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5. Entre cuidados e silêncios

A semana passou mais lenta do que o normal.

Desde aquele dia, Gael parecia mais calado do que o habitual. Não frio. Apenas... contido. Como se medisse cada palavra, cada olhar. E isso me afetava mais do que eu gostaria de admitir.

Ana Clara notou também. Em uma manhã de quarta, enquanto desenhávamos juntas no tapete da sala, ela soltou sem pensar:

— O papai está estranho, né?

Sorri, tentando disfarçar o incômodo que aquela frase trouxe.

— Às vezes os adultos ficam assim... cheios de coisas na cabeça.

— Ele te olhou diferente ontem — ela disse, rabiscando um coração com lápis vermelho. — Eu vi.

Engoli em seco. O que uma criança de dez anos via que nem eu tinha certeza?

**

À noite, Helena estava irritadiça. Choro preso, manha, sono quebrado. Fiquei com ela no colo por horas, balançando suavemente, enquanto a casa ia se acalmando aos poucos.

Foi quando Gael apareceu na porta do quarto.

— Está tudo bem?

— Está sim. Ela só está um pouco agitada.

Ele entrou devagar, aproximou-se de nós. Olhou para a bebê com uma doçura que raramente deixava transparecer. Estava com uma camiseta preta simples e calça de moletom. Nada no visual dele gritava “chefe” ou “empresário”. Só homem. Pai. Homem comum.

— Quer que eu a pegue?

— Pode ser.

Entreguei Helena a ele e fiquei observando, em silêncio, enquanto ele a embalava com cuidado. Ele murmurava algo baixo, como se tentasse acalmá-la com a voz. E funcionava.

— Você leva jeito — comentei, sem pensar.

Ele olhou para mim, sem sorrir.

— Eu tento.

Permaneci de pé, ali perto. Observando aquele homem forte, aparentemente inabalável, em um dos momentos mais ternos que já presenciei. E me peguei sentindo algo no peito. Não era amor. Ainda não. Mas era uma ternura quente, desconfortável e confusa.

**

Mais tarde, quando já ia para o quarto, passei pela sala e vi Gael sentado no sofá, sozinho. A televisão desligada, as mãos entrelaçadas sobre os joelhos.

— Tudo certo? — perguntei, da porta.

Ele não respondeu logo. Depois fez que sim com a cabeça.

— Desculpa se tenho agido estranho com você — disse, com a voz mais baixa. — Às vezes, nem eu entendo o que estou sentindo.

Fiquei parada, surpresa. Não esperava aquilo.

— Eu entendo... um pouco — murmurei. — Também estou tentando entender tudo.

Nos encaramos por alguns segundos. Havia uma vontade silenciosa de se aproximar, mas também uma muralha de consciência entre nós.

Ele desviou o olhar.

— Boa noite, Lívia.

— Boa noite, senhor Gael.

Voltei para o quarto com o coração apertado. Porque por mais que aquele momento tivesse sido breve... algo em mim sabia que ele tinha marcado o início de algo que seria difícil de parar.

---

A manhã começou com chuva. Daquelas finas, contínuas, que deixam o céu acinzentado e o humor também.

Gael estava atrasado. Falava ao telefone no viva-voz enquanto tomava café e tentava arrumar a mochila de Ana Clara. Eu observava de longe, com Helena no colo, e não consegui evitar um leve sorriso. Por trás daquela fachada de homem forte e sério, existia alguém visivelmente sobrecarregado.

— Deixa que eu faço isso — me ofereci, pegando a mochila das mãos dele.

Ele suspirou, aliviado, e agradeceu com um gesto.

— Você tem sido mais que uma babá por aqui, Lívia — murmurou, quase como se não quisesse que eu ouvisse.

Meu coração deu um pequeno salto.

**

Depois que ele saiu, o dia seguiu com a rotina de sempre. Ana Clara teve aula online, Helena cochilava no fim da manhã, e eu aproveitei o silêncio para arrumar o quarto de brinquedos. Era uma bagunça adorável.

Quando terminei, sentei um pouco no tapete e fiquei olhando as paredes coloridas, as bonecas espalhadas, os livrinhos com desenhos infantis. Era tudo simples, mas tão... cheio de vida. Me perguntei se, um dia, teria algo parecido. Uma família. Um lar.

Fui tirada do devaneio com o som da porta batendo.

Gael.

— Chegou cedo — comentei, ao encontrá-lo na sala.

— Cancelaram uma reunião — respondeu, largando o casaco no encosto do sofá. — E, sinceramente, eu precisava respirar.

Ele parecia cansado. Os olhos com olheiras suaves, a barba por fazer. E, mesmo assim, ainda tão bonito. Às vezes, até demais.

— Quer um café?

— Quero companhia.

A resposta me pegou de surpresa.

Sentei ao lado dele no sofá, a uma distância segura. Ele passou as mãos no rosto, depois ficou em silêncio por alguns segundos, como se pensasse no que queria dizer.

— Sabe o que é mais difícil? — perguntou, olhando para frente. — Voltar pra casa e perceber que ela não está aqui. A mãe das meninas. Mesmo depois de meses... eu ainda espero escutar a voz dela entrando por aquela porta.

Olhei para ele. Não com pena, mas com algo mais profundo. Com compreensão.

— Não existe manual pra luto, senhor Gael.

Ele me encarou. O olhar cansado, mas atento.

— Me chama só de Gael... pelo menos aqui, quando estamos sozinhos.

Assenti, sentindo o rosto aquecer.

— Gael... — repeti, quase em sussurro.

Ficamos em silêncio por alguns minutos. O tipo de silêncio que diz mais do que palavras. Um silêncio que aquece e assusta.

— Às vezes, eu esqueço que você tem só 21 — ele comentou, de repente. — Você fala como se já tivesse vivido o dobro disso.

— A vida nem sempre espera a idade pra ensinar as coisas — respondi.

Ele sorriu. E foi a primeira vez que vi um sorriso tão sincero saindo dele. Um sorriso triste, mas real.

— Me sinto... estranho, Lívia. Por gostar de conversar com você. Por me sentir confortável com a sua presença. Não deveria, mas me sinto.

Senti o estômago apertar. Porque eu também gostava. Gostava do som da voz dele, do jeito como ele me olhava sem olhar, da forma como me fazia sentir vista.

— Eu também me sinto estranha — confessei. — Às vezes, até culpada.

Ele assentiu, como se aquela culpa fosse compartilhada.

— Talvez a gente só precise de um tempo. Não pra se afastar, mas pra entender o que isso significa. Se é que significa alguma coisa.

Não soube o que dizer. Então, apenas encostei levemente minha cabeça no ombro dele. Ele não se afastou.

E ali ficamos. Dois corações carregando culpas e sentimentos proibidos. Dois mundos tentando não se confundir... mas se aproximando mais a cada dia.

Nathan

até o próximo!!!!

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