6. Distância segura

Ele se chamava Daniel.

Alto, sorriso fácil, jeito leve de conversar. Era primo da vizinha da frente e, desde o primeiro bom dia trocado na calçada, parecia fazer questão de estar sempre por perto. Nada insistente — só presente. E, talvez por isso, eu tenha permitido que ele se aproximasse.

Naquela sexta-feira, Ana Clara foi brincar na casa da amiguinha, e Gael estava fora o dia inteiro, em reuniões. Daniel apareceu no portão com um sorvete e uma conversa mole.

— Vai recusar um convite para fugir da rotina?

Eu sorri, hesitante. Mas aceitei.

**

Fomos até uma pracinha simples, com bancos sob árvores e uma barraca de milho assado. Conversamos por mais de uma hora. Daniel falava de música, filmes antigos e da infância em cidade pequena. Eu me sentia leve. Ria com facilidade. E por um momento, esqueci do mundo que deixei naquela casa.

— Gosto do seu jeito — ele disse, quando o sol já começava a cair. — Você tem uma calma... que dá vontade de ficar perto.

Senti minhas bochechas corarem. Baixei o olhar, sem saber o que responder.

Daniel aproximou-se. Estava tão perto que senti o cheiro suave do perfume dele.

— Posso?

Era um pedido de beijo. Claro, simples, direto. Eu hesitei. Algo dentro de mim piscava em alerta — não por medo dele, mas por outra presença invisível. Um nome. Um homem. Um olhar que não deveria estar na minha cabeça naquele instante.

— Eu... acho que é cedo — respondi, com sinceridade.

Ele assentiu, educado.

— Tudo bem. Mas o convite fica no ar.

**

Cheguei em casa no fim da tarde. Ana Clara já estava no banho. Helena, com a babá temporária que veio ajudar por algumas horas. E Gael... estava no escritório.

— Boa tarde — murmurei, parando na porta.

Ele levantou os olhos do computador. Sério.

— Saiu?

Assenti.

— Com um amigo.

O silêncio dele me engoliu. A testa se contraiu levemente, mas ele não disse nada. Só voltou os olhos para a tela.

— Se precisar de mim, estarei no quarto — finalizei, desconfortável.

**

À noite, tudo parecia mais carregado.

A bebê chorava demais. Ana Clara estava emburrada. E Gael... não dizia uma palavra além do necessário. No jantar, o silêncio era espesso.

Até que Ana Clara quebrou tudo:

— A babá nova é legal, mas eu gosto mais da Lívia. Ela é nossa.

Meu coração derreteu com aquela frase. Mas a reação de Gael foi diferente.

Ele levantou da mesa abruptamente, como se algo nele estivesse prestes a explodir. Caminhou até a cozinha, parou por um tempo, depois voltou.

— Podemos conversar? — perguntou, sem me encarar.

Assenti e o segui até a sala.

**

— Não tenho o direito de me meter na sua vida — ele começou, andando de um lado para o outro. — Mas você precisa entender que essa casa... esse ambiente... não é lugar para distrações.

— Distrações? — repeti, ferida. — Você está me chamando de distraída por sair uma tarde com alguém?

Ele passou a mão no cabelo, impaciente.

— Não é sobre sair! É sobre o que você está se tornando aqui. Está ficando íntima demais, envolvida demais, e isso... isso está mexendo com tudo.

O coração batia forte no peito.

— Se está incomodado, posso procurar outro emprego.

Ele parou. Me olhou com um susto genuíno.

— Não é isso que eu quero.

Ficamos em silêncio. A tensão entre nós era quase palpável.

— Eu me importo com você — ele disse, enfim, com voz rouca. — E isso me assusta.

Respirei fundo. Era agora ou nunca.

— Gael... eu também me sinto confusa. Você tem 37 anos, dois filhos, uma história... e eu sou só uma garota tentando achar meu lugar no mundo. Às vezes, eu me vejo como sua filha. Outras, como... algo que nem sei explicar.

Ele se aproximou. Devagar. Como se cada passo fosse uma escolha. Quando parou diante de mim, a respiração dele roçava meu rosto.

— Se eu te beijar agora... — murmurou — tudo muda.

— Então não beija — sussurrei, com os olhos brilhando.

Mas nem ele nem eu recuamos. Ficamos ali, próximos demais, os lábios quase se tocando. O mundo parecia conter a respiração.

Mas ele fechou os olhos e se afastou.

— Boa noite, Lívia.

— Boa noite, Gael.

**

Naquela madrugada, deitada na cama, fiz uma escolha.

Por mais que meu coração parecesse ir em direção a ele, eu precisava de distância. De lucidez. De ar.

Porque amar alguém não é suficiente quando se carrega culpas, feridas e a dor do que poderia ter sido.

E naquele momento, manter uma distância segura era meu único gesto de cuidado... com ele e comigo.

Nathan

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