigo: Aproveita como se fosse o último dia. Vai saber se amanhã sua família não se mete em outra guerra — diz Matteo antes de subir pro escritório.

Isso me faz pensar… Fazer parte da família que faço significa que uma guerra pode estourar amanhã, ou até mesmo,daqui uma hora.

Pego uma bebida e começo a observar ao redor. A música agitada, curiosamente, me acalma. Ver a vida mundana dessas pessoas me dá esperança… esperança de que, talvez um dia, eu também possa ser livre como elas.

E então, acontece.

Tudo muda ao meu redor.

Sinto o cheiro antes mesmo de vê-la. Laranja e hortelã. Meu corpo inteiro entra em alerta, como se os instintos mais antigos fossem ativados. Olho ao redor, procurando, até que… lá está ela.

Linda.

Jaqueta de couro preta. Calça jeans justa. Camiseta de banda. All Star de cano longo. E aqueles cabelos roxos revoltos.

Perfeita.

Nossos olhares se cruzam, e o mundo para. O tempo dobra. Os olhos dela se arregalam, me reconhecendo. Eu sei que ela também tá sentindo. É algo vibrante, intenso,pode se dizer até mesmo sufocante... Estar longe dela é definitivamente sufocante.

Seu semblante assustado,intrigado,admirado e lá no fundo esperançoso, como o meu,revela que ela também está me sentindo.

Um arrepio. Uma faísca. Um sussurro inteiro dizendo — Ela é sua. Sua escolhida.

A partir desse momento, tudo mudou em mim.

E nada mais será como antes.

Continue lendo este livro gratuitamente
Digitalize o código para baixar o App
Explore e leia boas novelas gratuitamente
Acesso gratuito a um vasto número de boas novelas no aplicativo BueNovela. Baixe os livros que você gosta e leia em qualquer lugar e a qualquer hora.
Leia livros gratuitamente no aplicativo
Digitalize o código para ler no App