CAMILY
Nosso primeiro dia de aula foi menos caótico do que eu imaginava. Minha turminha do primeiro ano é encantadora. E preciso dizer: Sofia, Giovanna e Ayla são simplesmente incríveis. Não possuem o dom da hipnose como alguns, mas têm algo ainda mais poderoso. Nossa presença, nosso cheiro, nossa energia, tudo em nós pode ser hipnótico para os humanos. No caso dos lobos, até o olhar carrega esse poder. E essas três… ah, essas três vão dominar qualquer um que quiserem. — Alguém sabe me dizer qual é o principal segredo para hipnotizar uma pessoa? Ayla levanta a mão, com aquele brilho nos olhos que só quem nasceu especial tem. — Sim, Ayla? — Normalmente… é a pessoa querer. Minha tia diz que humanos só podem ser hipnotizados se quiserem ser. Antes que eu pudesse elogiar, Sofia interrompe, continuando a linha de raciocínio da prima: — Mas ela também diz que há brechas. Principalmente pra nós. — Se usamos nossa beleza, nosso cheiro, nossa convicção… conseguimos qualquer coisa deles — acrescenta Giovanna, com segurança. — Com outros como nós é mais difícil, mas não impossível. Eu sempre consigo com meu pai — finaliza Ayla rindo. Caio na risada. — Claro que consegue, querida. Estão certíssimas. Parabéns, meninas. Sua tia ensinou muito bem. — Ela é tia da Ayla e nossa mãe — diz Giovanna com um sorriso cheio de orgulho. — Entendi! — sorrio, impressionada com a maturidade dessas crianças. — Muito bem, hora da prática. Dividam-se em duplas! — grito animada enquanto todos correm para encontrar seus parceiros. — Vocês terão que “hipnotizar” seus colegas usando suas habilidades dominantes. Nada de brincadeirinhas. Levem a sério. Quando eu disser “TROCA”, é a vez do outro tentar. Certo? — CERTOOOO! — gritam em coro, cheios de energia. A atividade foi um espetáculo. Rimos até doer a barriga. Tinha criança imitando galinha, sapo, coelho… E Ayla, sempre ousada, fez seu colega Austin bater uma mão na cabeça e a outra na barriga enquanto dava pulos de três metros. Três metros! — Ok, está ótimo por hoje! Estou impressionada com o talento de todos vocês. Amanhã quero ver mais desse potencial brilhando! — Combinado, professora Camily! — disseram em uníssono. A aula terminou e todos correram em direção à saída, ansiosos para encontrar os pais. Fiquei sozinha, recolhendo minhas coisas devagar, deixando aquele sentimento doce me invadir: eu finalmente me encontrei. É isso, eu nasci para ensinar. Pra ser professora. Só demorei um pouquinho pra perceber. — Ei, amiga. Amanhã começam as reuniões com os pais. Primeiro horário é com minha prima e o marido. Depois você dá aula, Stefano atende os pais da Nala, e às 13h em ponto, você recebe o pai da Ayla. Pode ser? — Perfeito. Os pais das minhas três estrelas. — sorrio. Penso por um momento. Será que devo perguntar ? Justamente pra Annabel ? Ela está saindo da sala quando a chamo — Ei amiga ? Sabe aquele homem que estava na entrada da escola hoje? Alto, forte, cabelo escuro… — deixo escapar mais do que eu queria. Annabel me lança um olhar cheio de malícia. — Nem começa, Bell. Eu só… gostei do sapato dele. Queria mandar um igual pro meu irmão. Não posso ignorar a formatura dele.— Falo a primeira coisa que vem a minha cabeça. — Sapato? Sério, amiga? — ela ri debochando. — Sim, diretora Esposito. Algum problema com minha análise fashion? — respondo, fingindo profissionalismo. — Nenhum, professora taradona! — ela diz antes de sair correndo pelo corredor. — ANNABEL, VOLTA AQUI, SUA DESGRAÇADA! — corro atrás dela, mas desisto quando ela desce para o primeiro andar. Volto pra minha sala, abro o frigobar e pego minha garrafinha de sangue. Minha sede é diferente da dos outros vampiros. Quando ela vem, não consigo me controlar. Por isso,preciso estar sempre preparada. Sempre ando com uma garrafinha térmica com sangue fresco para domar minha “fera interior “, como Annabel apelidou minha sede. Vou até a janela pra ver o pôr do sol. Desde criança, eu e Vicenzo,meu irmão mais novo, somos obcecados pelo nascer e o pôr do sol. Esses são os dois horários do dia que eu me sinto mais perto dele. E então, algo me atrai lá embaixo. Como se um ímã puxasse meus olhos. Ele. O homem que não saiu da minha cabeça o dia inteiro. O homem que me deixou fora do eixo só com seu olhar. O olhar dele… cravado em mim. Era como se ele soubesse de tudo. Profundo. Intenso. Sedutor. Merda. Não. Não vou cair nessa de novo. Afasto-me da janela como se tivesse me queimado. Pego minhas coisas e vou direto para o meu dormitório no último andar,do último prédio. Nossa casa improvisada. Onde eu, Bell, Stefano e Caitano moramos. Uma sala grande,uma cozinha moderna,porém inútil,pra quatro vampiros e nossos quartos. Eu amo morar aqui. Com meus amigos, nessa cidade linda… é incrível. É nosso lar. — Cami, é sua noite de escolher o que vamos fazer na “noite dos que não dormem”! Qual vai ser a loucura de hoje? — pergunta Stefano, como se fosse um adolescente em corpo de adulto. — Pensei em um cardio leve… tipo correr até Nova York e passar a noite lá. Topam? A gritaria é imediata. — A-M-E-I! — Caitano vibra. — Conheço uns lugares maneiros lá — Stefano comenta. — Claro que conhece — resmungo, debochada. — Que isso, gata. Não precisa ter ciúmes. Sou todo seu — diz ele, me abraçando. — Que pena pra mim, então — digo rindo. — Segunda facada no meu coração morto só hoje — dramatiza ele. Bell entra, com os braços cheios de sacolas. — Que porra é isso tudo? — pergunto assustada. — Presente pra você! Minha prima comprou umas coisinhas que você vai precisar. Achei que ia ajudar na sua adaptação. Só coisinhas essenciais,eu juro. Os dois meninos começam a procurar as carteiras desesperados,quando não acham nada de diferente,olham pra irmã. — Por favor, diz que não foi o meu cartão… — Caitano pergunta mais pálido do que o normal. Olha pra mim com um sorrisinho cretino,mas seus olhos apavorados — Não que eu me importe de pagar qualquer coisa pra você,minha deusa do submundo. Mas minha prima, no shopping, com um cartão é a coisa mais assustadora que eu já vi. — Você tem que ver,quando Seff rouba meu cartão todo ano pra se presentear no aniversário. Eu viro um rico falido,minha querida — stefano fala — Relaxa, foi dos dois. Assim ninguém surta sozinho.— Bell fala animada— Nossa anjinha é super especialista em Boston,Massachusetts e tudo isso. Aí nessas sacolas tem tudo que você realmente precisa pra se “enturmar”— ela diz, me entregando as sacolas para fazer aspas na palavra enturmar. Será que ela acha que sou antissocial? Pelo menos, antes eu não era. Nunca parei pra pensar nisso na verdade. — Obrigada, amiga. Mas essa “especialista” parece perigosa demais — falo, observando o terror estampado na cara dos meninos. — Relaxa, eles são só exagerados. Minha prima é incrível,você vai ver amanhã. Esses dois só estão traumatizados porque, no ano passado, zoaram tanto ela junto com nosso primo Theo que ela se vingou com um feitiço: pegou os cartões do bolso deles, levou eu e a Nina pro Spar, e depois fomos nas lojas mais caras da Itália até ela zerar a conta dos dois. Já o Theo, até hoje é obrigado a fazer tudo que ela manda. Ele foi o único esperto e fez um acordo com ela. — Por isso nunca mais discuti com a Seff — Stefano confessa. — E eu ainda tô tentando descobrir como impor respeito aqui,com esses dois brutamontes — Bell diz, olhando pros irmãos. — Nem adianta tentar — os dois dizem juntos. Aquela dinâmica entre eles sempre me arranca risadas. A gente pode não ser uma família tradicional, mas somos de verdade. — Vou tomar banho. Quero chegar cedo em Nova York. — Precisa de ajuda, minha deusa? — pergunta Caitano, como sempre. — Vai sonhando, bonitão. — Seu desejo é uma ordem — ele responde, antes de se afastar. Cafajeste. Sozinha no meu quarto, no silêncio, ele invade meus pensamentos de novo. Aquele homem. Aquele olhar. — Não, Camily Isabel. Você não vai pensar esse tipo de coisa. Esquece esse cara agora, garota. Mas como esquecer aqueles olhos de mel tão intensos, tão perturbadoramente irresistíveis?